terça-feira, 31 de agosto de 2010

QUANDO TERMINA DE UM JEITO PARECIDO COMO SE COMEÇOU É COMO SE NÃO TIVESSE ACONTECIDO NADA?

Na primeira cena de “Primavera Numa Pequena Cidade” (1948, de Fei Mu), a protagonista caminha sozinha por uma estrada arborizada de terra, narrando a estória que veremos em seguida. “Todas as manhãs, eu vou ao mercado sozinha. Não presto atenção em nada do que acontece ao meu redor quando estou caminhando. Concentro-me apenas naquilo que trago nas mãos: a cesta cheia de verduras, de um lado; e os remédios de meu marido doente, do outro”, diz ela. Na última cena, vemo-la percorrer a mesma estrada, igualmente sozinha. O discurso e os atos atrelados serão bem outros...

Peço desculpas por ter revelado parte visual do desfecho deste filme, enciclopedicamente considerado “o melhor filme chinês de todos os tempos”, mas há uma explicação plausível para este meu abuso sinóptico: quanto mais eu me embrenho na arte de assistir a filmes, percebo que uma das fórmulas mais dominantes entre os ditos “filmes de arte” e/ou “filmes independentes” é aquela que nos permite reconhecer a proximidade da conclusão de uma dada trama quando nos pomos diante de uma cena muitíssimo similar à que abriu a película. Foi mais ou menos o que aconteceu no caso em pauta...

Friso o “mais ou menos”: segundo categorização certeira do crítico norte-americano David Bordwell, os filmes hollywoodianos são embasados numa fórmula resolutiva essencial: situação => conflito => situação modificada. Acontece assim nos faroestes, nas comédias adolescentes, nos dramas, em quaisquer gêneros hollywoodianos consagrados. Porém, se isto se manifesta na própria condução tramática dos filmes, no caso dos filmes “alternativos”, tal fórmula aparece na própria configuração formal das obras, em imagens e sons recorrentes, que, ao contrário do que se possa antever de supetão, nem sempre carregam consigo os germes da modificação. Ou vice-versa.

Voltando a “Primavera Numa Pequena Cidade”: a mulher que conduz a narrativa é amargurada. Submissa ao marido, ela percorre diariamente lugares arruinados em decorrência da II Guerra Mundial. Seu marido é doente e impotente, e se auto-considera um fracassado por causa de todo o dinheiro e prestígio que perdera. Seu mordomo permanece teimosamente fiel a tradições progressivamente derruídas. E a irmã mais nova do marido doente “vive em seu próprio mundo de ilusões”, conforme descreve a narradora, ainda apaixonada por um colega de juventude, que visita a residência do casal, agora comodamente formado em Medicina. “Situação modificada”.

Enquanto eu me sentia um cúmplice espectatorial de personagens tristonhos que iam e vinham, mas faziam sempre as mesmas coisas, repetiam sempre as mesmas ladainhas românticas irresolvíveis. Deles e minhas! E eu ficava repetindo para mi mesmo, durante a sessão: “pára de ser assim, Wesley! Deixa ‘ele’ em paz”. Mas, ao final, acho que não deu muito certo. Há pensamentos que não se controlam... Lindo filme, lindo!

Wesley PC>

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