segunda-feira, 28 de junho de 2010

JEAN-LUC GODARD ET ALLI COMO DESENCAVADORES DA INSÔNIA POTENCIAL

Não consegui dormir direito na madrugada de hoje. Vários gritos, protestos, conselhos, ensinamentos, admoestações, conflito de idéias, luta de classes, tudo se misturava em minha cabeça e fazia-me questionar a inércia cotidiana. Motivo: dediquei o dia de ontem à audiência de filmes políticos radicais, que se posicionavam de forma favorável à revolta armada, enxergando na mesma a única forma viável de enfrentamento contra o poder crescente dos responsáveis pela disseminação do poderio da classe dominante capitalista.

Dentre os filmes que vi ontem, dois foram-me mais efetivos: “Longe do Vietnã” (1967), projeto coletivo que amalgama trabalhos protestantes de Chris Marker, Agnes Varda, William Klein, Claude Lelouch, Joris Ivens e Alain Resnais, além do próprio Jean-Luc Godard; e “Aqui e em Qualquer Lugar” (1974), tentativa dos diretores Jean-Luc Godard, Jean-Pierre Gorin e Anne-Marie Miéville de elevarem novamente o moral palestino depois que os líderes políticos entrevistados noutra feita (e que resultaram num filme que permaneceu inacabado) foram assassinados e mundialmente divulgados como terroristas. Ao invés, porém, de optaram por uma ótica pessimista ou derrotista, cada um dos envolvidos em ambos os filmes estrebucham, gritam, protestam, questionam-se e questionam-nos no limiar da martirização. Não tinha como eu permanecer emocionalmente incólume diante destas obras!

Se, no primeiro filme, constituído por vários esquetes que provam por A + B que não estamos “longe” do Vietnã nem de qualquer outro conflito armado mundial em que um homem se sinta no direito de oprimir outro, no segundo o próprio ato de encadear imagens em prol de uma causa é posto em xeque, analisado em seus próprios fundamentos constitutivos, culminando numa cena genial em que um pai de família tem um pedido negado por sua mulher em virtude de o mesmo estar desempregado por causa de sua filiação a reuniões sindicais. E prossegue...

Antes de me deitar, vi como eram transportadas bombas e reservas de napalm para o Vietnã, acompanhei um jovem Fidel Castro dizer que não há outra alternativa senão a luta armada para os países africanos, asiáticos e latino-americanos oprimidos, deparei-me com a viuvez de mulheres cujos esposos atearam fogo a si mesmos em prol de uma causa pacifista, vi Jean-Luc Godard dialogar com a sua câmera e como se fosse uma extensão pensante deste instrumento de visão e contestação ferrenha, fiquei paralisado enquanto um vietnamita era espancado inúmeras e repetidas vezes por um militar estadunidense, soube como pessoas comum recolhiam os restos dentários de vizinhos que morriam em decorrência de minas terrestres, surpreendi-me com os gritos de um menino bonito que achava ridículas as passeatas contra a guerra, empolguei-me diante do fervor contrariado de um Pantera Negra que achava a luta mais urgente que os passeios em defesa da paz, constatei que somos condicionados a permitir que “uma imagem escravize outra”, ao passo em que cremos que estamos realizando uma obra subversiva com isto... Em suma, não bastam os atos políticos, mas sim a reflexão política de atos políticos que são praticados politicamente.

Como dormir pacientemente ao saber que aberrações sociais como aquelas mostradas nos filmes ainda são plenamente reais e não tem sequer a pretensão de findarem? Como ficar quieto enquanto pessoas são mortas e oprimidas e escravizadas e vilipendiadas ao redor do mundo, inclusive no interior mesmo de nossos lares? Como?!

[ainda em processo ativo/crítico/pensamental]

Wesley PC>

Um comentário:

A. Everton Rocha disse...

Eu não vi esses filmes, mas posso imaginar um pouco do que você sentiu/sente. De tudo o que mais me chamou a atenção foi essa frase: não bastam os atos políticos, mas sim a reflexão política de atos políticos que são praticados politicamente, pois é exatamente isso que importa, pois é diante dessa luta a coisa mais difícil de fazer, pois até refletir custa caro. Mas então como dormir pacientemente enquanto somos escravizados e oprimidos?