sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A LÓGICA DA SINECURA INVERTIDA

Assim que eu cheguei ao trabalho hoje, fui interceptado por uma argüição hermenêutica de minha chefa: “Wesley, o que tu entendes a partir da famosa citação do publicitário David Ogilvy que prediz que ‘as normas existem para a obediência dos tolos e a orientação dos sábios’?”. Imediatista que sou, respondi com o primeiro argumento que me veio à cabeça: “em minha concepção, o autor desta citação joga com uma interessante inversão de sujeitos: induz-nos a tecer comentários responsivos sobre a existência das normas em si, quando o que está sendo questionado aqui é a sujeição dos indivíduos às mesmas”. Momentos depois, eu estava sentado detrás de um balcão, utilizando normas para dizer “não” a pessoas esperançosas, que desejavam se livrar de obrigações financeiras com suas instituições universitárias de origem, mas não dispunham de condições competitivas ou documentos comprobatórios para tal. Algumas aceitavam passivamente os “não”’s que eu dizia. Outras gritavam comigo como se eu fosse mais um legislador despótico do que um mero intermediário normativo. E, cada qual à sua maneira, cada uma daquelas atitudes perseguiam-me. Sendo motivadas por exigências profissionais ou não de minha parte, eram reações a algo que eu fazia ou dizia e, como tal, eu deveria assumir responsabilidades por elas. E eu assumo-as aqui: meu trabalho me faz ser uma pessoa melhor, inclusive e principalmente no que tange ao entendimento das regras a que escolho obedecer (ou a ser orientado por elas).

Assumido ou não que eu seja em relação às minhas responsabilidades extra-empregatícias e supra-normativas, eu sou uma pessoa com configurações biológica e psicologicamente falíveis. E, tal qual vários de meus colegas, senti cansaço, fome e impaciência nas 9 horas de atividade empregatícia que gastei hoje. E, enquanto ia para casa, escutava pela terceira noite seguida o mesmo disco triste do Bonnie ‘Prince’ Billy, um dos mais belos e infelizes que descobri nos últimos meses. E a voz desolada do compositor sussurrava em meu ouvido (em inglês): “eu tenho um amor/ um amor por todos que conheço/ e você sabe que eu tenho um plano traçado para viver / não vou esquecê-lo/ Mas poderia você ver esta contradição ressurgindo às vezes?/ Isso é terrível e opressor/ e vem enegrecendo minha mente/ E, então, vejo uma escuridão”. “I See a Darkness” era o nome da música e do disco. E eu só obedecia se eu quisesse.

Cheguei em casa, troquei de roupa, e, aconchegado no sofá, li de uma sentada só “Sobre a Brevidade da Vida”, do filósofo espanhol Sêneca, que despejava seu estoicismo epistolar em mim. E, por mais que eu tivesse certeza de que ainda vou citar algum precioso aforismo deste filósofo numa postagem recente, insistia em repetir várias e várias a mesma canção melancólica, posteriormente regravada por Johnny Cash: “And then I see a darkness/ Did you know how much I love you?/ Is there hope that, somehow, you can save me from this darkness?”. E, se me perguntassem agora do que eu mais recordo no dia de hoje, em especial, no trabalho, diria que saí de minha sala 31 minutos após o encerramento do expediente externo e que três lembranças cativas preenchem com júbilo o meu coração: o ressarcimento cibernético de meus ‘downloads’ fílmicos, os sorrisos coletivos que eu e meus colegas travamos entre aquelas paredes e a bênção de que fui revestido ao me despedir daquele menino que combina como nenhum outro um boné preto e envelhecido com seu encanto natural e sua camisa do Flamengo...

Wesley PC>

Nenhum comentário: