sábado, 12 de junho de 2010

ESTAR AO LADO DO POVO E PERCEBER QUE O POVO SOMOS NÓS: EIS O DESAFIO!

Assim, meio que por acidente, vi o curta-metragem “Começo” (1967), do armênio Artavazd Peleshian, antes de dormir. Nunca tinha visto nada deste cineasta, mas o mesmo já era valorizado em conjunto por alguns eruditos sergipanos. No filme em si, vemos uma interessante recapitulação visual do que foi a Revolução Russa de 1917 e alguns de seus efeitos no mundo, culminando na imagem impressionante de uma menina comum, uma menina que poderia ser qualquer um de nós. Não sei se entendi bem o filme, mas fiquei impressionado!

Quando eu escrevo aqui o termo “impressionado”, sou sincero e eufêmico ao mesmo tempo. Sincero, porque não tem como sair daquela sessão cinematográfica sem ao menos uma impressão construída sobre o que se descortina diante de nossos olhos; e eufêmico porque o termo é incapaz de exprimir realmente o que senti. Motivos: no dia de ontem, tive uma boa conversa ao meio-dia sobre alguns de meus reincidentes preconceitos inconscientes (e vergonhosos, deixo claro) sobre alguns conceitos de “povo” que uma pretensiosa cultura de massa elitista incutiu em meus juízos de valor cultural. O oxímoro na expressão é proposital: elitismo hoje em dia é também alimentado (e muito) pela cultura de massa, que assim fomenta a higiene demográfica oportunista (leia-se genocídio espectatorial) do dia-a-dia, fomentação esta que não foi somente percebida por mim, mas pelo meu interlocutor matinal e por um amigo bancário à noite, que postou um texto sobre o quanto lhe incomodava ser incomodado pelo analfabetismo alheio. Já tive o doloroso contato com uma analfabeta na UFS (a mãe de uma aluna que estava doente e pediu que esta desse entrada em seu processo de amparo legal sob atestado médico) e, caramba, como senti vontades de pedir desculpas naquele dia por ter reagido quando aquela mulher foi bruta comigo quando eu insisti para que ela preenchesse um formulário, sem que eu soubesse que ela não sabia ler e muito menos ela admitisse isso inicialmente. Fora a primeira vez em minha vida que eu me deparava pessoalmente com alguém analfabeto – e doeu!

Olhando com precisão a derradeira imagem do filme do Artavazd Peleshian, que eu talvez precise ver em grupo e discuti-lo para compreender adequadamente o que ele quis me transmitir, percebo que a tal menina assemelha-se bastante a uma moça que estampou uma das campanhas da igreja católica em prol da erradicação do analfabetismo no Brasil, o que me fez lembrar de um exemplo contado em sala de aula, quando uma professora me disse que uma das meninas analfabetas amparadas pela tal campanha foi descoberta por um olheiro de modelos e hoje virou uma ‘top model’ fundadora de ONG. Eu gani ao consumir esta informação sem o devido processamento. Ainda tenho muitos preconceitos dentro de mim. Isto é mau, isto me envergonha!

O que me redime em todo este processo é que toda esta vergonha, toda este incômodo, faz com que eu gradualmente perceba que “povo” é algo muito diferente do que a Indústria Cultural me ensinou a temer ou odiar e que este conceito diz respeito a “eu e tu juntos” (vulgo: nós!), realizando atividades para o nosso bem pessoal e para o bem comum, ao mesmo tempo. Povo é isso! King Vidor só veio me confirmar pela manhã!

Wesley PC>

“VOU PROCURAR NERVOS DE AÇO PARA EMPALAR MEU PROCTO-COLAPSO”

Porque algumas noites são assim mesmo: entrou água no meu sapato às 8h da manhã, de maneira que, quando fiquei descalço de novo, às 21h, nem queiram saber como direito estava: completamente dobrado, doloroso e ferido/calejado. Queria que este fosse o menor dos meus problemas de hoje. Como este desejo não depende de mim para ser concretizado, cabe-me recorrer à arte: ouço agora a mexicana Julieta Venegas dizendo que todos nós somos guardanapos e contas de luz, enquanto rememoro meus dias de fanatismo à la Peter Greenaway, utilizando os versos da banda Textículos de Mary na canção “Vassoura de Piaçava” como mantra até eu decidir que filme verei enquanto como a maçã grande que minha mãe deixou guardadinha para mim. Amanhã minha cunhada vai matar uma galinha doméstica. E eu não poderei evitar isto. Pelo menos, na tarde de hoje, não confundi um aperto de mão com o que não devia. Amizade (ou sua contrafação impositiva) compensa sempre - A imagem não nega!

