sábado, 18 de dezembro de 2010

COMO É QUE BLAKE EDWARDS VAI EMBORA DESTE MUNDO E EU NÃO ESCREVO NEM UMA PALAVRINHA DE DESPEDIDA SOBRE ELE?!

Na verdade, já o tinha feito várias vezes (vide aqui e aqui, por exemplo), visto que grandes homens devem ser lembrados em vida e não apenas porque morrem, mas confesso que, no dia 15 de dezembro de 2010, quando o veterano cineasta sucumbe a complicações pneumônicas, aos 88 anos de idade, senti-me na obrigação de renovar o meu afeto espectatorial por ele, tão incompreendido em suas comédias repletas de observações cáusticas sobre a circunvizinha e totalizante sociedade de consumo [infeliz de quem pensa que “A Pantera Cor-de-Rosa” (1963) ou “Um Convidado Bem Trapalhão” (1968) são comédias rasteiras], em seus dramas mordazes sobre as complicações românticas de boas pessoas tidas como párias ou marginais [que o diga quem se chocou diante de “Bonequinha de Luxo” (1961) ou “Minhas Duas Mulheres” (1984)], e em seus petardos autobiográficos sobre as perseguições atrozes que os viciados em Hollywood lhe impingiam [sendo “S.O.B. – Nos Bastidores de Hollywood” (1981), “Vítor ou Vitória?” (1982) e “Assim é a Vida” (1986) alguns de seus exemplos insuspeitos e mais geniais, todos protagonizados por sua amada diva, Julie Andrews]. Blake Edwards era um gênio em vida, sempre foi! E, agora que está morto fisicamente, merece ser lembrado por um de seus filmes mais proféticos, que hoje é particularmente efetivo sobre mim: “Mulher Nota 10” (1979).

Considerado um dos mais belos exemplares discursivos cinematográficos sobre as agonias da andropausa, “Mulher Nota 10” narra o tédio barulhento de um pianista mulherengo que, mesmo tendo um relacionamento estável com sua namorada Samantha (de novo ela, Julie Andrews, esposa do diretor), atribui notas de 0 a 10 a toda mulher que passa por sua frente. A única que merece a nota máxima, porém, acabara de se casar e ele a persegue na lua-de-mel, numa ilha caribenha paradisíaca. Lá, o pianista tem acesso à “solidão dentro da multidão” que caracteriza quem decide manter-se fiel a princípios no interior de uma indústria (a fotografia escolhida para esta postagem é mais do que sintomática, neste sentido), mas não desiste de encontrar a única mulher que, até então, recebeu a nota 10 em sua contagem. A surpresa: mesmo sendo recém-casada, a tal mulher (vivida por Bo Derek, uma das mais notórias amantes virtuais do diretor) é promíscua, liberal, e resolve convidá-lo para uma orgia à base de maconha, vinho e demais estimulantes alucinógenos. E, diante desta oferta irrecusável, ele sente que está velho demais. Onde ele encontrará o verdadeiro amor?

Sem julgar qualquer um dos personagens, Blake Edwards realiza um libelo moral e existencial de primeiríssimo quilate neste filme, que, mesmo sendo conduzido pela melodia convidativa do “Bolero” de Maurice Ravel, é um filme difícil, que deve ser lido nas entrelinhas. Digo mais: é um filme que explica muito sobre mim mesmo, é um filme que diagnostica o porquê de eu venerar com tamanha determinação pessoas que insistam em se demonstrar como imperfeitas ou prosaicas diante de mim. Estas são as pessoas que realmente merecem ser amadas. Esperar demais é cair do cavalo e engessar o cérebro, como demonstra maravilhosamente o personagem surpreendentemente simpático de Dudley Moore neste filme. Blake Edwards falava diretamente comigo. Descanse em paz, gênio safado e consciencioso. Quando eu crescer, quero ser que nem tu!

Wesley PC>

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