sábado, 18 de setembro de 2010

REMBRANDT HARMENSZOON VAN RIJN ‘APUD’ PETER GREENAWAY

“Ronda da Noite” (2007, de Peter Greenaway) é isso mesmo: um olhar pretensamente reconstitutivo sobre um das obras-primas pictóricas de um dos holandeses mais célebres de todos os tempos, “A Ronda Noturna”, pintada entre 1640 e 1642. Cheio de vícios e de idiossincrasias escatológicas como é, Peter Greenaway não se contentou apenas em biografar esta fase da vida do pintor, mas entupir os 141 minutos de projeção do filme com as marcas registradas que fizeram com que ele fosse um dos diretores favoritos de minha adolescência, se não o meu preferido. Juro que, ainda no início fiquei com medo do hermetismo do roteiro, que soava demasiado truncado para quem não tem um arcabouço mínimo de conhecimento histórico-artístico, mas, aos poucos, os referenciais políticos, sexuais e ultra-românticos vão dominando a narrativa e facilitando não somente a identificação do espectador que já se apaixonou um dia (e teve que enfrentar todo um contexto social por causa disto), mas também possibilitando a assunção comunal da genialidade do senso de humor erudito desta ótima preciosidade fílmica, surpreendentemente atolada na mesmice dos DVDs piratas (vários amigos compraram uma versão chinfrim e dublada do mesmo numa banca ilegal onde se encontram prioritariamente sucessos de pancadaria provindos de Hollywood). Vi o filme hoje à tarde e fiquei admirado com a qualidade das interpretações, com a perfeita trilha sonora de Wlodzimierz Pawlik, com as deslumbrantes fotografia e direção de arte e com a diacronia conceitual do enredo. Filmaço! Difícil, árduo, sisudo (apesar de seu bom-humor perene), passional e, acima de tudo, muito recompensador e intelectivo. Saí da sessão obcecado por conhecer mais e mais sobre este gênio barroco. Tomara que eu consiga aprender algo, mas, ainda que não consiga, o filme antecipou-me uma certeza: sentir, eu sinto!

Wesley PC>

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

“UMA CENTRÍFUGA DESCALIBRADA É REALMENTE ALGO MUITO TRISTE. MAS NUNCA ME FEZ CHORAR”...!

Eu tinha pensado em escrever algo sobre profissionalismo no título desta postagem, mas o brilhantismo do personagem interpretado por Hugh Laurie no excelente seriado “Dr. House” me ofereceu um novo caminho: assisti, há pouco, aos sétimo e nono episódios da primeira temporada, em ordem inversa, graças ao obséquio de um rapaz que trabalha comigo e que, na semana em pauta, esteve doente. Não gostei muito do nono episódio (“DNR”), sobre um jazzista paralítico que se recusa a ser submetido a um tratamento que prolongue a morte lente atrelada à doença de que padece, mas sou obrigado a admiti que este episódio foi muito elucidador não somente no que tange aos desígnios morais do protagonista do seriado quanto do próprio rapaz que me emprestou o DVD. O sétimo episódio (“Fidelidade”), por sua vez, deixou-me em transe positivo: genial em forma, conteúdo e possibilidades hermenêuticas decorrentes. Absolutamente genial!

No episódio em pauta, uma típica norte-americana patologicamente fiel a seu marido patologicamente fiel é internada com hipersônia. Dormia mais de 18 horas por dia e, ainda assim, estava assaz irritadiça. Após vários testes propedêuticos, caros ao brilhantismo do seriado citado, descobre-se que ela está padecendo de tripanossomíase africana, ou “doença do sono”, o que indica que ela foi adúltera. As conseqüências e/ou confirmações desta suspeita são geniais, bem como a situação confessional em que a frase-título é proferida, quando a doutora Allisson Cameron (Jennifer Morrisson) conta ao Dr. House mais um importante segmento de sua sofrida vida amorosa. Estive ao lado dela, chorando diante daquela centrífuga descalibrada...

