domingo, 12 de dezembro de 2010

A AUTO-REFERENCIALIDADE POSITIVA DAS ANAS DE ESPANHA (VULGO: O PODER DE SÍNTESE)

Por uma daquelas coincidências que costumam me tomar de assalto, antes de ver o clássico supremo de Carlos Saura, “Ana e os Lobos” (1972), eu ouvi um disco brega espanhol muito consagrado localmente, “Ana” (1979), de Ana Belén. Não gostei do disco como cri que ia gostar (à primeira audição, pelo menos), mas gostei deveras de uma observação de minha mãe quando começou a ver o filme ao meu lado: “por que os espanhóis insistem em dizer ‘buenas noches’? Não é uma noite só, que nem aqui?”. Eu ri, ao tempo em que acrescentei mentalmente: “eles devem fazer um questionamento invertido em relação a nós”...

E que belo filme! Não sei se cabe resumir aqui a trama do mesmo, basta olhar para esta fotografia preciosa, que já revela de antemão extremo talento e a segurança directiva extraordinária de Carlos Saura: vista pelo ponto de vista de um místico pretensamente anacoreta, seu irmão frustrado por não conseguir entrar para o Exército passeia montado num cavalo, fardado. Seu outro irmão, promíscuo e casado, agarra a personagem-título, a tal Ana (vivida por Geraldine Chaplin, filha de Charlie Chaplin, ex-companheira amorosa do diretor, por 12 anos), enquanto sua esposa e suas três filhas brincam. Ao centro, a mãe dos três irmãos é carregada por três empregadas, histérica, tachando-as de ladras. Ponto. Uma das sínteses mais precisas de uma trama cinematográfica numa única fotografia!

Ao meu lado, minha mãe ficou tão perplexa quanto eu diante deste filme surreal, desconcertante. E muita coisa acontece antes e depois da cena mostrada na fotografia. Minha mãe não conseguia conter as exclamações diante da cena final, enquanto eu gemia de gozo cinematográfico: este é o Carlos Saura que eu aprendi a admirar. Por pouco, uma obra-prima!

Wesley PC>

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