Wesley PC>

quinta-feira, 10 de junho de 2010

DESENCANTO EM RW – VERSÃO BLOG (PARA QUEM APRENDEU A FAZER METÁFORAS COM O PADRE FÁBIO DE MELO)

Quando o padre-cantor Fábio de Melo foi entrevistado no programa de Jô Soares, em maio do ano passado, vários católicos não-agostinianos manifestaram-se com escândalo diante das declarações de que ele havia praticado sexo antes de se tornar padre. Não cabe a mim julgá-lo, mas posso externar algumas palavras sobre o modo como ele tece metáforas, visto que minha mãe costuma ouvir com certa regularidade algumas de suas canções, com destaque para “O Caderno”, onde ele diz que “Caderno é uma metáfora da vida. Quando os erros cometidos eram demais, eu me recordo que nossa professora nos sugeria que a gente virasse a página. Era um jeito interessante de descobrir a graça que há nos recomeços. Ao virar a página, os erros cometidos deixavam de nos incomodar e a partir deles a gente seguia um pouco mais crescido”. Seguindo o mesmo embalo, dou-me aqui ao luxo de utilizar a diferenciação básica entre um CD gravável (R) e um regravável (RW) para responder à questão proposta no título da postagem anterior:

“A estrutura do disco RW é algo similar à do CD-R, tendo uma estrutura de policarboneto muito semelhante, uma camada protetora superposta, mais duas camadas dielétricas e outra de ligação metálica com modificações de fase. AS camadas dielétricas previnem o super-aquecimento e a camada de modificação fásica durante o processo de gravação. As marcações informativas são os pontos formados no interior da absorção de luz, que manifestam diferentes propriedades ópticas. Uma típica estrutura do CD-RW pode ser vista na figura acima.” (Fonte: http://www.usbyte.com/)

Espero ser suficiente claro com isso.

Wesley PC>

O FIM DE UMA “PIADA INTERNA” OU O PONTO DE PARTIDA DE VÁRIAS OUTRAS?

Vários de meus amigos reais e virtuais elogiaram com afinco “Eletrodoméstica” (2005), curta-metragem dirigido pelo crítico pernambucano de cinema Kleber Mendonça Filho. Diversos contratempos levaram-me a não ver este filme até a tarde de hoje, quanto literalmente me encantei diante do mesmo, visto que ali, para além da fecundidade discursiva e sociológica de seu enredo, que aborda o cotidiano de uma dona-de-casa saturada por eletrodomésticos e demais controladores elétrico-eletrônicos da vida contemporânea, estive diante de uma cena absolutamente espetacular, tanto no plano da realização quanto no que diz respeito á minha identificação pessoal: no clímax do filme, a protagonista do filme (magnificamente interpretada por Magdale Alves) goza com a movimentação frenética de uma maquina de lavar, dependurando-se sobre a mesma, fazendo com que as laterais do aparelho entrem em contato direto com sua vagina. Não é mais ou menos o que eu e uma amiga brincamos quando nos referimos sexualmente a “máquina de lavar”? Juro que eu não sabia da existência desta preciosa cena neste filme genial!

A fim de validar ainda mais a magnânima experiência de ter visto (tardiamente, mas ainda a tempo) este filme brilhante, falta energia elétrica pouco tempo depois de encerrada a sessão. Numa cena-chave do filme, coincidentemente, também falta energia, o que dá origem a diálogos excelentes por parte do roteiro escrito pelo próprio diretor, seja no que diz respeito à devoção maternal da protagonista (que ensina sua filha a valorizar a Matemática com base em exemplos econômicos e eletrodomésticos pontuais) seja na explicitação completa da indissociação contemporânea entre homem (ou mulher) e máquina nos tempos atuais. Em outras palavras: a ótima condução directiva do filme demonstra como cada simples ato da protagonista é mediado por aparelhos eletro-eletrônicos, como uma surpreendente lição de moral escolar com o filho (que perdera o trabalho plagiado que digitava no computador) ou um gesto de caridade para com um pedinte (que a elogia por ser a primeira dentre 30 donas-de-casa que lhe abre a porta para lhe conceder um copo com água). Ou seja, o filme não fica no mero denuncismo pós-moderno como acontece com diversos produtos artísticos similares. Mostra a protagonista como ser humano e, acima de tudo, respeita os espectadores (eu incluído) como sendo igualmente humanizados e tendentes à postura humanitarista. Impressionante. Recomendo!

