quinta-feira, 1 de abril de 2010

FINALMENTE E PELA PRIMEIRA VEZ, O ANTICLÍMAX NECESSÁRIO!


“Illmo Sr. Bejamim Abrahão
Saudações.
Venho lhi afirmar que foi a primeira peçoa que conceguiu filmar eu com todos os meus peçoal cangaceiros, filmando assim todos us muvimento da noça vida nas catingas dus sertões nordestinos.Outra peçoa não conciguiu nem conciguirá nem mesmo eu consintirei mais.
Sem mais do amigo,
Capm Virgulino Ferreira da Silva
Vulgo Capm Lampião”

Acabo de ver “Baile Perfumado” (1996, de Paulo Caldas & Lírio Ferreira), finalmente e pela primeira vez e receio dizer que o filme me decepcionou. Não por sua qualidade, mas pelas expectativas geradas em torno dele. Sempre ouço falar deste filme como sendo o grande xodó dos formandos em Pedagogia sergipanos, como um dos grandes e surpreendentes sucessos de público da chamada Retomada do Cinema Brasileiro e como um belo filme a reproduzir as relações intra-amistosas no bando do cangaceiro Lampião. O tema, a abordagem e as pretensões discursivas dos diretores e roteiristas, porém, são demasiado distintos, conforme atesta a cena final, passada 25 anos antes dos eventos mostrados no restante da película, quando o libanês Benjamin Abrahão (maravilhosamente interpretado por Duda Mamberti) chega ao Brasil com o intuito de “mudar o mundo”, assumindo como esta a tarefa e capacidade dos inquietos. A figura de Lampião no roteiro é um mero coadjuvante em dupla escala metalingüística, um mero instrumento dos jogos de poder midiático e tráfico de influências acessórias perpetrados pelo fotógrafo protagonista!

Analisando as biografias dos diretores, sabemos que ambos têm passagem pela Faculdade de Jornalismo, o que explica muitas dos posicionamentos ideológicos dúbios levados a cabo pelo filme, que legitima o oportunismo em favor de uma notícia, que se põe do lado dos alegados biógrafos que constroem verdadeiras reputações pessoais (para o mal e para o bem) com base na manutenção de supostas relações de amizade estendidas com os personagens biografados ou diretamente relacionados a estes. Não que eu esteja discordando da perspectiva sub-repticiamente defendida pelos produtores do filme, mas fiquei chocado ao perceber como o filme se deixa divulgar através de interpretações e chamarizes incondizentes com o receptáculo fílmico apresentado. Nem mesmo no que diz respeito à fabulosa trilha sonora que mescla os principais gênios recifenses do ‘mangue beat’ (Chico Science, Siba e Fred Zero Quatro, entre outros) a exaltação propagandística do filme é sincera, dado que as músicas pontuam anticlímaces, cenas (e vidas) interrompidas bruscamente, conforme se percebe na súbita seqüência anterior ao ‘flashback’ descrito, em que um ‘travelling’ mui rápido percorre a caatinga depois que sabemos que Benjamin Abrahão está morto para encontrarmos, após diversos cacoetes videoclipescos de câmera, o cangaceiro-fetiche vislumbrando a deslumbrante e incompreendida paisagem sertaneja sobre um exuberante acidente geográfico. Isoladamente (num ‘trailler’, por exemplo) é uma seqüência maravilhosa, mas, concatenada ao restante do filme, soou-me estranha, carregada de misteriosas ideologias, impositiva, só perdendo em impacto e assombro para a cena em que, enquanto compartilhava um jantar comemorativo com convivas, onde lê o bilhete pessoalmente escrito por Lampião que serve de epígrafe a esse texto, Benjamin Abrahão acende um palito de fósforo e fala diretamente para a câmera, depois que tudo escurece: “decerto tu se esqueceste de pagar a conta da energia elétrica”. O que isso quer dizer? Não sei bem ainda, mas que é estranho, muito estranho, ah, isso é!

De resto, o filme é um belo exemplar de Teoria Aplicada do Jornalismo e, como tal, entendo por que o mesmo é elogiado e difundido em universidades: este é um adequadíssimo local para fomentar discussões sobre obras de arte que não se esgotam na mera exibição. Este é um caso: “Baile Perfumado” é um filme que, mais ou menos do que os elogios rasgados e eventualmente impensados que recebe, carece de muita discussão sobre ele. Quisera eu ter o poder de levar este desafio à frente. Espero eu ser inquieto o suficiente no aproveitamento de minha formação acadêmica como comunicólogo... E não cometer na prática os mesmos deslizes que o egrégio protagonista profissional do filme!

Wesley PC>

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