Curioso é que esta série me trouxe à tona uma situação bastante dramática que tive que enfrentar no trabalho na manhã de ontem: o padrasto de uma garota que fora atropelada em frente à UFS na semana passada pediu-me uma declaração de matrícula. Ele não estava com uma autorização por escrito dela, visto que, além de perder parte do couro cabeludo, fraturar diversos ossos da face e ficar desdentada, a menina atropelada está internada, incapaz de realizar movimentos mais complexos como escrever algo. Emocionei-me sinceramente enquanto ele descrevia a gravidade das condições de saúde da menina, enquanto fiquei particularmente tocado quando ele disse que não sente rancor contra o motoqueiro que a atropelara, visto que, para além de ele ter ou não culpa, ele também está interando em estado grave e com muitas dilacerações espalhadas pelo corpo em decorrência da queda. Fiquei preocupado: “Deus meu, como farei para entregar esta declaração?!”. Ele precisava, seus argumentos eram justos e comprovadíssimos. Por sorte, a colega de trabalho que assume as funções de chefa esta semana sentiu-se convencida pelos argumentos dramáticos que eu resumi e pela sagacidade do padrasto da jovem atropelada, que, além de apresentar um atestado médico demonstrando a imobilidade da moça, trouxe também a certidão de nascimento dela e uma comprovação de que ele era agora casado com a mãe da mesma. Ufa! Sinto que fiz uma boa ação e um bom trabalho enquanto recepcionista, ao mesmo tempo. Mas não pude me esquivar de emocionar-me novamente, enquanto lavava os pratos e contava o episódio a minha mãe. Glupt!

Wesley PC>

ONDE ESTÃO AS CORES “REAIS”?!

A imagem acima deveria estar em preto-e-branco. Trata-se de uma cena-chave do filme “Svengali” (1931, de Archie L. Mayo), no qual o protagonista hipnotiza a jovem por quem se apaixona e obriga que ela “não veja nada, não ouça nada, não pense em nada – exceto em Svengali”. Com isto, ele priva-a de viver um romance com um rapazola tolo e transforma-a numa afetada estrela de ópera, que sente falta de algo, mas não consegue lembrar o quê... Ela não consegue lembrar o quê, até a última cena, esplendorosamente indefinida entre o “final feliz” e o “final absolutamente trágico”! Deus do céu, o que é aquilo?!

E, no mesmo dia em que vi este belíssimo filme em preto-e-branco, minha cadelinha branca Zhang-Ke e meu cachorro branco Bogdanovich geraram quatro belíssimos cachorrinhos negros. Estou absolutamente orgulhoso deles, conforme pode ser visto (e lido) aqui. Eis as cores que me encantam!

Wesley PC>

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

“QUANDO A GENTE QUER FICAR PERTO DE ALGUÉM QUE A GENTE GOSTA E NÃO CONSEGUE, ISSO É AMOR”!

Assim define o sensual vaqueiro Jonas (Jones Carlos Fialho de Araújo, o da direita na foto) no surpreendente curta-metragem francês “Cowboy Forever” (2006, de Jean Baptiste Erreca), que eu vi na tarde de hoje. Se eu me atrevo aqui a usar o termo surpreendente, não é tanto pelo que eu encontrei lá – uma coletânea de clichês evasivos ‘gays’ – mas sim pelo contexto de apresentação do mesmo: o protagonista é um vaqueiro mato-grossense que gosta de passar o tempo livre deitado entre os jacarés do Pantanal brasileiro. De repente, ele conhece outro vaqueiro por quem começa a sentir uma amizade estranha e um veterinário que faz militância homossexual travestindo-se de mulher. A partir daí, ele passa a enfrentar sentimentos que até então não conhecia. Nada demais, não é? Para mim e para tu, caro leitor, talvez. Para as mulheres que trabalham comigo, não! Cinco delas fizeram fila em frente ao computador em que eu assistia ao filme, torcendo para que os dois vaqueiros se imbricassem sexualmente, se agarrassem no meio do mato e dos jacarés, se fodessem com uma paixão que elas próprias desejam para elas mesmas. Mas o clima do filme era romanesco e artificial. E um terceiro peão surge para atrapalhar o idílio. Mas, ainda assim, fica a surpresa: como é que produzem um troço desses no Brasil e somente agora eu ouço falar dele?!

