Não consegui dormir direito na madrugada de hoje. Vários gritos, protestos, conselhos, ensinamentos, admoestações, conflito de idéias, luta de classes, tudo se misturava em minha cabeça e fazia-me questionar a inércia cotidiana. Motivo: dediquei o dia de ontem à audiência de filmes políticos radicais, que se posicionavam de forma favorável à revolta armada, enxergando na mesma a única forma viável de enfrentamento contra o poder crescente dos responsáveis pela disseminação do poderio da classe dominante capitalista.
Dentre os filmes que vi ontem, dois foram-me mais efetivos: “Longe do Vietnã” (1967), projeto coletivo que amalgama trabalhos protestantes de Chris Marker, Agnes Varda, William Klein, Claude Lelouch, Joris Ivens e Alain Resnais, além do próprio Jean-Luc Godard; e “Aqui e em Qualquer Lugar” (1974), tentativa dos diretores Jean-Luc Godard, Jean-Pierre Gorin e Anne-Marie Miéville de elevarem novamente o moral palestino depois que os líderes políticos entrevistados noutra feita (e que resultaram num filme que permaneceu inacabado) foram assassinados e mundialmente divulgados como terroristas. Ao invés, porém, de optaram por uma ótica pessimista ou derrotista, cada um dos envolvidos em ambos os filmes estrebucham, gritam, protestam, questionam-se e questionam-nos no limiar da martirização. Não tinha como eu permanecer emocionalmente incólume diante destas obras!
Se, no primeiro filme, constituído por vários esquetes que provam por A + B que não estamos “longe” do Vietnã nem de qualquer outro conflito armado mundial em que um homem se sinta no direito de oprimir outro, no segundo o próprio ato de encadear imagens em prol de uma causa é posto em xeque, analisado em seus próprios fundamentos constitutivos, culminando numa cena genial em que um pai de família tem um pedido negado por sua mulher em virtude de o mesmo estar desempregado por causa de sua filiação a reuniões sindicais. E prossegue...
Antes de me deitar, vi como eram transportadas bombas e reservas de napalm para o Vietnã, acompanhei um jovem Fidel Castro dizer que não há outra alternativa senão a luta armada para os países africanos, asiáticos e latino-americanos oprimidos, deparei-me com a viuvez de mulheres cujos esposos atearam fogo a si mesmos em prol de uma causa pacifista, vi Jean-Luc Godard dialogar com a sua câmera e como se fosse uma extensão pensante deste instrumento de visão e contestação ferrenha, fiquei paralisado enquanto um vietnamita era espancado inúmeras e repetidas vezes por um militar estadunidense, soube como pessoas comum recolhiam os restos dentários de vizinhos que morriam em decorrência de minas terrestres, surpreendi-me com os gritos de um menino bonito que achava ridículas as passeatas contra a guerra, empolguei-me diante do fervor contrariado de um Pantera Negra que achava a luta mais urgente que os passeios em defesa da paz, constatei que somos condicionados a permitir que “uma imagem escravize outra”, ao passo em que cremos que estamos realizando uma obra subversiva com isto... Em suma, não bastam os atos políticos, mas sim a reflexão política de atos políticos que são praticados politicamente.
Como dormir pacientemente ao saber que aberrações sociais como aquelas mostradas nos filmes ainda são plenamente reais e não tem sequer a pretensão de findarem? Como ficar quieto enquanto pessoas são mortas e oprimidas e escravizadas e vilipendiadas ao redor do mundo, inclusive no interior mesmo de nossos lares? Como?!
[ainda em processo ativo/crítico/pensamental]
Wesley PC>
DOIS É DEMAIS EM ORLANDO (2024, de Rodrigo Van Der Put)
Há uma semana
Um comentário:
Eu não vi esses filmes, mas posso imaginar um pouco do que você sentiu/sente. De tudo o que mais me chamou a atenção foi essa frase: não bastam os atos políticos, mas sim a reflexão política de atos políticos que são praticados politicamente, pois é exatamente isso que importa, pois é diante dessa luta a coisa mais difícil de fazer, pois até refletir custa caro. Mas então como dormir pacientemente enquanto somos escravizados e oprimidos?
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