domingo, 27 de junho de 2010

“ESTAS BARRAS NÃO VÃO IMPEDIR A DIFUSÃO DOS IDEAIS REVOLUCIONÁRIOS. ESTA PRISÃO É TÃO SUA E NOSSA QUANTO DELES!”

Assim grita Juliet Berto no filme que acabo de ver e o qual me faz gritar aqui a necessidade de assumir que sou fã de Jean-Pierre Gorin. SOU FÃ DESTE CINEASTA FRANCÊS TÃO SUBESTIMADO E ECLIPSADO PELA GRANDIOSA SOMBRA DO MAGISTRAL JEAN-LUC GODARD!

Para quem não uniu de imediato o nome à pessoa, Jean-Pierre Gorin é o cidadão que, no final da década de 1960, no fervor mesmo dos acontecimentos revolucionários, propôs a instituição do Grupo Dziga Vertov, que propunha um cinema de guerrilha coletivista, em que ele próprio e Jean-Luc Godard, eventualmente auxiliados por Jean-Henri Roger e Paul Burron, realizaram filmes difíceis, em que o discurso não raro se sobrepunha às formas consagradas de se fazer cinema, “em que a imagem costumava oprimir os sons”.

Tive o árduo privilegio de assistir a estes filmes singulares (justamente por serem grupais) através de cópias muito ruins, geralmente transpassadas de VHS defeituosos, com legendas multilíngües e diluídas, quando haviam, mas que não me impediam de experimentar diversas crises pessoais diante das insistentes e necessárias admoestações dos personagens e autores. Vi há pouco “Vladimir e Rosa” (1971) e ainda estou cá, completamente absorto na pletora de informações e práticas teóricas de revolta que o filme transmite. Absolutamente genial!

Por onde começar a análise ou o encômio? Ainda numa das cenas iniciais, vemos um ativista ser preso e espancado por um policial, enquanto berrava: “ainda sou defensor da não-violência! Ainda sou defensor da não-violência!”. Segue-se uma paródia do julgamento burguês que, na realidade, aprisionou diversos dos revoltosos de maio de 1968, por atos desordeiros que protestavam contra a Guerra do Vietnã, contra a Guerra da Argélia, contra a Guerra da palestina, etc., etc.. E, enquanto um juiz afetado e propositalmente caricatural – com nome, posturas e simpatias nazistas – alega que pode falar o que quiser, pois fala "com a voz de Deus” (ao que recebe como replica a ameaça: “os palestinos, então, seqüestram aviões porque não têm a voz de Deus”), os réus defendem-se menos do que expõem com minúcias as suas teses de combate contra as injustiças classistas do mundo capitalista.

Nesse sentido, assistimos a um compêndio crescente de cenas protestantes geniais: numa delas, os narradores Friedrich Vladimir e Karl Rosa (vividos, respectivamente, pelos diretores Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin) discutem, gaguejando ferozmente, as contradições entre teoria e prática revolucionária, movimentando-se em vaivens no centro de uma quadra de tênis onde quatro jogadores seguem a partida, aparentemente alheios às suas presenças; noutra, uma feminista explica as diferenças entre os discursos liberadores de um francês branco casado e uma sul-africana desempregada; numa terceira, um advogado define racismo através de uma anedota: “se um trabalhador tiver que escolher entre comer a merda de um branco e a merda de um negro, e comer a merda de um branco, isto é racismo!”; e, numa quarta, um réu filiado ao grupo dos Panteras Negras é julgado com uma arma apontada contra sua, dizendo que “defender-se num tribunal burguês é o mesmo que jogar roleta russa com uma arma com 6 balas no pente”. Quando este é expulso do tribunal, os narradores do filme – que sempre deixam bem claro que, para além dos recursos ficcionais, aquilo ali é um filme! – explicam o porquê de a opção de uma dada militante em filmar a ausência deste réu negro ao invés de mostrar outros reivindicantes protestando é o equivalente à “filmagem política de um ato político por excelência”, adicionando a esta explicação uma crítica à vaidade de alguns revolucionários.

Quando mais eu tento lembrar aqui de cenas geniais deste filme, mais outras se acavalam em minha memória. “Vladimir e Rosa” é simplesmente genial, um filme que deveria ser largamente difundido por aqueles que realmente crêem na viabilidade de qualquer revolução. Digo mais: é quase ofensivo de minha parte ter visto este filme sozinho, no conforto do meu lar, quando ele prega justamente a necessidade de estar ao lado de outrem, inclusive e principalmente nos momentos mais árduos da luta pelos direitos humanos (socialistas) básicos. Mas não tinha com quem vê-lo. Peço perdão, então, por este ato de leve pusilanimidade. De resto, comprometo-me solenemente a buscar mais informações sobre o Jean-Pierre Gorin. Este filósofo militante, mais do que pragmático, merece atenção!

Wesley PC>

Nenhum comentário: