domingo, 15 de agosto de 2010

“A VIOLÊNCIA É SEMPRE ALGO REPROVÁVEL, MAS, EM ALGUNS CASOS, ELA É LARGAMENTE RECOMENDADA, ÁS VEZES”

Sim, eu sei, é uma frase contraditória, mas é típica dos simpatizantes franquistas que povoam os filmes inconformistas do genial Eloy de la Iglesia. No caso em pauta, quem pronuncia tal apanágio antitético é o padre que aconselha Marcos (Juan Diego), protagonista masculino do filme “La Criatura” (1977, de Eloy de la Iglesia), em que sua esposa Cristina (magnificamente interpretada pela cantora Ana Belén) apaixona-se por um imenso cachorro preto. Conto mais: no filme em pauta, a protagonista feminina denuncia desde o começo que é infeliz em seu casamento. Numa consulta com seu médico, ela descobre que está grávida e, como tal, pensa que esta será uma boa solução para salvar o que resta de seu casamento, lancinado pela infidelidade contumaz de seu esposo, apresentador de um fútil programa de TV. Numa parada para abastecer o automóvel, Cristina é atacada por um cachorro aprisionado, deixando-a traumatizada e fazendo-a perder o bebê. Meses depois, numa praia, ela encontra um cachorro negro, que age tão carinhosamente que faz com que ela convença seu marido a adotá-lo. O que se segue não deve ser antecipado, a fim de não estragar a surpresa e o frescor que escorre de cada filigrana deste filme.

“Los hijos que no tuvimos
se esconden en las cloacas,
comen las últimas flores,
parece que adivinaran
que el día que se avecina
viene con hambre atrasada.”


Não obstante a cautela sugerida na revelação de detalhes sobre a trama deste ótimo filme, não é nenhum segredo que a protagonista se envolve sexualmente com um cachorro. Porém, ao contrário do que aconteceria se este filme fosse dirigido por outro cineasta, tal relação bestial não é abordada de forma escandalosa pelo preciso roteiro de Enrique Barreiro, visto que o que é verdadeiramente escandaloso no filme não é a zoofilia sexual, mas sim a propensão dos personagens a um sistema ditatorial de governo que pregue barbaridades como a que intitula esta postagem, contextualmente aplicada à defesa eclesiástica do espancamento de mulheres independentes por seus esposos infiéis. Digo mais: o espetacular desempenho do cachorro Micky III (intérprete do cão Bruno, nome que seria destinado ao filho de Cristina antes de ela abortar) embasbaca qualquer espectador. Numa dos momentos mais geniais do filme, há uma seqüência quase sem cortes em que a protagonista banha-se ao som de “Al Alba” (canção maravilhosa na voz de Rosa León), pede que o cachorro lhe busque uma toalha e, em seguida, é desnudada por ele. Como é que eles conseguiram isso?!

Wesley PC>

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