terça-feira, 23 de novembro de 2010

UM FILME ABAIXO DO SEU TEMPO?

Quando nos perguntam sobre o cinema soviético dos anos 1930, que cineastas nos vêm à mente? Sergei Eisenstein, Lev Kuleshov, Vsevolod Pudovkin e companhia de propaganda socialista Ltda.. Em 1934, inclusive, 12º ano do mandato ditatorial de Josef Stalin, o inventivo cineasta Dziga Vertov realizou seu laudatório “Três Canções Para Lênin”, filme que, no plano da exacerbação discursiva, fica pouco a dever ao posterior “O Triunfo da Vontade” (1935, de Leni Riefenstahl), por exemplo, com a diferença de que a obra-prima nazista é muito superior.

Pois bem, imbuído de um espírito acidentalmente perscrutador, assisti, na tarde de hoje, meu dia de folga, ao filme soviético menos conhecido “O Tenente Kije” (1934), de um tal de Alexander Feinzimmer. No filme, baseado num romance sarcástico do roteirista Yuri Tynyanov e musicado pelo genial Sergei Prokofiev, um erro de grafia num documento oficial do czar Pavel I (século XVIII) faz com que um militar inexistente seja culpado de erros e hipocrisias não têm a coragem de assumir, é laureado depois de uma manobra infundada na Sibéria, casa-se com a promíscua filha do czar (vide fotografia ousada, surpreendente para o cinema da época, penso) e falece e é enterrado com honras de Estado, até que o despótico e mimado czar volta atrás e o reduz a um mero cidadão civil, de maneira que sua “viúva” sente-se liberada para beijar e se entregar sexualmente a quem quiser. Contando assim, até parece que o filme obteve êxito em suas denuncias anti-burocráticas (como é que a censura stalinista permitiu a sua realização?), mas, na prática, os exageros cômicos e a gagueira inverossímil dos personagens desperdiçam as ótimas piadas durkheiminianas do mesmo. Pena... Cochilei na primeira tentativa de vê-lo, mas, quando despertei, percebi que o problema não era comigo, mas com o filme em si.

O que me conduz de volta a uma discussão que tive com um colega de trabalho, quase formado em História, sobre haverem ou não pessoas que estão “à frente do seu tempo”. Segundo ele, a expressão é totalmente equivocada, visto que, o que realmente existe são “pessoas que pensam e agem, quando possível, de formas diferentes do que é recomendado em sua época, não querendo se enquadrar a um estilo de vida dominante”. O exemplo de sua mãe, insistente consumidora literária num contexto rural em que a mesma fora criada para ser mais uma mera parideira, caiu como uma luva para a correção expansiva e muito bem-sucedida de sua argumentação inicial. E, se eu pudesse passar este filme para ele agora, nosso cotejo artístico-político-cultural-social-discursivo entre as noções de vanguarda e retaguarda históricas seria de muitíssimo bom tom... Que fique registrado aqui o convite amplo a quem quiser participar do debate: possuo uma cópia em formato -dvix de “O Tenente Kije” (legendada em inglês) em casa. Se alguém se interessar...

Wesley PC>

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