domingo, 21 de novembro de 2010

O FECHAMENTO DA ÍRIS DA CÂMERA ENQUANTO ABERTURA PARA A VIDA:

Eu e meus amigos cinéfilos regozijamo-nos sempre que vemos um filme de François Truffaut, o cineasta do amor difícil”, porque este se vale como ninguém mais, em toda a História do Cinema, de um simples recurso de gramática cinematográfica (o fechamento da íris da câmera) para demonstrar ‘ad infinitum’ o quanto ficara impressa na alma dum dado personagem a paixão que sentira por alguém. Vemos isto no curta-metragem “Os Pivetes” (1957), quando os garotinhos peraltas do título perseguem mulheres que pedalam em bicicletas apenas para verem suas saias voares; vemos isto em “Os Incompreendidos” (1959), sempre que o inocente protagonista depara-se com algo que atrai a sua atenção amorosa de garoto; vemos isto em “Jules e Jim – Uma Mulher Para Dois” (1962) em quase todas as cenas protagonizadas por Jeanne Moreau; vemos isso em “Fahrenheit 451” (1966) quando sentimos que uma dada personagem fala algo diferente daquilo que pensa ou sente; vemos isto em “A História de Adéle H.” (1975) quando a instância narrativa informa-nos que a personagem real sobrevivera a seu amor proibido e morreu bastante idosa (e sozinha), depois de seu objeto de desejo; vemos isto em “A Mulher do Lado” (1981) quando o amor, mesmo adúltero, mostra-se mais forte, letal e potente que qualquer convenção moral, social ou religiosa...

Poderia passar aqui dias inteiros a citar exemplos desta genial e poética corruptela truffautiana de um dos traços característicos mais egrégios do cinema mudo, mas minha cena preferida de seus filmes está na obra-prima de suas obras-primas, “Duas Inglesas e o Amor” (1971), quando uma das irmãs protagonistas, assolada na juventude pelas condenações interditas da masturbação e na velhice pelo arrependimento contumaz de não ter se entregado ao homem que amava, levanta o tampão que leva ao olho doente e percebe que o seu ideal romântico supremo está sentado diante dela, na mesa de almoço ora posta. No contracampo, o rosto do ser amado fechado em íris. Não tenho certeza de que foi exatamente assim, visto que não consigo descrever com riqueza de detalhes a decupagem da cena, mas, no plano emocional, esta é uma das imagens que reluzirão no instante final de minha vida, quando eu estiver a cerrar os olhos , em recebido da morte acolhedora, que recebe a todos com igual fervor. Se François Truffaut estivesse vivo ainda, ele gostaria de ter me conhecido, penso. E, como tal, sinto-me aqui no direito de servir-me de seu traço estilístico mais consagrado. Amo François Truffaut. Amo a vida. Amo o amor ‘per si’, por mais “difícil” (ou impossível) que ele me apareça!

Wesley PC>

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