quarta-feira, 9 de junho de 2010

SOMENTE ENTENDE QUEM VIU “DOGVILLE” (2003)?

Numa das cenas finais deste petardo filosófico/político/cinematográfico contemporâneo dirigido pelo inventivo e prepotente Lars von Trier, a manifestação vingativa da Graça que é vivificada por Nicole Kidman permite que um bebê seja morto com um tiro de revólver no rosto. No debate acalorado que eu e alguns amigos participamos após a sessão, um companheiro atual de curso ergueu seu dedo, fortemente chateado com o suposto golpe anti-humanitário que estávamos a legitimar quando achamos prenhe de sentido, dentro da estrutura temática do filme, este infanticídio crasso. Dizia ele: “mas era só um bebê. Ele não tinha culpa de nada”... Ao que retrucávamos: “um bebê que iria crescer e se tornar tão malévolo quanto os demais", segundo a estrutura narrativa do filme. Agora eu pergunto: será mesmo?

No caminho para o trabalho hoje, ouvia uma coletânea de canções do David Bowie. Quando “Young Americans”, faixa que encerra o filme, começou a tocar, dei de cara com uma mulher vulgar de periferia (o que não é um julgamento de valor, mas uma mera constatação tipológica), que alisava com bazófia a sua barriga de mulher grávida. Num infinitésimo de segundo, imaginei todo um destino fictício para aquela criança, engrossando as correntes de ignorância desta era decadente que se descortina diante de nós a passos largos. Teria eu o direito de projetar este tipo de coisa? Tenho mais é que rever o filme e rever alguns de meus conceitos inconscientes. E pensar que, quando pequeno, já tive o desprazer de cantarolar aqueles versos nojentos sobre o “neguinho preto, do sovaco fedorento, que rala a bunda no cimento para ganhar mil e quinhentos”... Vergonha de mim mesmo também!

Adendo complementar: não sei se fui suficientemente claro na exposição da crise acima, mas tem a ver com uma extraordinária campanha publicitária antigamente veiculada pela TV Cultura, na qual um repórter entrevistava pessoas na rua e lhes perguntava: “onde tu guardas o teu racismo?”. Não era se a pessoa se sentia ou não preconceituosa, mas onde esta pessoa guardava o racismo, dada a profusão negativa de algumas transmissões ideológicas. Aquela campanha mexeu comigo, visto que eu sentia que tinha racismo guardado. Não deveria, mas tinha!

Wesley PC>

3 comentários:

américo disse...

eu tbm preciso rever! vc tem? te passo um dvd pra usted gravar! blz?

see ya

Tiago de Oliveira disse...

Vi Dogville em casa, sozinho, deitado em minha cama. O filme me chocou muitíssimo. A bondade tem limites? É preciso amar para perdoar. Isso é não é um lema cristão? Que mal há em amar e que mal há em perdoar? é que não somos assim tão perfeitos e não vivemos de amor...somente. Li o artigo de Jadito, e em algum lugar estava que o homem é carne e espírito (Feuerbach?)... digo então que o homem é sofrimento. Diga-me o maior dos maiores dos filósofos, o que podemos esperar do que sofre e do que ama?
Tenho fortes tendências à homossexualidade, sou mais negro que branco... e sabe o que durante muito tempo me irritou? os analfabetos, é que é muito difícil explicar-lhes algo, estão sempre falando errado, não sabem verbalizar coerentemente ... (atendo diariamente muitos analfabetos) aprendi a respeitá-los porque eles não são os únicos, e eles sofrem (Peter Singer fazendo escola (risos)). E aprendi ao longo dos anos que pena é uma coisa e senso de justiça é outra. Que caridade é uma coisa e responsabilidade social (ética mesmo), é outra.
Mas amor e ódio... não sei não... (risos). Acho que é o que chamam humanidade (no sentido do indivíduo).

No assunto do preconceito, acho que o cultivo da reflexão ajuda.
Mas... Quem pensa sofre. Tomemos cuidado.

Pseudokane3 disse...

Tomemos cuidado!

E achei muito pertinente o detalhe sobre o analfabetismo, que aprendemos a "entender" com o tempo...

Obrigado pelo comentário compreensivo, Tiago, e, claro, humano!

E, sim, Américo, emprestarei sim!

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