sexta-feira, 29 de outubro de 2010

NÃO É NECESSÁRIO ENTENDER PARA SENTIR OU SOFRER...

E não somente eu acredito piamente nisto como, antes de ser submetido ao completo desamparo diante do filme “Nostalgia” (1983) de Andrei Tarkovsky, na noite de hoje, eu realizara uma experiência comigo mesmo na terça-feira: 24 horas de jejum pleno, a fim de verificar se, sentindo fome, a fome que, segundo Glauber Rocha, “sendo sentida, não é compreendida”, eu ignoraria por um tempo minhas doces aflições sentimentais recorrentes: não funciona! Agora eu estou ainda mais magro do que antes, e tudo o que eu sentia outrora, ainda reina. Despertei reinado e despertei reinante pelas mesmas configurações emocionais que, sob as mãos de outros cineastas, seriam clicherosas, mas, nas mãos de Andrei Tarkovsky, é arte. Por mais que eu pessoalmente não me atreva a interpretar o que aquilo ali quer dizer. Mesmo sabendo!

Definitivamente, “Nostalgia” é um dos filmes mais difíceis que já vi na vida e, como tal, não vou hipertrofiar minha apreciação, dizendo que gostei dele do início ao fim. Por mais que eu admita que cada imagem do filme é deslumbrante, que o uso da trilha sonora é dilacerador, que aquele bando de gente sofredoras me atacou diretamente, não soube o que sentir, pensar, agir, diante da projeção. O filme me incomodava, me perturbava, me afligia, me dilacerava... Até que, depois de quase 100 minutos de duração, um velho louco (logo, sensato) subia numa estatua e tacava fogo em si mesmo, exigindo música, clamando pela racionalidade alheia, obrigando os transeuntes a quedarem-se extáticos, forçando-nos a emitir um parecer sobre o mundo ao nosso redor, sobre a paixão reinante neste mundo reinado pelo silêncio. E o protagonista deitava-se no chão, sua vela apagava e ele morria. E, naquela que é uma das melhores cenas deste bizarro filme, uma belíssima intérprete loira questiona sua fecundidade diante de uma aldeã que reza diante de uma santa, clamando por um filho, exigindo de si mesma a dignidade do sofrimento, porque é mulher e, como tal, sabe o que é ser mulher. As tautologias explodiam e eu me magoava de segundo em segundo, mas eu não conseguia abrir a boca para dizer que estava apreciando positivamente o filme. Lógico que estava, mas parecia que eu não conseguia entender nada, por mais que soubesse o que se passava ali. Gente louca, gente apaixonada, gente em progressivo desaparecimento. Por que paixão = loucura = desaparecimento? Eu não sei a resposta. Mas serei seu alvo quando esta se estabelecer neste mundo reinante e reinado pela premência da partida. Vá em paz e que o Senhor te acompanhe”...

Wesley PC>

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