domingo, 4 de abril de 2010

“IN GIRUM IMUS NOCTE ET CONSUMIMUR IGNI”

De trás para frente de frente para trás, esta expressão latina permanece idêntica. Trata-se de um palíndromo moral que significa algo como “perambulando pela noite, somos consumidos pelo fogo” e é também o título do filme que vi na madrugada de ontem para hoje, depois que recebi um telefonema perguntando por que eu não havia comparecido a uma dada festa: “esta tua recusa em sair de casa tem alguma razão política. Wesley?”, perguntou a minha interlocutora, ao passo que eu não tive tempo de dizer que só não saí com ela porque ela não me disse a que horas seria o nosso encontro. Confesso, porém, que reluto em sair de casa muitas vezes para atender ao convite de amigos. É algum vício, alguma crise, algum problema que me persegue há um bom tempo e que me impede de apreciar e/ou descobrir algumas situações e experiências essenciais para entender melhor, nos sentidos cultural e político do termo, o mundo ao meu redor. E, para minha completa surpresa e estupor, era justamente sobre isso que o filme visto versava!

“in girum imus nocte et consumimur igni” (1978), escrito assim mesmo em letras minúsculas, é o nome do último filme dirigido pelo teórico situacionista Guy Debord, que suicidou-se em 1994. Quem já leu qualquer frase do teórico-cineasta contra o que ele definiu como “A Sociedade do Espetáculo” (tema de seu livro mais famoso e de filme homônimo dirigido em 1973), sabe que ele é absolutamente iconoclasta, odeia tudo o que tenha sido tocado pelo Capitalismo e professa o surgimento militante do anti-Cinema, levado a cabo desde 1952, aos 19 anos de idade, quando ele realizou “Uivos Para Sade”, filme que, insisto, até hoje leva o título de “o mais radical que já vi”. Em “in girum imus nocte et consumimur igni”, a abordagem é diferente, propositalmente modorrenta e arrogante, em que pessoas são mostradas como indignas de quaisquer tipos de concessões e imerecedoras até mesmo de imagens, visto que resignaram-se a desistir de tudo, conforme assim ordena as exigências mercadológicas atuais. Em verdade, é complicado acompanhar o filme não somente por causa de sua dificuldade narrativa e arrogância estrutural, mas porque o diretor faz uso de dados mui pessoais de sua própria vida e da cidade de Paris para explicar que não se pode ser militante sem viver, sem misturar-se aos problemas criticados, sem sentir na pele as conseqüências do que se condena. Por isso, ao fim da sessão de 100 minutos, há um recado pedindo que voltemos ao princípio, o que eu fiz através da leitura integral do roteiro, que, por sorte, eu havia imprimido antes de baixar o filme. Fiquei aterrado com tudo o que interpretei a partir daí. Dormi com muita dificuldade militante depois disso e continuo um tanto relutante em sair de casa, mesmo tendo certeza e sapiência de que isto é obrigatório e necessário. Erro meu. Talvez eu seja mais só um viciado contumaz na sociedade atroz e mercadológica que o diretor/autor condena... Hoje de manhã, faltou energia elétrica onde moro. Que agonia!

Wesley PC>

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