Wesley PC>

PENSE RÁPIDO: TU TE CONTAMINARIAS PROPOSITALMENTE COM ESQUISTOSSOMOSE POR AMOR?

Fiz a enquete acima no trabalho, na tarde de ontem, e, pelo visto, somente eu respondi que sim. O que me conduz a um novo questionamento: é de amor ou de exibicionismo fetichista que estamos a falar aqui? Nos dois casos, somente eu respondi que sim. Pois, afinal de contas, eu fico muito mais preocupado quando ele fica doente do que eu. Vide “Luz de Inverno” (1962, de Ingmar Bergman). Vide!

Wesley PC>

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

“NÃO ENXERGO MAIS O INFERNO QUE ME ATRAIU”...

Passei muito tempo de minha vida protelando a leitura de “A Divina Comédia”, obra imortal do mestre italiano Dante Alighieri. Cria eu que o livro seria intragável, seja na forma seja no seu extenso conteúdo. Não sei nem mesmo o que eu entendia como “intragável”, mas protelei... Na semana passada, no intuito secundário de agradar a sanha literária de outrem, peguei o tal livro na biblioteca e comecei a lê-lo. Sete séculos depois, estava eu a consumir uma das obras mais reverenciadas da Literatura universal e enfrentando duas classes dominantes de problemas: a) o texto em versos do livro talvez só funcione adequadamente em seu idioma original, de maneira que para quem uma velocidade de varredura ocular de páginas tão rápida quanto a minha as rupturas frasais em prol de um ritmo poético não conservado na tradução disponível de que ora disponho; e b) o mesmo problema anterior com outras palavras: talvez este não seja um livro que deva ser lido tão rápido quanto eu estou acostumado a fazer...

Não sei se cabe resumir aqui a trama do livro, tão conhecida de todos, mas o périplo do poeta-autor pelos nove círculos do Inferno chegou ao auge (até então, pelo menos) no terceiro, quando deparamo-nos com o cão Cérbero a mastigar os gulosos aqui reunidos, conforme ilustração de Gustave Doré que ficou célebre no século XIX. Não à toa, foi no terceiro círculo que encontrei uma página riscada, no volume que peguei emprestado na BICEN/UFS (Biblioteca Central da Universidade Federal de Sergipe): “quando a coisa é mais perfeita, mais se sente o bem, e também a dor. Se bem que esta gente maldita nunca atinja a verdadeira perfeição, espera ser menos imperfeita depois do dia de juízo”, disse Virgilio, o guia de Dante. “Glupt!”, fez Wesley, leitor do mesmo.

Nesta semana escolhida para ler o tal livro, alguns pequenos inconvenientes me assolaram: desesperei-me com uma soma monetária que entrou inadvertidamente em minha conta bancária; discuti com minha mãe porque ela queria ver o capítulo tardio de uma telenovela no mesmo horário em que eu queria ver um filme; dormi no final de “Resident Evil 3: A Extinção” (2007), bobagem dirigida pelo australiano Russell Mulcahy; fui destratado por um funcionário provisório do setor em que trabalho, quando tentei adverti-lo de que o mesmo cometeria uma bobagem criminosa; testemunhei os mal-estares corporais de alguém cuja saúde me é muito prezada; e descobri que um dos rapazes que mais teimaram para que eu abandonasse a minha depressão frasal estereotípica havia falecido no último fim-de-semana, horas depois de eu tê-lo desejado boa viagem numa lua-de-mel transcorrida na Bahia. Viver tem dessas coisas, né? E ainda me faltam quase 2/3 de leitura!

