quarta-feira, 23 de junho de 2010

DE COMO EU ENTENDO O PATRIOTISMO – I:

“O grande inconveniente da vida real e o que a torna insuportável ao homem superior é que, se se transportam para a vida real os princípios do ideal, as qualidades tornam-se defeitos, se bem que freqüentemente o homem com todas as suas potencialidades desenvolvidas tem menos êxito na vida do que aquele que tem por móveis o egoísmo e a rotina vulgar”. (‘Renan’ – Marc-Auréle)

Este forte apanágio do preço que se paga por acreditar em algo, que encabeça o livro “Triste Fim de Policarpo Quaresma” (1911), obra maior do mulato Lima Barreto (1881-1922), já antecipava que este romance se tornaria um dos melhores já lidos por mim, ao contrário do que sentenciavam vários colegas de escola quando se viam obrigados a ler tal livro frente às exigências sádicas de algum professor. Quanto erro de minha parte, ó Deus, em demorar tanto tempo para finalmente consumir com encanto cada uma das palavras de ordem aqui contidas. Simplesmente uma obra-prima, o tipo de livro que, se não muda nossa vida, a consolida no que esta tem de mais passional, em detrimento do que a sociedade alega, no afã de dirimir nossos sonhos mais elevados. A saga de Policarpo Quaresma partiu meu coração, por um lado, mas, por outro, pungiu-o de tal forma, que ele sentiu-se obrigado a agradecer por tal partição, no sentido de que alguns sentimentos são melhor compreendidos em suas manifestações extremas. A paixão, sem dúvida, é um destes!

Quando eu via este romance pousado sobre a mesa de algumas amigas de infância, estas logo se antecipavam em dizer que não o liam com prazer, que se enfadavam sobremaneira com a loucura do personagem principal, com o rigor descritivo de seu autor. Isto fez que, com o tempo, eu me desinteressasse pelo livro, não obstante o mesmo ser um dos mais egrégios baluartes de nossa literatura nacional. Em 1998, uma versão fílmica foi conduzida pelo pusilânime Paulo Thiago, que, quando vista por mim, não causou muito mais do que enfado. Deveria eu imaginar, porém, que era uma versão deturpada. Neste ano de 2010, em virtude de minha repulsa às manifestações espúrias de patriotismo que pululam pelas ruas em razão dos jogos do Brasil na Copa do Mundo, resolvi ler o livro como protesto. Como fui exitoso neste empenho: mais do que uma obra-prima, o que mais me surpreendeu no livro é a completa reviravolta a que ele nos conduz ao longo de suas três partes distintas. Na primeira, o protagonista é mostrado em seu cotidiano e em sua internação como louco; na segunda, ele é mostrado no retiro de um sítio chamado Sossego; e, na terceira, ele é atirado aos horrores da guerra, onde o “triste fim” do título faz sentido e leva-o a questionar a quem o seu fervor patriótico teria servido. Eu, enquanto isso, escandalizava-me, satisfeito, a cada página lida...

Se, no início, eu identificava-me por completo com o fervor protecionista do nobiliárquico protagonista, à medida que a trama evoluía, eu distanciava-me pessoalmente dele, no sentido de que o mesmo era engrandecido em seu subjetivismo em nível que eu ainda não alcançara. A própria trama, de sua parte, por vezes parecia secundária ao estilo depurado do escritor, que atolava seu livro com críticas severas ao comportamento ditatorial do Marechal Deodoro da Fonseca, descrito como preguiçoso, covarde, fingido e muitos outros ousados adjetivos negativos. Ao final, minha identificação pessoal era largamente restituída, visto que o personagem ia encontrando somente decepção, quando tentava explicar aos outros a sua paixão. Num dos momentos mais intensos do nadir do protagonista, li isso: A sua sensação era de fadiga, não física, mas moral e intelectual. Tinha vontade de não mais pensar, de não mais amar; queria, contudo, viver, por prazer físico, pela sensação material pura e simples de viver”. Tem como não gemer de satisfação subjetiva diante de uma passagem literária tão perfeita como esta?

Não sei se me cabe aqui revelar como o livro se encerra. Atesto que não é algo previsível (ou, se o for, por vias totalmente inesperadas e bem-vindas), de maneira que deve ser conhecido por qualquer apreciador de qualquer coisa que disponha dos auspícios adjetivos do termo “brasileiro”. O patriotismo do personagem não se confunde com o patriotismo do autor, ele próprio filho do casamento entre uma escrava e um português, que faleceu exatas 48 horas depois dele próprio, que fora internado por alcoolismo em dois momentos distintos de sua vida. Não são poucos os pontos de contato entre as descrições personalistas do livro e a própria biografia de Lima Barreto. Obra-prima: digo isso em voz alta! Impossível não se sentir orgulho de ter nascido no Brasil depois de ter lido isso...

Wesley PC>

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