quinta-feira, 18 de novembro de 2010

NO DIA EM QUE NADA ACONTECERA...

No dia em que nada acontecera, em soube que um vereador local havia morrido e que um cachorro se escondera debaixo da cama. Na mesma noite em que nada acontecera, um estafado repositor de vegetais em supermercado adormecera diante de um programa educativo de TV, enquanto uma mãe terna fizera sopa para seu filho cansado. Na mesma noite, um garoto bonito me fizera perguntas sobre um trabalho extra enquanto fiscal de concurso, enquanto uma garota jovial alimentava-se com pedaços de toucinho num pão. Eu tentara assistir a um filme espanhol sobre fatalismo relacional, mas adormecera no mesmo sofá em que um cachorro bem-alimentado jazia... E utilizar corretamente os verbos no tempo mais-que-perfeito do pretérito do modo indicativo era o que menos me preocupara diante deste relato: nada acontecera, como se isto fosse possível!

Na noite em que nada acontecera, uma pessoa era esfaqueada em Riachão do Dantas, uma outra ouvia um disco da Madonna na cozinha de sua casa, uma terceira engravidava de alguém que amava e uma quarta vomitava depois de ingerir acarajé estragada. Na noite em que nada acontecera, um rapaz homossexual me dissera que, ao invés de descansar no sétimo dia, Deus, na verdade, havia se questionado sobre ter tido uma boa ou má idéia ao ter criado o mundo. E eu não entendera o porquê desta indagação tardia... Mas, mesmo assim, sorrira, ao tentar transmitir minha incompreensão para os vizinhos que se encontravam diante de mim...

Na noite em que nada acontecera, um cachorro roía um osso, enquanto uma rapariga de 30 anos dizia às suas amigas ingestoras de cerveja que já era hora de voltar para casa. A conta havia sido paga por rapazes desconhecidos e interessados em sexo casual. “Encontrei nossa colega na rua, e ela estava tão pálida, mulher!”. “Érica, puta, por que tu não lavaste o meu chinelo, como eu te mandei?!”. “Apague a luz e feche a porta, está tarde, já é hora de dormir”. “Eu ia te dizer uma coisa, filho, mas esqueci... Ah, lembrei: vais acordar a que horas, amanhã pela manhã?”...

Nada acontecera, de fato? A beleza da vida está em enxergar a singeleza que nos cerca em cada pequeno momento de existência!

Wesley PC>

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