sábado, 24 de abril de 2010

‘E-MAIL’ NÃO ENVIADO: “PODIA SER QUALQUER UM, MAS HOJE É TU!”

“Basta apenas um segundo para que percamos tudo aquilo que achamos que temos”: este é o tipo de mensagem pregada nos filmes do cineasta pessimista Gaspar Noé, mas hoje, pela primeira vez em muito tempo, também eu pense que a recíproca também seja verdadeira, justamente por tentar justificar para mim mesmo que existem situações em que a recíproca é irrelevante. Tentarei explicar, partindo da premissa cara a Umberto Eco de que cada texto admite um leitor ideal. Mais do que um leitor “ideal”, esta postagem possui um destinatário imediato, mas não somente a ele se destina.

Havia programado uma noite e uma madrugada repleta do que se poderia chamar de diversões planejadas no que tange à proximidade da contravenção. Motivo para esta programação: minha mãe parece satisfeita na noite de hoje e meu irmão problemático não parece ter intenção de se embebedar e ficar violento. Ao contrário de este bem-estar familiar alheio ser motivo para que eu saia de casa, não deveria ser justamente o contrário: justamente por eles estarem bem, não deveria eu ficar ao lado deles? Respondi que sim e desistir de sair de casa nesta noite de sábado justamente quando me vestia para tal. E não penso em me arrepender disso. Mudar de opinião é também muito positivo. E, para além de saturar o destinatário imediato desta postagem com agradecimentos que ele não mais tolera (e que nem eu tampouco tenciono que sejam recíprocos – jamais serão e isto pouco importa na aplicação de seus efeitos!), aproveito a oportunidade para confessar ao mundo o quanto me sinto geracionalmente compreendido pelo cineasta Judd Apatow, do qual acabo de ver “Ligeiramente Grávidos” (2007), filme que estava em minha casa faz tempo, mas que não havia tido ainda a oportunidade de vê-lo em sua integralidade, visto que ele atinge os insuspeitos 133 minutos de duração, coisa rara em se tratando de comédias contemporâneas.

A longa e inusitada duração do filme, considerando-se os atuais padrões ligeiros do gênero, é um indicativo tácito de sua qualidade (inclusive, dramática), já anunciada no ótimo filme anterior do diretor e roteirista, “O Virgem de 40 Anos” (2005), com o qual obviamente me identifiquei. Neste filme, o que mais me surpreendeu foi o quando Judd Apatow demonstra conhecer os anseios e decepções caros à minha geração, aqueles que beiram os 30 anos de idade, que transitam entre a instabilidade empregatícia de forte cunho midiático-referencial e a pletora informacional cara à contemporaneidade. A trama do filme parece banal: um moço inconseqüente (Seth Rogen, espécie de ator-fetiche do cineasta) e uma funcionária solteira de uma rede de fofocas televisivas (Katherine Heigl) conhecem-se numa festa e, ambos bêbados e adeptos do sexo casual, fazem sexo sem camisinha, o que redunda numa gravidez surpreendentemente desejada. Antes que o parto da protagonista se desse e, quando sua irmã entra na maternidade para abraçá-la eu sentisse por um segundo uma “inveja positiva” de quem tem a oportunidade de gozar do padrão nuclear heterossexual de família, fiquei abismado com a qualidade superior das piadas destiladas ao longo da projeção. Juro que gargalhei solitariamente enquanto via o filme, visto que vi nele registrados perfeitos retratos de alguns de meus melhores amigos!

O grande diferencial dos filmes roteirizados pelo Judd Apatow está no modo como ele insere piadas envolvendo citações verbais a outros filmes, constituindo o cerne de alguns diálogos brilhantes, como quando um grupo de amigos compara a púbis de Julianne Moore (vista num filme de Robert Altman) ao labirinto de folhagens que marca o final de um famoso filme de Stanley Kubrick ou a cena genial em que duas mulheres não entendem os comentários que seus cônjuges fazem a respeito de suas vidas, comparando-as aos eventos modificáveis de uma famosa trilogia fílmica do Robert Zemeckis. Porém, os blagues envolvendo as mudanças de comportamento atual em relação a drogas e sexualidade me surpreenderam: seja no momento em que dois protagonistas masculinos são mostrados sob o efeito de cogumelos alucinógenos numa apresentação do Cirque Du Soleil, seja quando o pai do filho da protagonista questiona como se não soaria hipócrita ao aconselhar seu bebê a não usar drogas se ele próprio é um consumidor contumaz de maconha. A resposta do seu pai é não somente hilária quanto fabulosamente perspicaz!

Depois que vi o filme – e fiquei deveras satisfeito com seus resultados morais – lembrei de uma daquelas anedotas típicas de minha vida, referente a ume garota que se apaixonou por mim quando eu tinha 16 anos de idade e, quando veio me confessar seus intentos namoratórios, eu disse-lhe que tinha problemas nesta área, ao que ela respondeu: “não te preocupes. Eu te amo tanto que suportarei namorar pelos dois”. Dei uma chance a ela e, meses depois, a mesma estava aos prantos no interior de um ônibus, dizendo que eu a magoara tanto que não se sentiria mais capaz de amar outro homem depois de mim. Hoje ela está aparentemente bem-casada com um rapaz de sua igreja (Testemunhas de Jeová). Não a culpo. Talvez ela também tenha se deparado com aquele segundo epifânico de vida, em que tudo muda... Tomara!

Pelo sim, pelo não, fica a recomendação: “Ligeiramente Grávidos” é muito melhor do que parece aprioristicamente!

Wesley PC>

2 comentários:

Rafael Maurício disse...

é, eu sabia que vocÊ gostaria deste filme, a viagem dos dois de cogumelo foi uma das cenas fílmicas mais convincentes que já vi em vida, minha mãe é Testemunha de Jeová.

Pseudokane3 disse...

E eu esqueci de mencionar o brilhante diálogo em que um ginecologista arreganha as pernas da irmã de uma paciente e, de cara com a vagina dela, solta: "pois é... Tu és igualzinha à tua irmã" (kkkk)

genial!

WPC>