Wesley PC>

terça-feira, 14 de setembro de 2010

DE COMO VILANIZAR ALGUÉM PODE SER OPORTUNO... E DE COMO EU NÃO ACEITO MUITO BEM ESTE TIPO DE PROCESSO, MAS TESTEMUNHO-O MESMO ASSIM!

Vi agora o último episódio da segunda temporada de “Dexter” e só confirmei o mal-estar que me acompanhava desde o começo. Se antes, o que mais me fascinava no seriado era a ambigüidade moral do mesmo, o oportunismo vinculado às disfunções morais desta segunda temporada me atormentou. Explico: a bela Jaime Murray interpreta uma artista plástica britânica que fica compulsivamente apaixonada pelo protagonista. Ou obcecada, se o adjetivo parecer eufêmico para descrever alguém que não hesita em matar para chamar a atenção de quem se sente atraída. E, ao se tornar uma assassina, ela se torna também um alvo fácil e mortal para o “assassino de assassinos” que protagoniza a série. Até aí, tudo bem. O que me incomodou sobremaneira, para além das justificativas amorais da série, foi o fato de eu ter me identificado bastante com os excessos passionais da personagem e, como tal, não conseguir torcer para que ela fosse morta, mesmo que o roteiro quisesse me obrigar a sentir isso. “E se fosse eu?”: volta-me o argumento subjetivo. E se fosse eu?!

Curioso é que o termo subjetivo aparece em diversos momentos desta segunda temporada, geralmente associada a uma variação deveras oportunista (pecaminosa mesmo) de sua aplicação terminológica, conforme verificamos no processo incendiário que culmina na inocência forçada (e falsa) de Dexter (maravilhosamente interpretado por Michael C. Hall) ou nos estratagemas sexualmente perniciosos de que a chefona LaGuerta (Lauren Vélez) se serve para retomar seu posto hierárquico. Fiquei incomodado com a transformação da ambigüidade original em dubiedade - ou, quando pouco, em vitimização inconvincente. Mas nada que a melancólica trilha incidental de Daniel Licht não resolva...

Wesley PC>

“NOSSA MAIOR FORTUNA É TER AMIGOS”!

Este é o nome do episódio do seriado televiso “Futurama” que eu revi na manhã de hoje. No episódio em pauta, o protagonista Fry – um terráqueo que é descongelado 1.000 depois que exercia suas funções empregatícias enquanto entregador de pizza – fica chateado quando descobre que os comerciantes da região em que vive implantam comerciais em seus sonhos. Sonha com uma cueca branca que, aparentemente, lhe deixa mais popular e, como tal, acorda desejando adquirir a tal cueca. Durante o ato de compra, percebe que lhe faltam 50 centavos e, quando ele vai resgatar esta quantia num banco, descobre que os 13 centavos de dólar depositados há mais de mil anos lhe renderam US$ 4.000.000.000,00. Com este dinheiro em mãos, ele torna-se um assíduo freqüentador de leiloes de objetos do século XX e comete a besteira de afirmar que “coisas são mais importantes que pessoas”. Nem bem 15 minutos de episódio se passaram e muito já foi dito, conforme sói acontecer nos episódios produzidos sob a égide de Matt Groening, famoso pela tutela autoral de “Os Simpsons”.

Apesar de “Futurama” não gozar do mesmo sucesso que seu predecessor animado, estou a descobrir interessantes complementos críticos/entretenedores/emocionais no episódio em pauta e, como tal, o mínimo que faço é recomendá-lo: para quem dispõe de TV fechada, o referido seriado é exibido de segunda a sexta às 7h da manhã. Vale a pena apreciá-lo enquanto se toma o desjejum...

Wesley PC>

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

UM NOVO INTERESSE PASSIONAL NÃO FAZ ESQUECER UM ANTIGO AMOR...

