terça-feira, 19 de outubro de 2010

É MAIS DIFÍCIL ENCONTRAR PONTOS DE VISTA TEXTUALMENTE INTERESSANTES SOBRE ALGO QUANDO SE ESTÁ FELIZ OU MORTOS PODEM DANÇAR? (AUTO-REFLEXÃO/AJUDA)

Auto-ajuda é um gênero literário que sempre perturba os críticos: para além da má qualidade de muitos dos exemplares destinados a esta rotulação genérica serem de larga vendagem e apreciação quantitativa do público, os exemplares transpostos parta o cinema desse tipo de livro possuem um quê de hipnótico que motiva-nos a ficarmos recapitulando nossas próprias vidas após a sessão. Fui ver um destes filmes no cinema na tarde de hoje e, conforme era planejado pelos produtores, roteiristas e pelo diretor do filme, subi no ônibus de volta para casa ainda tonto, ainda tentando organizar um discurso coerente contra o repugnante discurso pró-consumismo monetário que o filme estimulava. E, quanto mais eu tentava difamar o que o filme tinha de pior, mais eu percebia a mim mesmo como feliz. Hoje eu estava feliz!

Independente de eu ter certeza da funcionalidade minuciosa do filme enquanto placebo de um mal que ele próprio ajudou a causar e disseminar entre as mulheres subsumidas à globalização hollywoodiana, o chororô depressivo que ele continha ia de encontro a algumas de minhas teorias básicas e auto-experimentadas do bem-estar romântico como sendo essencial para a assunção de um estado contrário ao que possa ser definido como tristeza. E eu estava feliz! Os ônibus em que eu subi estavam entupidos de pessoas com problemas, eu estava sentindo muita fome, queria conversar com pessoas que não tinham tempo ou disposição para falar comigo naquele instante, mas eu estava feliz! E era bom mesmo assim...

Cotejando a minha insistente felicidade com o que este tipo de filme me causa, percebi que só ficava repetindo para mim mesmo que estava feliz porque eu estava a questionar o próprio fundamento do que seria felicidade. Primeira grande charada da literatura de auto-ajuda: obrigar-nos a ficar rotulando momentos como “bons” ou “ruins”, quando, na verdade, esta dicotomia é muito primária e reducionista diante das infinitas possibilidades sentimentais que nos abatem quando reagimos aos trocentos estímulos sensoriais e fenomênicos que nos cercam neste mundo grande de Nosso Senhor. Tinha que pensar noutra coisa!

Cheguei em casa, deitei um pouco na cama de minha mãe, li mais algumas páginas decisivas do clássico literário de Virginia Woolf que ora me entristece de prazer e ouvi duas vezes seguidas o disco “Into the Labyrinth” (1993), da dupla especializada em música gótica Dead Can Dance, formado pelo sombrio Brendan Perry e pela egrégia Lisa Gerrard. E ouvir aquilo era muito melhor que auto-ajuda!

Descobri esta dupla graças às recomendações esforçadas e salvaguardadoras de meu amigo Renison, que destacou a beleza poética e medievalmente anglofílica das faixas contíguas “The Wind That Shakes the Barley” (faixa 03), “The Carnival is Over” (04) e “Ariadne” (05). Mas foram os experimentos de Lisa Gerrard com a glossolalia que mais me encantaram: a faixa inicial, “Yulunga (Spirit Dance)”, a faixa 06, “Saldek” e a faixa 10, “Emmeleia”, fazem-me rodopiar em transe pela sala, enquanto as vizinhas ficam gritando: “que música de agouro é esta, Wesley?!”. E eu bem que poderia responder, se pensasse nisso, tal qual penso de vez em quando ao me dar conta que respiro através das narinas: HOJE EU ESTAVA FELIZ!

Wesley PC>

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