sábado, 27 de novembro de 2010

A PAIXÃO OU UMA CAUSA:

“Saí da igreja louca de raiva e, para desafiar (...) todas as pessoas razoáveis e imparciais, fiz o mesmo que faziam as pessoas nas igrejas espanholas: mergulhei o dedo na tal da água benta e fiz uma cruz em minha testa” (Sarah Miles, 2 de outubro de 1945, em seu diário pessoal, conforme registrado em livro de Graham Greene)

A citação acima é importante antes de começar a escrever sobre o que vou começar a escrever: antes de assistir a “Fome” (2008, de Steve McQueen), fiz o tal sinal da cruz. Precisei me benzer antes de mergulhar num filme tão anunciadamente barra-pesada, sobre militantes do IRA que se submeteram a uma greve de fome fatal e definitiva no início da década de 1980. Morreram por uma causa, mas a causa permanece viva e inatendida, fazendo com que mais e mais pessoas morram por ela e, neste sentido, o trabalho directivo de Steve McQueen merece elogios tonitruantes: como é possível manter-se imparcial diante de um tema tão árduo e passional como este, mesmo sabendo o quão parcial ele era em seu apego militante? Só mesmo sendo muito inteligente para pôr em prática este sábio exercício de formalismo cativante!

Tendo formação prévia enquanto artista plástico, o diretor estreante entupiu seu filme com planos belos, mesmo lidando com secreções fétidas como merda, urina e vômitos em profusão. Além de fazerem greve de fome, os militantes presos que protagonizam o filme são constantemente espancados, fazem desenhos com bosta nas paredes de suas celas e, num momento mágico, um deles até se masturba com cautela sob os cobertores de seu colchão. Quando perguntado se ele acha que o que está fazendo é correto, o protagonista real Bobby Sands (magnificamente incorporado, em toda a sua inanição protestante, pelo autor teuto-irlandês Michael Fassbender) conta uma anedota mnemônica sobre o dia em que, ainda adolescente, ousou afogar um potro que morria de fome depois de ter suas duas pernas traseiras quebradas. E eu quis que um dia eu tivesse este nível de determinação: depois de espancado, ainda com o corpo repleto de sangue e feridas frescas, ele ousava sorrir. Tornou-se um exemplo imediato para mim!

Wesley PC>

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