domingo, 26 de dezembro de 2010

QUEM ERA JEAN-LUC GODARD: “MASCULINO-FEMININO” (1966) – “O TRABALHO HUMANO RESSUSCITA COISAS MORTAS”

Tendo visto e reverenciado a maior parte dos filmes godardianos, ouso taxonomizar seus longas-metragens em cinco fases distintas, mas de difíceis distinções entre si: a fase teórico-reflexiva do espelho, a fase ativista desconstrutiva, a fase da transição marital televisiva, a fase da metalinguagem naturalizada e a fase hodierna, religiosa e eletrônica. Ainda não pus no papel esta minha taxonomia pretendida, mas as bases são estas e, obviamente, o filme que acabo de ver pertence à primeira fase. “Masculino-Feminino” (1966) é um típico filme especular, em que, num momento de sublime autoconsciência crítica, um letreiro invade a tela: ESTE FILME DEVERIA SE CHAMAR ‘OS FILHOS DE MARX E COCA-COLA'. Jean-Luc Godard é e sempre foi um gênio político aplicado no próprio cotidiano!

Por causa de problemas relacionados à gravação do DVD em que estava contido o filme, tive que assisti-lo sem legendas e, definitivamente, a minha compreensão da língua francesa não comporta o excesso de citações literárias típica dos filmes godardianos, mas, ainda assim, creio que consegui entender o básico. As deliciosas canções interpretadas por Chantal Goya e a beleza e o carisma eternamente juvenis de Jean-Pierre Léaud cativaram-me facilmente. E fiquei absolutamente chocado na cena em que, sentindo necessidade de urinar durante a projeção de um filme, o protagonista, definido como ”um jovem instável” abre a porta do banheiro e depara-se com dois homens se beijando. Fecha a porta, mija e, logo em seguida, não titubeia e escreve na porta do cubículo sanitário: ABAIXO A REPÚBLICA DOS COVARDES! Contra quem era esta admoestação repressiva? Nos filmes de Jean-Luc Godard, as perguntas são bem mais relevantes que as respostas!

Num dialogo tipicamente confinado entre homem e mulher, um pergunta à outra qual é o centro do mundo. Ela reclama que eles acabaram de se conhecer e, como tal, é muito cedo, para perguntas difíceis. Diante da insistência dele, ela responde: “o amor”. E ele retruca, dizendo que, se fosse ele a responder, teria dito “eu”. Eu não seria igual ao amor no que tange à centralização do mundo? Pensei durante este diálogo genial e tipicamente romântico, conforme acontecia demasiado nesta fase pontuada por espelhos da filmografia em longa-metragem deste brilhante cineasta.

Poderia elencar citações geniais por parágrafos e mais parágrafos, mas, como disse antes, meu entendimento do filme foi parcial, em razão de minha defasagem francófona quanto à transmutação dos contos de Guy de Maupassant em petardos contra a Guerra do Vietnã. Porém, não cansaria de dizer sobre este filme: genial, absolutamente genial! E não pude controlar o gracejo na cena em que o protagonista assina uma petição em prol da libertação de presos políticos brasileiros... Jean-Luc Godard na madrugada é algo que faz bem, muito bem. Que frescor!

Wesley PC>

2 comentários:

tatiana hora disse...

queria ver a descrição da sua definição das fases do Godard!

Gomorra disse...

Estou redigindo-a ainda (risos)

Obrigado por este grande presente, Tatiana!

WPC>