sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A DEMOCRACIA ENQUANTO FORMA DEGENERATIVA DA POLITÉIA

Assisti a um breve debate com o professor da USP Alberto Ribeiro G. de Barros no início da noite de hoje e, em seu discurso sobre “os obstáculos republicanos à corrupção”, ele citou uma taxonomia aristotélica, em que, junto à tirania e à oligarquia, a democracia seria uma forma degenerativa do que os gregos antigos entendiam como Politéia. Para além de qualquer julgamento mui precipitado ou chistoso que eu possa vir a fazer sobre o assunto, lembrei de imediato que estávamos em dia de eleição para o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFS. Eram 19h e eu ainda não havia votado. Quando tencionei fazê-lo, por volta das 21h, fui abordado por vários amigos, que torciam de formas diferentes para chapas rivais. As opções eram duas: ou eu votava na “chapa dos ‘hippies’” ou eu votava na “Entregação”. Por motivos que talvez eu explique nalguma outra oportunidade, optei pelos primeiros.

Opções e escolhas democráticas à parte, em seguida ao debate acima descrito, tive o prazer de assistir a outra palestra, também proferida por alguém que leciona na USP – agora uma mulher, professora doutora Maria das Graças de Souza – em que a conferencista abordava as diferenças de concepções rousseaunianas e condorcetianas para debater os rumos da educação pública contemporânea. Segundo a palestrante, muitas das reivindicações cabais da escola pública, conforme entendemos e legitimamos hoje em dia, têm seus fundamentos conceptuais no século XVIII, época em que viveram os dois teóricos utilizados como substrato para a fala da palestrante. Se, por um lado, a professora sintetizou as posições de Jean-Jacques Rosseau (1712-1778) sobre o assunto através da “primazia da vontade”, em que o amor à pátria é algo que deve ser estimulado tão primevamente quanto o aleitamento materno, por outro, as proposições de Marie-Jean-Antoine-Nicolas de Caritat, vulgo marquês de Condorcet (1743-1794), mereceram destaque por causa de seu insistente apelo racional e contra qualquer tipo de disseminação catequética nas escolas, que deveriam ser laicas e não atreladas aos interesses do clero. Tanto umas quanto as outras são arriscadas se seguidas restritamente, advertiu a professora. E, quando foram abertas as inscrições para debate, um colega de curso, visivelmente atrelado à postura reclamante da “chapa dos ‘hippies’”, ergueu a voz, reclamando que a universidade pública em que estudava não oferecia condições dignas de ensino. O Reitor estava presente e, depois de algum tempo, tentou se defender das acuações. Foi aplaudido pela platéia. Minutos antes, ele dizia que “a falta de instrução de algumas camadas sociais é o que explica os elevados índices de violência nas mesmas”. E, como não me ocorria em muito tempo, eu estava realmente com vontade de votar nas tais eleições para o DCE!

Encantou-me no sensato discurso da professora que ela frisasse que os problemas educacionais propriamente ditos da era em que vivemos são marcados por defasagens que são muito mais marcantes nos planos econômico e social do que necessariamente nas divergências teóricas sobre adoção de uma cartilha moral e cívica adequada para ser ensinada nas escolas. Por esse motivo, a professora mostrou-se apologética à revolta reclamante demonstrada por meu colega de curso e não questionou negativamente o enviesamento do debate, que, afinal, não tocou diretamente em nenhum dos pontos teóricos e históricos que ela tão bem destacou. Palavras de ordem mais apressadas conduziram a discussão, eventualmente interrompidas por pessoas que insistiam em manter seus aparelhos de telefonia celular emitindo ruídos altissonantes ou por comentários irônicos de partidários da chapa atualmente gestora do DCE. “Eu já fui lá, dar meu voto de confiança à chapa Integração. E tu?”, perguntou alguém que estava sentado à minha frente. Fingindo indiferença, eu continuei registrando as notas mais interessantes do debate em minha agenda. Foi uma palestra deveras produtiva, em suma.

Na verdade, a palestra em pauta fazia parte da programação de um evento promovido por um grupo de estudos de Érica e Política da UFS, em parceria com a Controladoria Geral da União. O objetivo central do debate era prestar esclarecimentos teóricos sobre a distribuição do erário público e temas afins, mas, como fui impedido de prestar a devida atenção ao evento, em razão de minhas obrigações profissionais, servi-me do mesmo para reafirmar a minha ferrenha indignação espectatorial contra apresentações docentes que pouco mais são do que leituras enfadonhas de textos que seriam muito mais profícuos no que tange ao estímulo do debate se tivessem sido previamente distribuídos aos membros da platéia. Oponho-me a este tipo formalmente empedernido de apresentação temática, do qual, felizmente, a professora Maria da s Graças de Souza se esquivou. Tanto é que, quando um aluno perguntou secamente a ela o que mata a razão?”, ela não se filiou aos risos incontidos do público e respondeu seriamente: “a superstição mata a razão”. E, neste momento, eu bem que poderia ter batido palmas de pé!

Wesley PC>

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