Quanto à pergunta-título, deixo-a em aberto.

Wesley PC>

quarta-feira, 9 de junho de 2010

SOMENTE ENTENDE QUEM VIU “DOGVILLE” (2003)?

Numa das cenas finais deste petardo filosófico/político/cinematográfico contemporâneo dirigido pelo inventivo e prepotente Lars von Trier, a manifestação vingativa da Graça que é vivificada por Nicole Kidman permite que um bebê seja morto com um tiro de revólver no rosto. No debate acalorado que eu e alguns amigos participamos após a sessão, um companheiro atual de curso ergueu seu dedo, fortemente chateado com o suposto golpe anti-humanitário que estávamos a legitimar quando achamos prenhe de sentido, dentro da estrutura temática do filme, este infanticídio crasso. Dizia ele: “mas era só um bebê. Ele não tinha culpa de nada”... Ao que retrucávamos: “um bebê que iria crescer e se tornar tão malévolo quanto os demais", segundo a estrutura narrativa do filme. Agora eu pergunto: será mesmo?

No caminho para o trabalho hoje, ouvia uma coletânea de canções do David Bowie. Quando “Young Americans”, faixa que encerra o filme, começou a tocar, dei de cara com uma mulher vulgar de periferia (o que não é um julgamento de valor, mas uma mera constatação tipológica), que alisava com bazófia a sua barriga de mulher grávida. Num infinitésimo de segundo, imaginei todo um destino fictício para aquela criança, engrossando as correntes de ignorância desta era decadente que se descortina diante de nós a passos largos. Teria eu o direito de projetar este tipo de coisa? Tenho mais é que rever o filme e rever alguns de meus conceitos inconscientes. E pensar que, quando pequeno, já tive o desprazer de cantarolar aqueles versos nojentos sobre o “neguinho preto, do sovaco fedorento, que rala a bunda no cimento para ganhar mil e quinhentos”... Vergonha de mim mesmo também!

Adendo complementar: não sei se fui suficientemente claro na exposição da crise acima, mas tem a ver com uma extraordinária campanha publicitária antigamente veiculada pela TV Cultura, na qual um repórter entrevistava pessoas na rua e lhes perguntava: “onde tu guardas o teu racismo?”. Não era se a pessoa se sentia ou não preconceituosa, mas onde esta pessoa guardava o racismo, dada a profusão negativa de algumas transmissões ideológicas. Aquela campanha mexeu comigo, visto que eu sentia que tinha racismo guardado. Não deveria, mas tinha!

Wesley PC>

ACABOU, GRAÇAS!

Então, sei que em dezembro teremos uma nova temporada de “Glee”, mas, por ora, posso comemorar: estou livre deste vício! É impressionante, raro e vergonhoso que eu esteja assim tão subsumido a um programa televisivo, mas algo neste “seriado de auto-ajuda” me fisgou de uma forma atroz e pitoresca. A cada madrugada de terça para quarta-feira, eu aguardava ansiosamente para baixar o episódio recém-exibido nos EUA, feito aquelas donas-de-casa entediadas que vibram diante do capítulo final de uma telenovela e esqueciam as atribulações de suas vidas pessoais. Por que isso acontecia comigo? Estaria eu imerso num processo avassalador de necessidade evasiva ou o programa em pauta é tão qualitativo que fez por merecer a minha devoção superlativa? Juro que não sei responder...

Quem acompanha este ‘blog’ com freqüência relativa, já percebeu a quantidade elevada de postagens sobre os episódios. Não sei se é de interesse geral descrever aqui em pormenores o que aconteceu no derradeiro capítulo desta primeira temporada da saga do coral New Directions (até porque a sinopse do mesmo, bem como a descrição minuciosa dos ótimos personagens pode ser facilmente encontrada na Internet), pelo menos agora, mas tenho que confessar que este final de temporada me fez lacrimejar nalgumas passagens. Afinal de contas, música + drama = emoção. E, nesse sentido, não sei o que me emocionou mais: se a versão contemporânea e prenhe de sentido agradecido para “To Sir, With Love”, se a dilaceração romântica contida em “Faithfully”, ou se a concorrente exuberância de “Bohemian Rhapsody”, as três contidas no CD fotograficamente acostado à direita desta postagem. Por outro lado, a execução final de “Over the Rainbow” poderia ser mais significativa, mas, ainda assim, é válida. Funcionou para mim. Estou alforriado. Ufa!

Wesley PC>

...OU POR QUE ESTE WESLEY PERFORMÁTICO DE DUAS HORAS ATRÁS ESTÁ OUVINDO CAT POWER NOVAMENTE?

a. ( ) Porque “The Greatest” (2006), sétimo álbum de estúdio de Cat Power é muito rico em experiências e, de alguma firma, talvez eu tenha-o subestimado antes, não obstante nunca ter deixado de admitir o quanto a faixa 8, “The Moon”, mexe comigo...

b. ( ) Porque, “de caso pensado”, recentemente chamei “a tia safada” de Débora e ainda cometi o desvio de acentuar seu nome e, a fim de atestar aqui o quanto sou encantado por ela, penso nela enquanto ouço estas canções que eu sei que ela gosta.

c. ( ) Porque sou um idiota recorrente, que sempre comete as mesmas idiotices recorrentes e, por um golpe qualquer do destino, sobrevivo para voltar a cometer estas idiotices recorrentes.

d. ( ) Porque apertei um botão qualquer e foi a voz da Chan Marshall o que apareceu no rádio, tanto que minha mãe me aconselhou a ouvir outra coisa, mesmo achando bonito, preocupada que aqueles sons tristes externalizassem a recaída de tristeza a que eu ameaçava sucumbir.

e. ( ) Porque às vezes não precisamos de motivos. As coisas acontecem porque precisam acontecer e, a fim de não desagradar ninguém, admito: todas as alternativas anteriores, incluindo esta, estão corretas. Cat Power é muito bom, sempre foi, e quem me conhece, sabe que sou fã!

“A lua não é somente bonita/ (...) Ela está aqui para ficar”

Wesley PC>

terça-feira, 8 de junho de 2010

“‘SER OU NÃO SER JORNALISTA’ É UM QUESTÃO QUE ENVOLVE ABRAÇAR A CAUSA HUMANÍSTICA”!

Piadinha inversa rápida: cheguei 40 minutos atrasado à minha aula de Introdução ao Jornalismo de hoje. Porém, ainda deu tempo de presenciar uma cena deplorável. Enquanto a professora estava num momento inspirado, explicando com muita paciência as mais recorrentes práticas profissionais que estão em contrapartida com noções básicas de humanitarismo, foi utilizado como exemplo de injustiça extremada o caso de Jean Valjean, protagonista do famoso romance “Os Miseráveis”, de Victor Hugo (ainda não-lido pro mim), que fora condenado a uma larga pena penitenciária por ter roubado um pão. Enquanto narrava este exemplo literário clássico (e crasso, ao mesmo tempo) um de meus colegas de classe sorria bastante, até que puxa outro colega pelo braço e pergunta, de forma chistosa, ainda rindo muito: “deve ter sido na África”. Fazia tempo que eu não sentida tanta vergonha...

Wesley PC>

CONFORME PROMETIDO, O CALHAMAÇO DE PAPÉIS SOCIOLÓGICOS QUE ME EXPULSOU DE CASA ONTEM À NOITE:

“Para Além do Capital”, publicado em 2002 pela Editora Boitempo, é um livro imenso, em que o filósofo húngaro István Mészaros gasta 1.104 páginas para disseminar seus ideais contemporâneos de enfrentamento ao capitalismo, em sua violenta configuração hodierna. Li apenas 10 páginas (menos de 1 centésimo do livro), mas percebi que meu amigo Ulisses tinha razão ao declarar que a linguagem do mesmo é repleta de elucubrações complexas para quem não está habituado à metodologia sociológica. Detalhe: encontrei com Ulisses, que é homossexual, em frente ao banheiro masculino a II, um tanto afamado por ser ponto de encontro homoerótico (o chamado “lugar de pegação”). Minutos antes de encontrar Ulisses na escada e ouvir seus pontos de vista cautelosos sobre o pensamento meszarosiano, conversei com um amigo de Japaratuba que descreveu como fez sexo oral casual com um executivo (quiçá estudante de Direito ou Administração), neste mesmo banheiro, na semana passada. Não por coincidência, pelo menos 5 homossexuais conhecidos aglomeravam-se em frente a este banheiro. O que será que o István Mészaros teria a dizer sobre isso?

Wesley PC>

CINTURÃOZADA NOSTÁLGICA DA MINHA INFÂNCIA


Caramba! Depois que um calhamaço austero de páginas sociológicas me expulsou de casa na noite de ontem (falo deste livro na postagem seguinte), visitei um vizinho, a fim de relaxar um pouco. Não obtive o tipo de relaxamento pretendido, em virtude de expansões temporais alheias às nossas vontades, mas descobri, afoito, que a telenovela épica “A História de Ana Raio e Zé Trovão”, dirigida, entre outros, pelo exibicionista e exuberante Jayme Monjardim, entre 1991 e 1992, na extinta TV Manchete, estava sendo reapresentada pelo SBT. Gritei, meu coração palpitou de empolgação. Caramba! Esta novela marcou a minha vida! Resumo minha empolgação aqui, só por desencargo de consciência.

Empolgado que estava, não consegui falar sobre outro assunto quando cheguei ao trabalho, na manhã de hoje. A partir de então, comecei a relembrar outras telenovelas que marcaram o mais tenro estágio de minha vida. A mexicana “Ambição” (“Cunas de Lobo”, no original), exibida pelo SBT em 1992, veio à tona. Lembro que não entendia direito as reviravoltas rocambulescas da trama à época, repleta de pendengas burguesas sobre heranças e amores proibidos inter-classistas, mas eu era completamente fascinado pela vilã Catarina Creel (Maria Rubio), cujo tapa-olho ostensivo era um verdadeiro fetiche para todos nós que sentíamo-nos rejeitados por quaisquer eventualidades do destino. A cena que mostrava como ela ficou cega de um olho (numa simples brincadeira com o irmão, com quem tinha uma relação quase incestuosa) e a derradeira cena do último capítulo da telenovela (em que um garotinho é possuído por um espírito ambicioso ao usar o tapa-olho de Catarina) são surpreendentes e impressionantes e ficaram cravadas como fogo-corredor em minhas retinas mnemônicas infantis. Quantas e quantas vezes não dublei a canção de abertura da novela enquanto minha mãe queimava lixo no quintal...

“Tudo tem segredo, caminhos cheios de amor e ilusão,
vai sem medo, seguindo o que manda seu coração.

No brilho do sol, nas águas do mar,
tem um mistério que não dá pra explicar.
E a vida é assim, tem ódio e paixão,
muda o destino quando existe ambição.

Tudo tem segredo, caminhos cheios de amor e ilusão,
vai sem medo, seguindo o que manda seu coração.

No brilho do sol, nas águas do mar,
tem um mistério que não dá pra explicar.
E a vida é assim, tem ódio e paixão,
muda o destino quando existe ambiçãããããããããããõ


Putz! Depois de quase 20 anos, como é que eu lembro com tantos detalhes desta canção brega encantadora, interpretada por um talzinho inexpressivo de nome Arthur Rezende?!

Wesley PC>

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A DESCOBERTA DE UM TESOURO CHAMADO “BISSEXUÁSTICA” (2004)

Segundo Fábio Mafra (vulgo Chupeta), um dos idealizadores da extraordinária banda pernambucana Textículos de Mary, a rejeição não somente das gravadoras (tementes em lidar com um material tão bruto e ousado) como também a má recepção de facções de público que incluíam ‘gays’ TFP (Tradição, Família e Propriedade) revoltados com o que tachavam de mau gosto da banda fizeram com que a mesma chafurdasse na extinção decorrente da incompreensão. Para o vocalista, isto representou ao menos um alívio, visto que ele não agüentava mais “usar calcinhas apertadas que machucavam os ovos” (risos). Pena. Os apreciadores de boa música de protesto como eu não mais poderão presenciar os espetáculos chocantes e arrasadores da Banda d’as Cachorra, cujo nome se escreve assim mesmo, com erro de concordância fechoso e tudo!

Para o nosso consolo, porém, descobri que, além do bastante divulgado álbum de estréia [“Cheque Girls” (2002)], pode ser facilmente baixado também “Bissexuástica” (2004), disco este cuja sonoridade difere do álbum anterior, tanto na qualidade técnica do som propriamente dito (inferior, visto que decorre de uma gravação ao vivo) quanto na qualidade das letras (mais taciturnas e conscienciosas) e na depuração das referências musicais (que pregam tributo explícito a The Doors, The Velvet Underground, Iggy Pop na fase mais suja e a banda brasileira Fellini, para ficar apenas naquelas que eu pessoalmente reconheci), de maneira que, se este segundo álbum não é tão poderoso em seus ataques ‘punks’ quanto o primeiro, ele é digno de menção bastante elogiosa pela maturidade discursiva. Faixas como “Bicha Escrota” (que dilacera o destino comum a homossexuais boêmios que envelhecem) e “Monstro Gay” (que narra a vingança de um afetado que, “para se livrar da deprê, contamina os michês com o vírus do HIV”) me conquistaram por completo e, como tal, serei um defensor contumaz da eternidade da banda, defesa esta que renderá um artigo acadêmico que pretendo apresentar no ENUDS (Encontro Nacional Universitário de Diversidade Sexual) deste ano, a ocorrer entre os meses de setembro e outubro, na cidade de campinas – SP.

Infelizmente, as letras das canções deste segundo álbum não estão disponíveis na Internet, mas quem se dispuser a ouvi-lo perceberá que o mesmo é muito mais rico em termos de execução instrumental, de maneira que caem por terra as acusações de que a música seria apenas um interesse secundário para os membros da trupe da Chupeta, supostamente mais interessados no glamour transexual do que no poder de convencimento artístico sonorizado. O inteligente título do álbum, acrescido do subtítulo “Construindo uma Política Homossexual” revela que os vôos ideológico-culturais da banda são bem mais elevados do que pensam crer seus detratores elitistas. Os geniais Textículos de Mary militam, entretêm, excitam-nos e fazem-nos refletir sobre os papéis sociais que desempenhamos, voluntariamente ou não, tudo de uma gozada só. Recomendo de pau duro, coração aberto e cérebro em riste!

Wesley PC>

domingo, 6 de junho de 2010

RECAÍDA A-CIENTIFICISTA (?)

“Assim como os economistas são os representantes científicos da classe burguesa, os socialistas e os comunistas são os teóricos da classe proletária. Enquanto o proletariado ainda não está bastante desenvolvido para se constituir como classe e, conseqüentemente, a sua própria luta contra a burguesia não tem ainda um caráter político; enquanto as forças produtivas ainda não estão bastante desenvolvidas, no seio mesmo da burguesia, para possibilitar uma antevisão das condições materiais necessárias à libertação do proletariado e à formação de uma sociedade nova, estes teóricos são apenas utopistas que, para amenizar os sofrimentos das classes oprimidas, improvisam sistemas e correm atrás de uma ciência regeneradora”.

Karl Marx escreveu estas palavras em 1847, como parte de suas “sete observações mais ou menos importantes” sobre a reencarnada “explicação do método econômico-metafísico” que esmiuçava perniciosamente a partir de uma obra capital do anarquista Pierre-Joseph Proudhon. Como se pode perceber, nos 163 anos que nos afastam destas palavras, talvez os comunistas não tenham avançado muito em relação ao que Marx comentava. O utopismo ainda permanece uma ferramenta basilar de muitos discursos políticos pretensamente revolucionários, desmerecida solenemente pelo poder do capital em se transmutar em produtos culturais que vendem mais do que informar, que retroalimentam desejos irrealizáveis mais do que estimular a compreensão utilitarista dos bens adquiridos. É por isso que os pés do canadense Cory Monteith ainda me parecem tão sedutores, por mais apolítico que isto se revele. É por isso que, numa recaída afetiva melodramática, eu ouço Chico Buarque exalar sua poesia no álbum “Para Viver um Grande Amor” (1984), mas insisto em transcrever o trecho anglofílico inicial de um dueto musical entre os ‘rappers’ Chris Brown & Jordin Sparks que foi regravado pelos atores do seriado de TV “Glee” no sétimo episódio, o qual pretendo rever enquanto como algo antes de ir para o trabalho. A luta de classes, hoje em dia, é bem mais complicada e multifacetada do que parece!

“If I should die before I wake
It's 'cause you took my breath away
Losing you is like living in a world with no air
Oh…”


Wesley PC>

DILEMA DO DIA: ATÉ QUE PONTO A GENIALIDADE COMPLETAMENTE INVOLUNTÁRIA É DIGNA DE MÉRITO?

Quando eu tinha aulas de pós-graduação em Filosofia, fui apresentado a um ramo epistemológico de caráter analítico em que o conhecimento só aceito como tal quando rigorosamente justificado. Em linhas bem gerais, isso quer dizer que conhecimentos fortuitos não são necessariamente aceitos como tal, a não ser que o seu conhecedor possa explicar como chegou até a posse do mesmo. O apogeu deste questionamento está no chamado “Problema de Gettier”, proposto em 1963 por um filósofo norte-americano respeitado por alguns alunos mais radicais da UFS.

As dificuldades de entendimento que enfrentei na disciplina centrada neste tipo de problema fazem com que eu esteja desautorizado a comentar com propriedade o assunto, mas sirvo-me desta corruptela para trazer à tona o meu espanto positivo diante do difamado filme “A Banda das Velhas Virgens” (1979), dirigido por Amácio Mazzaropi e Pio Zamuner. Nunca escondi que desgostava dos filmes deste caipira preconceituoso tão querido pelos brasileiros, mas, aos poucos, vou percebendo lampejos subliminares de inteligência pré-crítica em suas obras e, no filme em pauta, execrado pela crítica, gargalhei em diversas seqüências. Será que eu interpretei demais o que era puro atabalhoamento produtivo? Se alguém tiver visto o filme, que me ajude.

A trama do mesmo deveria estar centrada na banda de velhas virgens do título, comandado pelo personagem de Amácio Mazzaropi, chamado Ananias, mas apelidado de Gostoso. Com exceção de uma aparição no início, outra no final e uma ou duas citações frasais, a tal banda é assunto quaternário no roteiro do filme, que, tal qual uma novela do SBT, mistura n sub-tramas, indo desde o deslocamento do protagonista de uma fazenda onde era explorado pelo latifundiário que deixou o seu filho paralítico para um lixão até os romances proibidos entre moças e rapazes de classes sociais distintas. Nada demais para quem está acostumado à seriedade incidental dos filmes protagonizados pelo Jeca, mas o que me chamou atenção aqui foi o conflito inevitável entre os valores anacrônicos do personagem e a abertura política/erótica cara à época, quando se aproximava de findar os governos militares no Brasil. Por isso, tenho que destacar algumas cenas.

O primeiro momento em que pulei da cadeira foi quando um ladrão entra de revolver em punho no interior de uma igreja e resolve assaltar o padre, que, enquanto implora por sua vida, vê a estátua de Santo Antônio fugir com o dinheiro das esmolas. Noutra cena, outro meliante assalta uma burguesa européia utilizando um linguajar deveras culto, primando pela relação diplomática entre algoz e vítima. Mais à frente, quando o caipira é preso por engano, um policial acostumado à prática da tortura chora quando Gostoso narra uma anedota envolvendo a Princesa Isabel num salão de bailes, momento musical inusitado que dura pelo menos um cinco minutos. E, por fim, as atividades do caipira transitam por espaços inusitados, como depósitos de lixo e praias, onde um estranhíssimo jogo de campo-contracampo permite que os olhares de pai desolado e filho paralítico contemplem com inveja um grupo de sete rapazes de sungas que jogavam futebol à beira-mar. Para quem sabe do homossexualismo irrestrito do ator principal, esta cena é revestida de um novo contexto kuleshoviano que, involuntariamente, a torna tão genial (e fora de contexto) quando os demais eventos narrados neste parágrafo. Conclusão: gostei muito do filme, mesmo sabendo que as cenas que mais me divertiram ou surpreenderam assim aconteceram por pura improvisação desengonçada ou pusilanimidade narrativa por parte dos roteiristas. Aí me vem a pergunta: a não-intenção na criação de seqüências memoráveis desautoriza a qualidade elogiável das mesmas? Juro que não sei responder, mas que vou divulgar este filme com muito fervor, ah, eu vou!

