domingo, 31 de outubro de 2010

DEMOCRACIA ANTI-POPULISTA: TINHA QUE VIR UM CASAL DE CINEASTAS E ME DIZER QUE ISTO NÃO SÓ EXISTE COMO FUNCIONA!

A francesa Danièle Huillet faleceu em 2006, deixando viúvo o também francês Jean-Marie Straub, considerado um dos mais austeros cineastas de vanguarda já estabelecidos na Europa. Desde 1963, quando o casal realizou o curta-metragem “Machorka-Muff”, do qual extraí a epigrafe mostrada em foto, que quer dizer que o que veríamos adiante seria um sonho metafórico e abstrato, e não uma estória”. Dito e feito: o excesso de abstração onírica do roteiro sisudo, aliado ao fato de que assisti ao filme em alemão com fugidias legendas em italiano, fez com que eu me sentisse ignorante diante do que estava acontecendo. Motivo principal: não sabia nada, exatamente nada, sobre o que o chanceler Konrad Adenauer havia feito durante seu mandato entre 1949 e 1963, ano em que o curta-metragem fora realizado. Conclusão: se eu pude me escandalizar diante de algo neste filme, o foco de minha atenção esteve nas metáforas institucionais e religiosas dos quais os diretores se serviram, ao fazer com que o protagonista, um militar nazista reintegrado, se apaixone por uma mulher que já se casara sete vezes e, antes disso, deparasse-se com um compêndio de notícias de jornal em que autoridades religiosas declaram não ser incoerente a prática do assassinato bélico por católicos e protestantes que jurassem lealdade suprema à pátria alemã. Glupt!

Espantado que fiquei com este curta-metragem, resolvi me aventurar por outro filme da dupla e assisti hoje à tarde ao ainda mais árduo “Fortini/Cani” (1977), no qual o escritor Franco Fortini (sobre o qual eu também nunca havia ouvido falar) lê trechos imensos sobre um livro em que ele narra suas memórias infantis politicamente traumáticas, visto que não raro era tachado de “porco judeu antifascista” por seus colegas de classe. Em durante os 83 minutos de projeção da película, longos e demorados ‘travellings’ horizontais perscrutam uma árida paisagem italiana, que fazia com que o espectador emulasse os clichês geográficos associados à área fronteiriça entre Israel e o Egito. A narração do filme é em italiano e as legendas estavam em francês fugidio. Conclusão: entendi este filme ainda menos do que o anterior, mas aventuro-me a parafrasear a declaração com que o autor encerra o seu discurso: “se ‘revolução’ não fosse um termo quase ridicularizado por seu abuso, tornando-se, por vezes, uma palavra ainda mais reformista do que aquelas proferidas pelos reformistas, poderia fiar-me aqui aos ensinamentos de Lênin, que alega que as situações revolucionárias possibilitam a descoberta não apenas uma saída em momentos de crise, mas também o potencial inequívoco de transformação das mesmas”. E, para este tipo de alegação, não somente eu bato palmas, como preciso trazer à tona duas situações democraticamente revoltantes de que eu fui espectador depois que exerci o meu dever democrático eleitoral.

Enquanto esperava o ônibus, acompanhei alguns partidários contratados da candidata Dilma Rousseff atirarem blocos e blocos de papel de campanha contra as ruas da cidade, comemorando a “vitória certa” dela enquanto presidenta do Brasil, ao que recebiam a anuência comemorativa de vários motoristas de automóveis, que buzinavam empolgados quando passavam diante deles. Senti raiva, por alguns minutos, daqueles poluidores, mas logo transferi minha chateação reivindicativa para os dirigentes do comitê eleitoral, que deveriam estar vigiando aquela baderna. Mais tarde, quando eu já estava sentado no último banco de um ônibus, alguns passageiros bêbados pediram um pote de água mineral quando passaram diante do comitê e, por não receberem, gritaram: “Dilma vai perder, bando de viados!”. E eu quedava-me calado, que, numa democracia como esta, eu que não me atrevesse a abrir a boca ali. O pior é que os tais passageiros perceberam meu corte de cabelo exótico quando desceram do ônibus emitiram alguns grunhidos ofensivos, que, por proteção, eu não escutei, não dei trela. E, enquanto escrevo estas linhas, um bando de crianças vizinhas comemora com cantos de guerra a vitória presidencial de Dilma Rousseff, candidata que, ressalto só por curiosidade, também contou com meu voto. E, se tudo der certo, amanhã estarei vendo mais um longa-metragem austero do casal Danièle Huillet & Jean-Marie Straub: “Comportamento em Classe” (1984), baseado num romance de Franz Kafka, falado e alemão e dessincronizadamente legendado em inglês. E viva os deveres democráticos!

Wesley PC>

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