sábado, 29 de maio de 2010

“PAU NO CU DA GLOBO, PAU NO CU DE DEUS” E OS ERROS BEM-INTENCIONADOS QUE FICARAM PELO MEIO...

“Mesmo aqueles que buscam na criminalidade a realização de seus desejos imediatos de consumo, sejam de classe média ou da periferia, não podem ser caracterizados como marginais ou como excluídos do sistema, posto que partilham os valores instigados todos os dias, o dia todo, em todos os lugares, haja vista em cada canto haver uma TV ligada ou um ‘outdoor’ oferecendo a felicidade” (PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. ‘A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização’ – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006 – página 153).

Pronto, consegui baixar e ver o restante do filme e digo agora em letras garrafais: “BOTINADA – A ORIGEM DO PUNK NO BRASIL” (2006, de Gastão Silveira) TERMINA MUITO, MUITO MELHOR DO QUE COMEÇA! Os problemas apontados anteriormente – sendo o maior deles a opção por centralizar o roteiro na condução de entrevistas irregulares – continuam a se manifestar, mas são justificados por uma análise diacrônica de contexto, de maneira que um dos segmentos finais, quando os ‘punks’ de outrora respondem sobre como estão trabalhando hoje, enfia o dedo na ferida aparentemente enciclopédica e dota o filme de um interesse maior do que o seu deslumbrado diretor pretendia. Afinal, se o filme serviu para que eu percebesse o quanto o desempregado Redson, vocalista do Cólera, ainda é coerente em seu discurso de insatisfação social (sem contar que ele é bonito fisicamente), irritei-me deveras com os depoimentos supostamente engraçados – mas irritantes – do secretário de cultura Clemente, ex-vocalista da banda Inocentes e atualmente um inimigo do que ele próprio tenta negar como órgão sociopolítica do ‘punk’.

Queria eu ter o poder de julgar uma obra ou um movimento de organização social (adolescente) tão importante como este sem precisar apontar o dedo para um ou dois porta-vozes equivocados, mas não consigo. Sei que é muita tabaroice de minha parte julgar os erros do ‘punk’ como um todo pelas ações errôneas de uns rebentos que só se aglomeraram sobre este rótulo por causa da possibilidade de mais farra e bebedeira, conforme alguém disse no filme, mas tenho que começar por algum lugar: e, neste sentido, os blagues nostálgicos de mau gosto do tal Clemente me irritaram sobremaneira.

Por outro lado, fiquei particularmente emocionado com o depoimento do cantor com garra-de-ferro numa das mãos explicando como se envolveu na explosão do coquetel molotov que ocasionou a perda da referida parte do corpo e com o depoimento de alguém que explica que os erros cometidos – que foram muitos e não são negados – assim aconteceram de forma bem-intencionada, parecendo fazer sentido na época em que se deram, em que um estranho bairrismo competitivo e mui violento corria em paralelo a uma bandeira de “destruição reconstrtuiva”. Com toda miséria e com toda a acumulação de defeitos, este filme meia-boca convida-nos à reflexão, nem que seja por vias involuntárias, que se renovam de sentido quando ouvimos Wander Wildner à frente dos Replicantes na “Festa Punk” cantada durante os créditos finais.

Aliás, este tipo de proposta de discussão sempre me traz à tona uma conversa inesquecível que travei com um amigo metaleiro, em que analisávamos as principais diferenças de protesto entre os seguidores pretensamente inconformados do ‘hardcore’/’punk’, do ‘heavy metal’ e do circuito ‘indie’/’pimba’ (ao qual me filio, creio). Enquanto os primeiros revoltavam-se com propostas de autogestão, os segundos propunham a dizimação dos inimigos e os terceiros, o suicídio. No futuro, espero poder discutir esta lembrança dialógica com maior conhecimento de causa, mas, por ora, explicito aqui minhas insatisfações e parcas interferências enciclopédico-positivas do filme ora criticado. Espero contar com vozes alheias neste processo de auto-conhecimento cultural e de enfrentamento das mazelas do mundo globalizado neo-liberal hodierno... Afinal de contas, não creio que mandar enfiar um “pau no cu” da Rede Globo e de Deus no meio de uma mesma ordenação frasal seja condizente com a revolta ‘punk’!

Wesley PC>

Nenhum comentário: