domingo, 26 de dezembro de 2010

QUEM É JEAN-LUC GODARD: “FILME SOCIALISMO” (2010) – “AS COISAS COMO ELAS SÃO”: “POBRE VAKULINCHUK”!

Entre o filme de Jean-Luc Godard que vi na madrugada de hoje e aquele a que tive acesso na manhã de hoje, 44 anos se passaram. Em 44 anos, muitas ilusões são perdidas, para além do que Honoré de Balzac teria oportunidade de descrever em qualquer um de seus livros, ideais para serem lidos em frente a postos de gasolina, onde lhamas pastam e documentaristas africanas deambulam...

Em mais de um sentido, “Filme Socialismo” não é um filme difícil. De outra forma, é até perfeitamente legível para quem teve acesso à obra de Jean-Luc Godard através de um patamar linear, percebendo as sutis diferenças e interpenetrações entre uma fase e outra, dentro da taxonomia que eu antecipei alhures. “Filme Socialismo” é um filme contemporâneo, globalizado até, e, como tal, emula a decadência, vivencia a decadência, experimenta a decadência – mas, genial como seu diretor consegue ser, não se rende a ela: é superior a ela, conforme demonstra numa impecável seqüência conclusiva em que o logotipo do FBI contra a pirataria cultural é contrafeito por um típico letreiro godardiano: QUANDO AS LEIS NÃO SÃO JUSTAS, A JUSTIÇA ANTECIPA-SE À LEI. Estamos autorizados a fazer o que quisermos como este filme, visto que é justamente o diretor por ele responsável que cunhou um de meus apotegmas culturais favoritos: “não acredito em direitos autorais, mas em deveres autorais”. Deveres autorais. Ponto. E estes definitivamente ululam neste filme!

Difícil, por outro lado, é escolher a cena mais genial do filme, aquela que melhor diagnostica seu ‘état de choses’, em diálogo prenhe com o recorrente díptico frasal (“des choses/ comme ça”) que atravessa quase toda a produção: numa cena, Patti Smith afirma que a guerra é a negação da arte; noutra, uma criança loira e mimada conduz uma orquestra no interior da garagem de sua casa, vestindo uma camiseta com estampas russas; numa terceira, uma mulher mia diante de gatos vistos no computador; numa quarta, pessoas fazem aeróbica diante de uma tela de TV, num palco improvisado no centro do navio em que se passa a maior parte da trama. Alguém disse que este filme não funciona em conjunto, mas sim pela análise isolada de suas partes. Eu discordo veementemente: “Filme Socialismo” é um filme que vai de encontro ao Capitalismo, no sentido de que entende que a arma mais efetiva deste último é a separação dos povos e culturas. “Filme Socialismo” amalgama e, nesse sentido, dialoga sobremaneira com uma das obras-primas de Manoel de Oliveira, “Um Filme Falado” (2003), em que cada um dos personagens comunica-se em sua língua pátria e são entendidos, mas não salvos da morte por terrorismo internacional, religioso e reivindicativo. Jean-Luc Godard e Manoel de Oliveira têm muito em comum, mas isto seria assunto para uma tese de doutorado, não para uma mera postagem emergencial de ‘blog’ subjetivista.

Infelizmente, porém, as legendas disponíveis para este filme são exageradamente elípticas e não traduzem a pletora de idiomas e citações que abundam neste filme. Este comportamento elíptico, aliás, foi tão ostensivo que cheguei a pensar que o mesmo fosse proposital, sugerido pelo diretor, que, noutra oportunidade, manifestou-se contrário à legendagem dos filmes, visto que estas palavras impostas sobre a tela maculariam a imagem. Declaração típica de gênio, de purista, de utópico, de sonhador... E Jean-Luc Godard é tudo isso. Além disso, se refletirmos com calma. Eis um filme que radiografa por dentro as esperanças que ainda podem ser depositadas sobre a conversão positiva do século XXI, mas... Quem se dispõe a vê-lo? Quem possui o arsenal teórico e/ou videográfico para compreendê-lo? Infelizmente, a intenção aqui é bem maior que a realidade e, infelizmente, no mundo real, as leis – mais corruptas do que injustas – são quem ditam as leis. Por menos tautológica que esta afirmação pareça...

Wesley PC>

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