sábado, 16 de outubro de 2010

TALVEZ EU SEJA APENAS INGÊNUO...

“Nanook, o Esquimó” (1922) e “Tabu” (1931, co-dirigido por F. W. Murnau) são alguns dos melhores filmes que vi em vida. Transitando livremente entre os terrenos do documentário e da reconstituição ficcional, ambas as obras de Robert Flaherty (1884-1951) autorizavam-me a achar “A História de Louisiana” (1948) um filme ótimo antes mesmo de vê-lo. A simpatia do garotinho protagonista, a beleza sombria dos pântanos locais, os jacarés imponentes que desfilam pelos cenários, a amizade pitoresca entre o ‘cajun’ e o guaxinim, toda aquela comunhão entre seres humanos e pujança natural parecia a mistura perfeita de ingredientes para me seduzir... Aí aparece uma companhia petrolífera que faz um acordo comercial com o pai do menino do filme. E começa a perfurar o terreno de forma aparente harmônica, que se torna ainda mais benevolente quando o menino passa a interagir com os petroleiros, que se divertem com sua forma mística de enfrentar os fenômenos do mundo. Aí eu descubro que o filme foi patrocinado por uma companhia de petróleo. Aí eu entendo por que tudo me pareceu tão ingênuo. Aí eu digo para mim mesmo que não preciso ter raiva do filme por causa disso e que aquele deslumbramento que o garotinho demonstra diante das máquinas perfuradoras é completamente verossímil. Aí e fico rememorando as imagens do filme em minha cabeça e exclamo: “é lindo!”. Aí eu acrescento: “... e ingênuo”. Aí eu concluo: é cinema de primeira qualidade!

Wesley PC>

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

MINHA VIDA É UMA NOTÍCIA DE JORNAL – E A DOS QUE ESTÃO AO MEU REDOR TAMBÉM!

Um dos exemplos canônicos do Jornalismo sobre noticiabilidade consiste em identificar algo como extraordinário ou inusual: não é notícia um cachorro mordendo um homem, mas é notícia um homem mordendo um cachorro! Pois bem, descobri na manhã de hoje que minha irmã de 45 anos quase foi presa ontem à noite por ter mordido um garoto de 9 anos, em Pontal da Barra – Alagoas. O motivo: uma pendenga coletiva envolvendo dívidas familiares. Ela foi notícia de algum jornal? Ainda não, mas, quem sabe?

No mesmo dia em que descubro esta barbaridade envolvendo os dentes caninos de minha irmã, descubro que, na manhã do dia 10 de outubro de 2009, o locutor de rádio Jackson Miranda foi encontrado assassinado em sua casa, na cidade de Heliópolis – BA, conforme anunciado numa coluna de notícias sobre Paripiranga, também, na Bahia. O mundo é assim!

Aí me chega um menino engravatado, teimando comigo no trabalho, insistindo que recebera uma mensagem eletrônica solicitando alguns documentos pessoais. Disse-lhe que não enviamos, em nenhuma circunstância, ‘e-mails’ solicitando quaisquer tipos de documentos. Ele não acreditou em mim e minha chefa precisou intervir, dando origem a uma pequena e barulhenta discussão. Isso é notícia? Poderia ser, levando-se em consideração o que eu estou a pensar enquanto escrevo estas linhas, mas, como canta o Chico Buarque numa composição célebre alheia, “a dor da gente não sai no jornal”...

Wesley PC>

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

SABE QUANDO A GENTE OUVE UM MESMO ÁLBUM, TRÊS VEZES SEGUIDAS, NUMA NOITE?

Pois então, fiz isto com “A Short Álbum About Love” (1997 – página 810 do guia “1001 Discos para Ouvir Antes de Morrer”), da banda norte-irlandesa The Divine Comedy há pouco... Continuo-o fazendo, aliás. A voz e as composições do líder Neil Hannon me pareceram tão favoráveis ao estado de espírito que paira no ar, tão condizentes com estas interrogações que prenunciam a depressão típica do mês de dezembro, este ano possivelmente acentuada por uma perda hipertrofiada por não ter sido nunca entendida como ganho. O que eu possivelmente estarei a lamentar no dia 17 de dezembro? Respondo com as palavras do protagonista célebre e antecipadamente identificado do romance mais egrégio de britânico John Fowles: “Eu quisera aquilo que o dinheiro não pode comprar. Se eu fosse de fato perverso e sádico, não teria feito aquilo. Teria encontrado uma mulher com quem pudesse fazer tudo o que me apetecesse. A felicidade não se compra. (...) Nunca se sabe o que vai acontecer na vida... É sempre A versus B, C versus D, e ninguém sabe como são, na realidade, A, B, C ou D... (...) Penso que somos apenas insetos. Vivemos um pouco, morremos, e nada mais!”. E, no rádio, o vocalista canta: “I need to be someone’s somebody”. E eu não conseguirei dormir com todas estas interrogações em minha mente!

Wesley PC>

AS INVOCAÇÕES EVOCATIVAS...

O melhor de ir para casa andando é que, além de um excelente exercício diuturno, esta meia-hora me proporciona bons momentos ouvindo música. Na noite de hoje, porém, uma voz alta interrompeu minha interação com o que está sendo executado em meus fones de ouvido. Uma voz gritou, bem alto, quando eu saía do bairro Rosa Elze: “XALALÁ!”. Era meu apelido de infância. Deparara-me com alguém que estudou comigo na sexta série, em 1993, e ainda se lembrava carinhosamente de mim...!

Engraçado é que eu não gostava muito deste apelido à época. Ele fora-me atribuído por causa da similaridade de minha voz fina infantil à voz infantil e anasalada do personagem Shyler, do seriado animado “Dink, o Pequeno Dinossauro”, exibido diariamente na TV Globo no ano em pauta e do qual, até hoje, não vi sequer um só episódio! Chamavam-me de Xalalá porque minha voz era fina. Chamavam-me de bicha e de viado desde que eu me entendo por gente por causa disso. E isso já me fez chorar muito. Hoje, o apelido é um sinal de carinho... E eu confesso que até fiquei um tantinho orgulhoso quando vi que alguém ainda me chama assim...

Hoje, minha voz ainda é fina e afetada, mas, agora, tais problemas têm mais a ver com minha velocidade de enunciação e com meus chistes freqüentes, e não mais com um defeito genético julgamento como chaga social. Hoje eu enfrento bem as intimidações verbais coletivas, penso eu. Senti-me um pouquinho mais forte ao perceber isto. Tanto que me deu muita, muita vontade de ver nem que seja um tantinho deste seriado animado... Onde será que eu o encontro?

Wesley PC>

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

DE NOVO, AS ROSAS!

Ainda estou nas páginas iniciais do doloroso “Mrs. Dalloway” (1925), de Virginia Woolf, mas ler a seguinte passagem depois de ter visto o arrebatador “Sukiyaki Western Django” (2007, de Takashi Miike) é algo que dá medo, medo:

“Rosas, ela pensou sardonicamente. Tudo lixo, meu querido! Na verdade, quando se há de comer, beber e se acasalar, nos bons e nos maus dias, a vida não é uma mera questão de rosas. (...) Piedade, pela perda das rosas. Piedade”…

Não sei com esta passagem foi traduzida no Brasil, visto que estou lendo o romance em sua difícil língua original, mas creio que a passagem queria dizer algo semelhante ao que está contido em minha tradução livre. É como se todos os personagens desejassem morrer... É vida. Por isso, o medo!

Wesley PC>

terça-feira, 12 de outubro de 2010

DIA DAS CRIANÇAS ENTRE UM FILME INFANTIL ALEMÃO, O ATROPELAMENTO DE UM AMIGO E GERALDO AZEVEDO ME TRAZENDO BOAS LEMBRANÇAS...

E assim, tudo se soma: às 13h40’, eu e minha mãe pomo-nos diante da TV, para vermos juntos “O Ladrão Hotzenplotz” (2005), filme infantil do pouco expressivo Gernot Roll, com base num livro de Otfried Preußler, do qual eu e ela nunca tínhamos ouvido falar. Porém, o nome do ladrão era tão sonoro (a canção singela que é executada durante os créditos finais do filme prova bem isto) que não hesitamos em nos divertir durante aquela sessão, em especial, diante da bela seqüência inicial, em que o ladrão do título rouba o moedor musical de café de uma doce vovozinha e ouve de um feiticeiro o seguinte adágio: "ser ladrão é uma profissão de futuro: tu nunca ficas desempregado". De repente, o telefone toca: “Wesley, tu soubeste? Rafael foi atropelado”. Preocupação imediata! “Mas ele está bem, já está em casa, mas tem que correr atrás de uma cirurgia”. A segunda frase foi repetida duas vezes. Não entendi o significava a expressão “correr atrás de uma cirurgia”. Perguntei à minha amada interlocutora e ela me explicou do que se tratava. E o filme adiantando, ficando chato. Valeu pelas boas intenções, lógico, mas poderia ser bem melhor. Ao final, impaciente, ouvi duas vezes seguidas o disco “De Outra Maneira” (1986), de Geraldo Azevedo, que já fora responsável pela trilha sonora de uma magnífica noite em Gomorra. Por isso, evoco “O Princípio do Prazer”:

“Juntos vamos esquecer tudo o que doeu em nós
Nada vale tanto pra rever o tempo que ficamos sós
Faz a tua luz brilha pra iluminar a nossa paz
O meu coração me diz: fundamental é ser feliz
!

Do jeitinho que está escrito!

Wesley PC>

“DO THINGS, CHANGE THINGS”: EU SINTO QUE AINDA VOU FALAR MUITO SOBRE ISSO...

Na manhã de hoje, peguei mecanicamente um disco metálico envolto numa embalagem laranja e o pus em meu aparelho reprodutor de DVDs. Tratava-se de uma coletânea com clássicos menores hollywoodianos, sobre os quais pouco ou nada conhecia, mas que foram salvos por que estavam sem legendas e eram dirigidos por diretores consagrados (mas que ainda estavam em início de carreira), o que me ajudaria a treinar minha recepção anglofílica e investigar traços primevos de estilo em obras de arte injustamente subestimadas, respectivamente. Era o suficiente para um bom começo de feriado.

Dentre os 6 filmes disponíveis no referido DVD, optei por “Duas Vidas” (1939), tradução nacional para “Love Affair”, de Leo McCarey. Nada conhecia sobre o enredo, mas não bastaram sequer 10 minutos para que eu constatasse que aquele encontro romântico fugidio num cruzeiro tratava-se do mesmo foco de enredo que seria regravado 18 anos depois pelo próprio Leo McCarey em “Tarde Demais Para Esquecer” (1957) e homenageado de forma simultaneamente insípida e simpática pela quase frígida Nora Ephron em “Sintonia de Amor” (1993): uma mulher conhece um homem, apaixona-se, não pode assumir esta paixão no exato momento e, como tal, marcam um reencontro meses depois, que não talvez não seja efetivado por um fatídico acidente, até que...

Não dá para falar muito, é lindo! Porém, o que mais ficou martelando meus sentidos após o filme (para além do fedor de pus que exala de minhas fossas nasais em razão da sinusite avançada) foi o que leva alguém a querer regravar uma obra quase perfeita como esta: para quê? Para estragar o que já é suficientemente belo? Para triplicar os beijos e diálogos interditos e manter, assim, em perene fixação quem sofre por amor? Para vender tristeza e esperança num mesmo pacote evasivo hollywoodiano? Seja qual for a resposta, e assumindo aqui que gosto muito das duas versões posteriores, recomendo mais do que nunca o original: “Duas Vidas” é um filme que precisa ser conhecido, sentido e revivido!

Wesley PC>

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

GLEE – 2ª TEMPORADA (BREVES NOTAS SOBRE UM PRODUTO CULTURAL DE MASSA):

Não há motivo para pânico: creio que não voltarei a ser um “Glee-maníaco” como outrora. Tanto é que relutei em fazer aqui qualquer tipo de comentário sobre os episódios desta segunda temporada, mas o que eu senti durante o episódio 3 (“Grilled Cheesus”), em contraste com as altíssimas estatísticas de audiência, diametralmente opostas à qualidade dos novos episódios, merece ao menos algumas notas:

1 – “Grilled Cheesus” (algo como “Queijus Grelhado”) aborda as variações religiosas dos personagens. O boboca Finn (Cory Monteith), entrevistado em foto, deixa queimar uma torrada acima do ponto e crê que há a efígie de Jesus Cristo estampada em sua comida, o que leva-o a utilizar de forma oportunista as benesses da oração, ao mesmo tempo em que seu novo meio-irmão, ‘gay’, ateu e apaixonado por ele, enfrenta um baque pessoal quando rejeita as sinceras e variegadas demonstrações de fé demonstradas por seus amigos quando seu pai sofre um ataque cardíaco. Tinha como isso dar certo? Por incrível que pareça, deu!

2 – Não lembro quando foi a última vez que vi um seriado adolescente em franca decadência intelectual como este sobre o qual agora escrevo abordar com tamanha percuciência entretenedora um tema religioso. E, como o seriado é predominantemente musical, sobra espaço para canções judaicas, ‘black gospels’, eminentemente católicas, a cafona “One of Us” (da Joan Osbourne) e, para minha surpresa, “Losing my Religion”, do R.E.M.. E como música + religião + pós-adolescentes abobalhados e bonitos = emoção capitalizada, fui fisgado.

3 – Poupo-me de relacionar mais detalhes sobre o episódio citado por mera precaução intelectiva, mas, de coração, se a Indústria Cultural obtém este tipo de êxito e expectativa sobre mim, é porque eles sabem bem quais carências foram propositalmente estimuladas desde que eu me entendo como espectador. Eles arregaçam o buraco em minh’alma de devorador simbólico e preenchem o vazio com mais soluções evasivas, mais ou menos como as deturpações ideológicas de algumas religiões costumam fazer. Ponto grande para o seriado!

Wesley PC>

ZYGMUNT BAUMAN VERSUS MINHA SINUSITE!

“O progresso (...) não é a perseguição de pássaros no céu, mas uma urgência frenética de voar para longe dos cadáveres espalhados pelos campos de batalha do passado” (Walter Benjamin ‘apud’ BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. página 23)

Ou, dizendo de outra forma, sou um passivo-agressivo cuja vitimização fere outrem e, como vingança (?), sou ferido agora. E, para além de sentir muita dor no ouvido, na testa, na mandíbula e em todos os órgãos e pedaços de corpo humano que estejam relacionados à metade direita de minha face. Dói muito! Mas meu maior medo é de ser atingido pela anosmia... E não só!

Wesley PC>

domingo, 10 de outubro de 2010

OU... OU

Não vou fazer menção ao título de inspiração kierkegaardiana e nem vou mentir dizendo que tive tempo para ouvir o álbum na íntegra. Porém, até onde eu cheguei, “Either/Or” (1997) é um disco forte, um disco que toca fundo quem se sentiu pelo seguinte trecho, constante do capítulo final de um livro de Machado de Assis: “o mais doloroso de tudo é que nem a cerca, nem os demais acessórios, nada lhe lembrou o outro homem que morria por ela. A felicidade é isto mesmo; raro lhe sobra memória para as dores alheias”. Glupt! Era para ser um final feliz, a comunhão aguardada de um romance ideal, em que um e outro pretendente amavam-se deveras. Mas a realidade segue outros caminhos: por isso, o autor veio a ser mais famoso por seu Realismo que por seu Romantismo, ainda que, em termos práticos, ambos se mesclem de forma singular. Glupt. Meu coração veio à boca nas diversas oportunidades em que fui interpelado pelo mais que onisciente narrador.

Voltando ao Elliott Smith, autor e compositor do disco ora resenhado, acho que foi a doce e erudita jornalista Tatiana Hora quem me falou dele. Conhecia o compositor por causa da composição de “Miss Misery”, tema do filme “Gênio Indomável” (1997, de Gus Van Sant), lembrei depois, mas nada se compara ao bem-estar advindo das 12 canções deste álbum, todas gravadas como se o cantor tivesse duas vozes simultâneas, uma delas comentando seus lamentos ao mesmo tempo em que estes eram proferidos na cadência bela dos acordes que os acompanham. Tal qual acontece no romance. E, não por coincidência, comecei a ouvir o disco pela mais pungente das canções e não pela inicial: “Cupid’s Trick”, a faixa 10, é aquela que elogio aqui, enquanto me recupero da dramática reação ao belo romance machadiano:

“Cupid's trick comes
Down to shake and deal
The stupid kick that makes me real
Should've lied”


Recuperar-me? Não ouso, sou tão tíbio quanto o pretendente arrasado pela felicidade de sua amada ao lado de outrem: “em vez de mergulhar na água e no nada, como delineara, regressou tristemente para casa, trôpego como um ébrio, deixando ali a sua mocidade toda, porque a que levara era uma coisa descolorida e seca, estéril e morta”. Ai!

Wesley PC>

“NÃO DEVEMOS PENSAR NO SENTIDO DA VIDA O TEMPO INTEIRO, SENÃO ENLOUQUECEREMOS”!