O cineasta francês Claude Chabrol faleceu ontem, aos 80 anos de idade. Dos 71 filmes por ele dirigidos, vi poucos, mas não poderia deixar passar em branco esta data de luto para o cinema mundial, em que um dos idealizadores e apaixonados membros da ‘nouvelle vague’ partia deste mundo. Queria muito, aliás, dispor de mais memórias acerca de seu estranhíssimo filme recente “Uma Garota Dividida em Dois” (2007), cujo título aparentemente óbvio só é explicado no surpreendente final, que vai muito além dos embates amorosos envolvendo a jovem protagonista, o empresário 30 anos mais velho por quem ela se apaixona inicialmente e o rapazola rico e mimado que atrai sua atenção. Claude Chabrol não se contentava com os truísmos de um triângulo (ou quadrilátero) amoroso. Para ele, o que interessa nas relações sexuais são os jogos de poder aí envolvidos, o que explica a sua sisudez insistente em filmes igualmente estranhos ao nível de “A Comédia do Poder” (2006), protagonizado pela mesma Isabelle Huppert que se destacara no extraordinário e bizarro “Mulheres Diabólicas” (1995) e suas ambigüidades supra-lésbicas. Porém, dentre os poucos e ótimos filmes dele que eu vi, nenhum se compara a “Ciúme – O Inferno do Amor Possessivo” (1994), sobre um homem paranóico que persegue sem piedade sua bela mulher, por quem ele sente tanto ciúme, que ignora lancinantemente a sua defendida fidelidade. Identifiquei-me tanto à época e, agora que me percebo cada vez mais como um homem ciumento, tenho muito medo e vontade concomitantes de rever esta preciosidade. Claude Chabrol não está mais entre nós. Descanse em paz!

Wesley PC>

REVOLUÇÃO ARMADA SOB A ÉGIDE DO “NÃO MATARÁS” É UM OXIMORO INFINITAMENTE MAIS DEFENSÁVEL QUE UM FILME CONTRA A DITADURA PATROCINADO PELA GLOBO FILMES!

22h30’ de domingo. Minha mãe estava a preparar o seu banho diário antes do sono quando eu a convido para ver um filme comigo, sobre padres que lutam contra a ditadura no Brasil de 1968. “Filme sobre padres? Quero ver não! Não acredito mais em padres desde que eu vi...”, disse-me ela, de forma incompleta, citando um filme que não conheço sobre padres perversos contra crianças. Argüi que ela não deveria generalizar e que, sei lá, talvez o filme mostrasse um novo ponto de vista pacífico em prol dos segmentos militantes da Igreja Católica. Nunca li nada do Frei Betto, mas cri que seria assim. Ao final, minha mãe talvez estivesse certa em recusar o filme. Não no que tange à religiosidade problemática dos personagens, mas às suas próprias condições sabotadoras de produção: experimentei com “Batismo de Sangue” (2006, de Helvécio Ratton) uma das aplicações mais atrozes e públicas de nulidade discursiva que vi em tempos. Não é ruim, mas é nulo, uma aula invertida de aplicabilidade antitética!

Quando eu era mais novo e me comportava como um potencial fundamentalista crente, achava absolutamente incompatível ser religioso e ferir alguém fisicamente em defesa de uma causa política. Hoje eu sou obrigado a rever meus conceitos, mas ainda não tenho nenhuma posição estabelecida sobre o assunto. Ainda estou a processar argumentações possíveis e dissonantes em relação às justificativas plausíveis para a desobediência do que entrou para a História como “os 10 Mandamentos da Lei de Deus”, mas entendo que é necessário enfrentar limites discursivos se quisermos sobreviver acreditando em algo. Admito que devo conhecer bem mais sobre o próprio Frei Betto ou sobre a Teologia da Libertação, mas envergonhei-me sobremaneira de ver o que vi neste filme: uma aula invertida de aplicabilidade antitética, a nulidade política em seu extremo mais absurdo!