Wesley PC>

“FOI O PRÓPRIO MÉDICO QUEM RECOMENDOU QUE ELE VOLTASSE AO TRABALHO”...

O diretor carioca Jom Tob Azulay tem motivos para estar tão orgulhoso enquanto segura o material de divulgação do icônico filme “Os Doces Bárbaros” (1976), relançado recentemente em DVD restaurado. Acabo de ver este filme em exibição na TV Brasil e ainda estou absorto diante de tanta magia, diante de tanto encantamento, diante de tanta brasilidade! Não somente por causa das músicas maravilhosas em si, mas em virtude da própria constituição fortuita que assolou os produtores do filme à época, que, além do espetáculo homônimo, registraram a prisão e o internamento de Gilberto Gil por posse de maconha (o julgamento que o condena é hilário de tão conservador!) e flagram três grandes situações jornalísticas de caráter invasivo e emburrecedor que me fazem realmente questionar o que eu quero ao me embrenhar na formação profissional deste curso. Eis as três situações:

Na primeira, ainda no começo do filme, quando os quatro geniais artistas baianos estavam explicando as intenções e motivações do espetáculo, eles participam de uma entrevista coletiva e soa cinicamente atacados por seus entrevistadores, que perguntam se eles tencionam imitar The Beatles por conjugação inversa (enquanto estes começaram juntos e depois se separaram, aqueles começaram separados e agora se juntam – venhamos e convenhamos, uma comparação muito tosca) ou se eles não se sentem culpados por lançarem música enquanto “produto” tocável no rádio. Ri diante da ignorância atacante daqueles jornalistas. Senti vergonha por eles e gostei muito do modo sincero como Gilberto Gil enfrentou o cinismo idiota dos repórteres.

O que me leva à segunda situação, envolvendo o julgamento deste artista, antecedido por depoimentos do gerente do hotel em que ele estava hospedado e do prepotente delegado que o prendeu. Ao sair do tribunal, Gilberto Gil é cercado por repórteres e gentilmente ele pede que estes o deixem ir para casa, que ele precisa descansar e estar com sua família, comprometendo-se a conceder uma entrevista no dia seguinte. Os impacientes jornalistas não se calavam, queriam que ele respondesse às suas perguntas invasivas ali mesmo, sendo que, ao final, ele consegue convencer que, ao invés de entrevistas, seja concedida apenas uma sessão de fotos, em que os jornalistas se aproveitam para pedir que Gilberto Gil beije seu filho Pedro de forma externalizada, etc., etc.. Minutos antes eu estava rindo com um comentário chapado do artista, que disse que este episódio (sua prisão) teria “um efeito negativo apenas superficial em nossos corpos e em nossas almas”, de maneira que não atacaria o espírito. Os outros integrantes do quarteto mostrariam que sim, afetaria bastante, mas também que eles são geniais o bastante para superarem isto com dignidade e alento. Digo mais: fiquei surpreso com a simpatia e inteligência do Gilberto Gil. O modo delicado e risonho com que ele agradece e se despede da imprensa tocou o meu coração!

E, por fim, a terceira situação, tragicômica: um jornalista completamente equivocado conversa com Maria Bethânia enquanto esta se maquia e faz perguntas imbecis sobre política e religião, elucubra erroneamente acerca de declarações e eventos prévios da carreira da cantora (o modo como ela e seu irmão foram lançados como artistas, por exemplo) e se torna merecedor do desdém que ela destina quando ele insiste em desrespeitar os pontos de vista da baiana. Enquanto a situação se estendia, inclusive, eu ficava gritando comigo mesmo: “meu Deus, este cara não se toca, não?!”. Eis algo que deveria ser reproduzido em todas as salas de aula de Jornalismo do Brasil!

De resto, é isso: o filme é incrível, o quarteto prova-se fantástico dentro e fora dos palcos (com exceção talvez de Caetano Veloso, bastante apagado em relação aos demais e tolo num encontro circunstancial com membros dos Novos Baianos) e é muito poderoso enquanto documento universitário, cultural e popular acima de tudo. Quero um DVD destes para mim, Sr. Jom Tob Azulay!

Wesley PC>