domingo, 11 de abril de 2010

“QUANDO EXISTE COOPERAÇÃO MÚTUA, HÁ TAMBÉM PROSPERIDADE MÚTUA” (OU A LÓGICA DO EXPLORADO PERPÉTUO)


“O dinheiro é aqui tanto abstrato (tornando tudo equivalente) quanto vazio e desinteressante, já que seu interesse está fora dele mesmo; ele é, portanto, incompleto como as imagens modernistas que tenho evocado, dirige a atenção para outro lugar, para além de si mesmo, em direção ao que supostamente o completa (e também o destrói), a saber, a produção e o valor” (JAMESON, Fredric. A Virada Cultural: Reflexões sobre o pós-modernismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 253)

Cerceado por motivos diversos (a chuva incessante, a subsunção de minha família à programação iterativa da TV aberta, a impossibilidade de a porta do quarto dos pais de meu vizinho preferido ser fechada em virtude de uma goteira, a obsessão pensamental decorrente de uma paixonite, etc.), os únicos dois filmes que vi entre a tarde de ontem e a manhã de hoje foram contribuições randômicas da TV por assinatura: “Pu-239” (2006, de Scott Z. Burns) e “Antes das Chuvas” (2007, de Santosh Sivan). Não obstante suas diferenças de contexto, visto que é o primeiro é um telefilme sobre as conseqüências pessoais de um acidente radioativo na Rússia e o segundo é um drama indiano sobre adultério entre classes sociais distintas na década de 1930, ambos possui elementos bastante pontuais em comum, dentre os quais posso destacar dois: a utilização da língua inglesa como indício de colonização e a apropriação indébita de metáforas envolvendo artrópodes alados, elementos este que me fizeram perceber a validade do livro teórico que estava lendo antes das sessões. Vejamos os porquês.

No primeiro dos filmes – norte-americano em essência, mas repleto de técnicos romenos em sua ficha técnica – não há qualquer justificativa para que todos os personagens, advindos das mais diferentes províncias soviéticas, falem o mesmo tipo de inglês com sotaque. Fazendo-se o possível para ignorar este elemento aparentemente banal, mas deveras significativo em relação às motivações ideológicas que balizaram a escolha do tema e do cenário intra-apocalíptico do filme (em que os efeitos individuais de uma poderosa radiação de plutônio num dado homem são menos intimidadores que a pletora de mafiosos urbanos ignorantes), é difícil não se incomodar com a disritmia narrativa do filme, que intercala dois focos personalísticos que seriam concorrentes se não fossem embalados pelo mesmo apelo familiar-paternalista: o pai infectado tenta encontrar um modo de validar uma indenização industrial para sua esposa e filho, enquanto um criminoso pé-de-chinelo se desespera a fim de encontrar algo para presentear o filho que compartilha com uma prostituta. Em meio a estes embates, um questionamento em ‘off’: “o que dói mais: o gás que desnorteia a borboleta ou o espinho que a perfura?”. Não sei se entendi a resposta moral embutida no final inevitavelmente pessimista, o que me leva de supetão ao segundo filme, superior em qualidade e narratividade ao primeiro, em que um engenheiro britânico casado serve-se romanticamente de uma empregada doméstica indiana igualmente casada e a abandona quando esta é espancada pelo marido, o que desencadeará reações atreladas à luta pela independência daquele país. O uso do inglês é aqui muito bem contextualizado enquanto ferramenta de colonização sutil (visto que é associado a um tipo de civilização e educação superior, rejeitado pelos nativos que vislumbram a autonomia política), ao passo em que a metáfora para-religiosa envolvendo uma libélula libertada que supostamente permitiria a reencarnação da empregada morta é prenhe de sentido face aos engodos namoratórios prometidos pelo engenheiro. Se o filme insiste em ter problemas, estes mereceriam um artigo mais complexo e específico no plano da análise cinematográfica, em especial quando comparado ao filme que lhe deu origem, o israelense “Asphalt Zahov” (2001, de Dan Verete), ainda não visto e do qual o roteiro do terceiro episódio serviu de base para o roteiro indiano de Cathy Rabin.

Onde eu quero chegar com toda esta tergiversação fílmica? Justamente à confissão de que eu não sei onde quero chegar, à constatação de que, quanto mais eu leio e vejo bons ou maus filmes, fica a impressão certeira de que serei sempre refém (no sentido mais comunitário do termo) da opressão capitalista, visto que até mesmo os mais simples prazeres e/ou saciação de necessidades fisiológicas perpassam antes pela necessidade de aquisição monetária, conforme vislumbro neste exato instante, em que a exibição noturna de “Pretty Baby – Menina Bonita” (1978, de Louis Malle), verdadeiro clássico dramático sobre o leilão da virgindade de uma rapariga de 12 anos, atrela-se inconvenientemente à esperança de arrematar os licores genitais de um amante proibido de ser reconhecido por várias diretrizes da sociedade monetariamente regulamentada que nos rege. Ficam aqui, portanto, a confissão e o desejo.

Wesley PC>

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