domingo, 6 de junho de 2010

DILEMA DO DIA: ATÉ QUE PONTO A GENIALIDADE COMPLETAMENTE INVOLUNTÁRIA É DIGNA DE MÉRITO?

Quando eu tinha aulas de pós-graduação em Filosofia, fui apresentado a um ramo epistemológico de caráter analítico em que o conhecimento só aceito como tal quando rigorosamente justificado. Em linhas bem gerais, isso quer dizer que conhecimentos fortuitos não são necessariamente aceitos como tal, a não ser que o seu conhecedor possa explicar como chegou até a posse do mesmo. O apogeu deste questionamento está no chamado “Problema de Gettier”, proposto em 1963 por um filósofo norte-americano respeitado por alguns alunos mais radicais da UFS.

As dificuldades de entendimento que enfrentei na disciplina centrada neste tipo de problema fazem com que eu esteja desautorizado a comentar com propriedade o assunto, mas sirvo-me desta corruptela para trazer à tona o meu espanto positivo diante do difamado filme “A Banda das Velhas Virgens” (1979), dirigido por Amácio Mazzaropi e Pio Zamuner. Nunca escondi que desgostava dos filmes deste caipira preconceituoso tão querido pelos brasileiros, mas, aos poucos, vou percebendo lampejos subliminares de inteligência pré-crítica em suas obras e, no filme em pauta, execrado pela crítica, gargalhei em diversas seqüências. Será que eu interpretei demais o que era puro atabalhoamento produtivo? Se alguém tiver visto o filme, que me ajude.

A trama do mesmo deveria estar centrada na banda de velhas virgens do título, comandado pelo personagem de Amácio Mazzaropi, chamado Ananias, mas apelidado de Gostoso. Com exceção de uma aparição no início, outra no final e uma ou duas citações frasais, a tal banda é assunto quaternário no roteiro do filme, que, tal qual uma novela do SBT, mistura n sub-tramas, indo desde o deslocamento do protagonista de uma fazenda onde era explorado pelo latifundiário que deixou o seu filho paralítico para um lixão até os romances proibidos entre moças e rapazes de classes sociais distintas. Nada demais para quem está acostumado à seriedade incidental dos filmes protagonizados pelo Jeca, mas o que me chamou atenção aqui foi o conflito inevitável entre os valores anacrônicos do personagem e a abertura política/erótica cara à época, quando se aproximava de findar os governos militares no Brasil. Por isso, tenho que destacar algumas cenas.

O primeiro momento em que pulei da cadeira foi quando um ladrão entra de revolver em punho no interior de uma igreja e resolve assaltar o padre, que, enquanto implora por sua vida, vê a estátua de Santo Antônio fugir com o dinheiro das esmolas. Noutra cena, outro meliante assalta uma burguesa européia utilizando um linguajar deveras culto, primando pela relação diplomática entre algoz e vítima. Mais à frente, quando o caipira é preso por engano, um policial acostumado à prática da tortura chora quando Gostoso narra uma anedota envolvendo a Princesa Isabel num salão de bailes, momento musical inusitado que dura pelo menos um cinco minutos. E, por fim, as atividades do caipira transitam por espaços inusitados, como depósitos de lixo e praias, onde um estranhíssimo jogo de campo-contracampo permite que os olhares de pai desolado e filho paralítico contemplem com inveja um grupo de sete rapazes de sungas que jogavam futebol à beira-mar. Para quem sabe do homossexualismo irrestrito do ator principal, esta cena é revestida de um novo contexto kuleshoviano que, involuntariamente, a torna tão genial (e fora de contexto) quando os demais eventos narrados neste parágrafo. Conclusão: gostei muito do filme, mesmo sabendo que as cenas que mais me divertiram ou surpreenderam assim aconteceram por pura improvisação desengonçada ou pusilanimidade narrativa por parte dos roteiristas. Aí me vem a pergunta: a não-intenção na criação de seqüências memoráveis desautoriza a qualidade elogiável das mesmas? Juro que não sei responder, mas que vou divulgar este filme com muito fervor, ah, eu vou!

Wesley PC>

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