sábado, 3 de julho de 2010

QUEM AMA O BONITO, PODE SER DESTRUÍDO POR ELE (MESMO QUE INCONSCIENTEMENTE)

Depois de superado um drama informativo inicial ("qual das versões co-dirigidas por Paul Wegener é esta que agora vejo?"), tive hoje o prazer de finalmente penetrar no universo mítico de “O Golem” (1920, de Paul Wegener & Carl Boese), clássico primevo do Expressionismo Alemão. Nesta versão, que é a terceira – o mesmo diretor/protagonista já realizara tramas similares e como o mesmo título em 1915 e 1917! – acompanhamos o drama de um rabino célebre que, ao observar o posicionamento das estrelas, antevê uma grande desgraça para a comunidade judaica que preside. Dito e feito: dias depois, um decreto do imperador ordena a saída dos judeus daquela cidade, sob pena de extermínio. Motivos: os judeus seriam sovinas e praticantes de magia negra. Como reprimenda sobrevivencial a esta determinação do imperador, o rabino invoca um demônio e traz à vida o Golem, uma figura de barro muito forte que talvez o ajude a ameaçar o imperador.

O estratagema mágico dá certo, mas nem só de ameaças vive uma entidade mágica ressuscitada. E, como tal, o Golem estará arrastando a filha do rabino pelas tranças numa cena-chave do filme e, em dado momento (este registrado no fotograma), ele sucumbirá à beleza e à ternura de uma criança, o que lhe será fatal. Quem quiser saber mais, que veja o filme e o compare com “Frankenstein” (1931, de James Whale), fortemente influenciado por ele, mas o surpreendente roteiro deste filme me deixou encucado. Com certeza, o eminente teórico Siegfried Kracauer, autor do clássico literário “De Caligari a Hitler: Uma História Psicológica do Cinema Alemão” (publicado em 1947), deve ter muitíssimo a dizer sobre um filme pré-nazista em que os judeus são retratados como “mocinhos” que realmente invocam a magia para intimidar os governantes teutônicos, mas não é isto o que mais me tocou. O próprio personagem-título é que mereceu a minha identificação parcial, em virtude de como o tema do fascínio letal pela beleza aparece sub-repticiamente no filme, nunca mencionado ‘ipsi litteris’, mas diretamente responsável pelas mortes que se somam em mais ou menos 100 minutos de duração da cópia do filme a que tive acesso (pelo visto, uma versão reeditada integral, visto que a duração ultrapassa as informações temporais até então conhecidas).

Infelizmente, o filme não é tão bom quanto podia ser (há alguns problemas de ritmo, a apresentação da personagem Miriam, filha do principal rabino, é demasiado brusca, e o próprio roteiro é parcamente estruturado), mas é um filme que inspira muitos sentimentos – e são justamente estes sentimentos inspirados que me preocupam e fascinam. Qual terá sido o impacto neste filme na instituição nacional-socialista de um Ministério do Cinema e da Propaganda sob a égide de Joseph Goebbels? Saber que o co-diretor Paul Wegener foi um dos poucos realizadores consagrados na década de 1920 que conseguiu ser bem-sucedido durante o apogeu hitlerista é um ótimo começo de resposta...

Wesley PC>

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