A primeira cena do filme mostra o Frei Tito (Caio Blat) se enforcando numa árvore francesa. A trama retrocede, conhecemos um pouco (quase nada) sobre a congregação dominicana ativista de que ele participou na juventude, assistimos a algumas demoradas (e convincentes) cenas de tortura, vemos fatos conhecidos da revoltante História recente brasileira serem deturpados pela Globo Filmes e acompanhamos a agonia de um exilado traumatizado pela tortura e que é fã ardoroso de Noel Rosa e congêneres. Tudo muito raso e alinear. Tudo muito confuso e picotado, graças a uma montagem que parece uma combinação indigesta entre comercial de TV e telenovela censurada, mas contando com uma boa trilha sonora do mineiro Marco Antônio Guimarães. Só não saí da sessão mais indignado porque o filme é nulo, mas envergonho-me bastante de ter sido cúmplice nacional de uma produção esvaziadora como esta, num contexto em que 280.000 ‘e-mails’ são enviados diariamente, recomendando que não votemos em uma dada candidata à presidência do Brasil porque esta tem um histórico de “terrorista” em suas costas. Nada a favor da tal candidata, mas rigorosamente contra o tipo de desvio hermenêutico promulgado por este tipo de produção, de construção discursiva anuladora, em que a amostragem de eventos através de um prisma brando é mais contraproducente do que a sua obliteração. Vergonha: eis o que sinto agora depois deste filme. Vergonha: tenho que ler o livro do Frei Betto que deu origem a esta nulidade. Vergonha... mas sou brasileiro!

Wesley PC>

domingo, 12 de setembro de 2010

'ALORS ON DANSE':


Acabo de descobrir, ver e rever o videoclipe de uma música eletrônica contemporânea que tornou-se, de cara, um dos melhores videoclipes que já vi em vida. Não sei se tudo é uma questão de subsunção ao contexto atual (e, nesse sentido, o que enfrento no trabalho alia-se magnificamente a forma e conteúdo do videoclipe em pauta), mas “Alors on Danse”, do belga Stromae, entrou para o rol de minhas canções terapêuticas favoritas. Assistam ao fabuloso videoclipe da canção e digam se tenho ou não razão ao elogiá-lo com tamanho vigor: perfeito, pura e simplesmente – com tudo o que este termo implica...

Wesley PC>

PARA AMAR, É NECESSÁRIO DESOBEDECER A UM MANDAMENTO?

Krzysztof Kieslowski (1941-1996) responde a esta questão falaciosa com dez brilhantes médias-metragens, reunidos na série televisiva “O Decálogo” (1989-1990), que é, acima de tudo, cinematográfica ao extremo. Sempre que estou a vivenciar algum tipo de crise amorosa, faço o possível para rever algum dos filmes desta série e foi o que acabei de fazer: estive novamente diante de “Decálogo 4” (1988), que justifica o tom falacioso da pergunta-título através de um mandamento religiosa básico e generalista: “amai ao próximo como a ti mesmo” – e é isto o que cada um dos personagens de cada um dos dez filmes tenta fazer!

No caso específico do “Decálogo 4”, “Honrai Pai e Mãe”, a protagonista Anka (Adrianna Biedrzynska) é uma atriz aspirante de teatro que percebe que seu pai (Janusz Gajos) nutre desejos eróticos por ela. Ela teme retribuir a estes sentimentos, ao passo em que não lida bem com as paixões que sente por alguns colegas de classe. Um dia, antes que seu pai viaje a trabalho, ela descobre uma carta escrita por sua mãe, morta cinco dias depois de ela nascer. O que estaria escrito naquela carta a ela endereçada, dentro de um envelope onde se lê “a ser aberto somente depois de minha morte”?

Não sei se o filme responde bem a esta questão (esta não é a intenção do mesmo, aliás, por isso, eu só alimento o suspense: vejam o filme!), mas a pungente tensão sexual que se instaura nos preciosos 55 minutos de duração merece aqui a minha mais profunda recomendação, tanto no plano cinematográfico propriamente dito quanto no plano desejoso da interpretação de minhas próprias sensações indefinidas no que tange ao afeto que sinto por outrem. Quase uma obra-prima. Ave, Krzysztof Kieslowski!

