quarta-feira, 26 de maio de 2010

“A RAZÃO DO MEU AFETO” (OU O SOM QUE OS ESTORNINHOS FAZEM QUANDO CITADOS EM CANÇÕES BRITÂNICAS)

O diretor britânico Nicholas Hytner foi apresentado ao mundo em 1994, com um filme de nome “As Loucuras do Rei George”, ao mesmo tempo denso e bem-humorado, sobre um monarca que finge-se de louco para não deixar que sua herança seja dilapidada – e que, aos poucos, enlouquece de verdade, sem que sua esposa fiel deixe de estar ao seu lado. Em 1996, ele realiza “As Bruxas de Salém”, mais um excelente filme sobre incompreensão alheia e loucura fingida como elemento sobrevivencial. Em 1998, foi a vez de ele realizar “A Razão do Meu Afeto”, filme resumido como sendo a relação terna entre uma mulher grávida e um homossexual carente. Levei 12 anos para ter acesso a este filme e, vendo-o finalmente, na madrugada de hoje, percebei que ele é bem maior do que seu argumento, bem melhor do que eu suspeitava, um filme que me deixará angustiado e contente antes de dormir...

Se digo que ele me deixará contente é porque encantei-me por completo com o clima honesto do filme, com o bom humor do roteiro, com a gama de personagens secundários que evita que a paixão “não-correspondida” da personagem de Jennifer Aniston pelo homossexual vivido por Paul Rudd transforme-se no dramalhão melodramático e forçado que se tornaria em mãos menos hábeis. E, dentre estes brilhantes personagens secundários, encontramos um ator acostumado a representar o alter-ego do diretor, o extraordinário Nigel Hawthorne, que vivifica um velho crítico de teatro, incapaz de obter êxito numa relação homoerótica com o ator teatral por quem se apaixona e eternamente amargurado por não conseguir se divertir diante da pletora de releituras pretensamente “modernas” de clássicos shakespeareanos. Foi graças a este personagem que precisei dar uma pausa na sessão e pensar sobre o que o filme (simples, apesar de tudo) estava me causando. Digitei mensagens para dois estimados estudantes de História e voltei à sessão, o que me leva à angústia também conseqüente à sessão.

Se digo aqui “angústia”, é por falta de palavra melhor. Se digo aqui “angústia”, é no patamar mais elogioso do termo, no sentido de que esta palavra está associada a consciência, à percepção de que algo vai mal no mundo que nos cerca, conforme ele se apresenta diante de nós hodiernamente, modelado irrefreadamente por homens poderosos e injustos, defensores do Capitalismo ou das mesmas contradições entre ação e prática socialista que acometiam o namorado “bolchevique” da protagonista do filme. Se vou dormir agora levemente angustiado é porque insisto em ter escolhas num espaço-tempo em que a própria capacidade de escolher é dizimada pela similaridade chinfrim de opções. Se vou dormir angustiado, é porque insisto em tentar ser feliz num contexto em que a depressão pré-consumista é estimulada a passos largos, conforme se demonstra nas canções agradáveis que escuto enquanto digito estas linhas...

O que me leva a um traço de coesão com a postagem anterior, quando citava um amigo de infância que, reencontrado após um largo tempo de ausência, questiona o meu arcaísmo acerca de alguns utensílios materiais de ostentação. Fui à casa dele, conforme prometido, e descobri que o mesmo enfrentou alguns problemas sentimentais extremados, agravados pelo fato de que não sabia escolher entre quem amava de verdade e as fofocas que difundiam acerca de sua (in)fidelidade namoratória. Vale dizer que, sendo ele um heterossexual externalizado, que sempre fez questão de filiar-se a ideais plenos de macheza, nunca houve problemas sérios em relação às conversas que tínhamos quando mais jovens, em que, eventualmente, eu me sentia atraído por sue esbelto corpo juvenil, uma vez exposto em todo o seu esplendor após um banho, a pedido meu, atendido de forma discreta e inesquecível. Nada sexual propriamente dito, nada que me faça sentir vergonha ou orgulho imbecil, mas um momento de entendimento exibitório assimétrico entre pessoas que pensavam diferentemente, agiam de formas diferentes, mas tinham objetivos comuns e, como tais, podiam ser amigos, para além das ameaças rondantes àqueles anos da década de 1990, que tão definitivos nos pareciam. Hoje, esta década passou. Talvez estejamos ainda mais diferentes, eu e ele, mas estamos conectados naquilo que realmente importa: sobrevivemos ao Capitalismo – ou tentamos!

Wesley PC>

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