Wesley PC>

BANHEIRO DE HOMENS ≠ BANHEIRO DE MULHERES

Eu te amo, eu sou doido por ti, mas tu não queres paz comigo”...

Assim gritava, mais ou menos, um homem sentado à minha frente no ônibus de volta para Aracaju no início da noite de ontem, com alguém ao celular. A ligação durou bem meia-hora e eu ficava a me imaginar numa situação similar. O garoto ao meu lado sorria. E eu pensava: “e se fosse eu?”. Às 20h, eu estava noutro ponto de ônibus, quando recebo uma ligação de minha mãe, perguntando se eu já estava perto de casa. E, por dentro, a sensação incômoda se repetia: e se fosse eu... E se fosse eu?

Estava relutando em descrever com detalhes públicos como havia sido o meu sábado de ontem, tão longe de casa, tão perto de um ideal imperfeito de “casa” que eu próprio vislumbro para mim... Na escola pública depauperada em que eu me encontrava, a sujeira cobria todos os cômodos. A secretaria, por exemplo, onde um assistente da diretora pediu que eu me sentasse, estava uma bagunça. A escola estava em reforma, aliás. O banheiro das mulheres estava fechado e, no banheiro dos homens, havia uma gravura que muito parecia com o cantor pseudo-sertanejo Leonardo. E eu mijei lá... E não tinha cano para puxar a descarga. Nem pia para lavar as mãos!

Em dado momento do sábado, um rapaz que almoçava comigo disse que não gostava quando outras pessoas usavam o termo “bicha”: “o pessoal fala isso como se fosse uma raça à parte. Acho mais sensato quando tu dizes ‘afetado’”! Expliquei que ‘bicha’ é realmente um termo pejorativo e que eu o utilizava com esta intenção reclamante. De súbito, “um homossexual que se faz de desentendido” entra na sala em que estávamos, forçando-nos a mudar de assunto. Comíamos, no instante em pauta. Foi bom.

Wesley PC>

O PODER DE UM ‘TRAILER’! – 3: SOBRE UM CONCEITO DE FANATISMO DO QUAL EU NÃO ME ESQUIVO...

Eu juro: até as 11h da manhã deste sábado, eu não me lembro de ter ouvido sequer uma canção do infeliz adolescente que atende pelo nome de Justin Bieber. Precisei viajar até Neópolis para ser alvo desta barbaridade sonora, logo acompanhada de um comentário proto-elogioso sobre este astro juvenil, proferido por um homossexual absurdamente inassumido que encontrei por lá. Fiquei chocado com o poder absurdo da cultura de massa, enquanto um interlocutor de quem sou fã disse-me que detesta o conceito de fã, que não suporta quando vê alguém se derretendo por alguém na TV, algo que eu faria perfeitamente por ele, chegando ao auge de grudar minhas unhas no ônibus em que ele estava, a fim de demonstrar o quanto sua partida me fere... e, ao chegar em casa, descubro que, enquanto aperitivo para o disco “Swanlights” (2010), a ser lançado no vindouro dia 5 de outubro, os extraordinários integrantes da banda canadense Antony and the Johnsons, dos quais sou fã ardoroso, disponibilizaram o EP “Thank You For Your Love” (2010), o qual estou a ouvir agora... Somente 5 canções, distribuídas em 18 minutos. A primeira canção parece feliz. A segunda parece demasiado curta. A terceira tem um fundo religioso. A quarta é uma regravação entristecida de um clássico de Bob Dylan. E a quinta é “Imagine”, do John Lennon, bastante sofrida na devastadora voz de Antony Hegarty. Mal controlo a minha ansiedade: vem aí mais uma obra-prima musical! E, Deus meu, que capa!

Wesley PC>