Depois de ser submetido em seguida a Thomas Mann, Virginia Woolf, Theodor W. Adorno e Michael Haneke, um jovem erudito e aceitamente pernóstico que trabalha comigo disse que leria um canônico romance sobre vampiros escrito por Anne Rice em 1976 com o intuito de “equilibrar um pouco a mente, dar um tempo para os livros-cabeça”. A edição que ele possui do referido livro, porém, foi traduzida por ninguém menos que Clarice Lispector, o que já indica que ele não será de todo bem-sucedido em seu intento fugidio. Mas demos tempo ao tempo...

O referido rapaz é trazido à tona no intróito deste texto porque calha de ele ser fã do cínico diretor alemão e posteriormente naturalizado norte-americano Mike Nichols. Como gosto de compartilhar tensos momentos dialogísticos com ele, esforço-me para acompanhar suas referências, de maneira que quando vi “Uma Lição de Vida” (2001), obra menos conhecida do diretor, ser exibida na TV não titubeei: consumi cada segundo deste filme como se estivesse diante de um tratado filosófico-midiático sobre o tipo de angústia receptiva que incomoda hodiernamente o meu colega de trabalho. A frase que intitula esta postagem explicita bem o que quero dizer e ela voltará no contexto específico, devidamente retirada do belo filme a que tive acesso...

“Uma Lição de Vida” é uma péssima tradução para “Wit”, título original que quer dizer “entendimento, inteligência”. O roteiro, escrito pelo próprio diretor e pela protagonista Emma Thompson, com base numa peça ‘off -Broadway’, é centrado numa professora universitária extremamente erudita que se vê refém de um degenerativo tratamento quimioterápico contra o câncer de ovários que a acomete. Especializada (ou melhor, PhD) em agonia perante a morte com base nos sonetos do poeta metafísico John Donne (1572-1631), ela se sente ignorante quando tratada como um simples objeto de pesquisa num hospital. E, a partir daí, o diretor-roteirista constrói seqüências geniais, que põem em pauta assuntos que eu e o referido colega volta e meia nos vemos debatendo:

Seqüência 1: a narradora do filme conversa diretamente conosco, explicando a que tipo de humilhação objetal é diuturnamente submetida por causa de sua doença, grita “ação!” e vários médicos surgem, enumerando os trocentos sintomas e efeitos colaterais de seu tratamento como se ela estivesse ausente ou inconsciente. Quem quiser que me diga que é diferente;

Seqüência 2: a orientadora monográfica da professora cancerosa visita-a no hospital e encontra-a gemendo de dor. Pungida pela compaixão, ela fica descalça, sobe no leito de sua orientanda e lê uma estória infantil que comprara para seu bisneto. Acostumada a análises “mais militares do que poéticas” do que lê, a orientadora da PhD detalha minuciosamente todos os detalhes da publicação editorial do livro em suas mãos, até finalmente deter-se na trama propriamente dita, sobre um coelhinho que quer fugir de casa, mas que é advertido pela mãe do mesmo de que ela o perseguirá onde quer que ele esteja. Quando desiste de fugir e resolve ficar em casa, a mãe apenas diz; “coma, então, uma cenoura, meu filho!”. Depois de ter tachado esta simples estória infantil de “percuciente metáfora para a alma” ou algo a respeito de Deus, a orientadora mais velha apenas exclama, lacrimejante: “maravilhoso!”;

Seqüência 3 (compêndio de duas seqüências, aliás): a protagonista e um enfermeira conversam sobre suas experiências pessoais e memórias de infância enquanto chupam um picolé, quando a primeira percebe que sempre fora muito indócil quando lecionava, ao passo que a segunda demonstra possuir um conhecimento prático da vida, não entendo para que serve a exegese poética árdua, por exemplo. Emocionadas com a gravidade do estágio avançado da doença da primeira, a segunda convence-a a repudiar procedimentos de ressuscitamento caso seu coração deixe de funcionar. Numa seqüência seguinte, a enfermeira impede que o médico a mantenha viva e dependente de aparelhos com o mero fim de estudar seus progressos exorbitantes no que tange às reações aos medicamentos insidiosos. Conversam sobre de que serve entender tanto de poesia num contexto destes. A conclusão de ambos vem através da frase que intitula esta postagem.

Poderia aqui descrever muitas outras situações desta produção televisiva mui fluente, mas provaria assim futuros espectadores de entrarem em contato com este belo exercício reflexivo do genial diretor-roteirista Mike Nichols sobre o que é inteligência ou para que serve este bendito conceito. Poderia falar sobre as lembranças de infância da professora, sobre a confusão interrogativa que se estabelece quando ela confunde uma pergunta sobre quem é o doutor que a está acompanhando no hospital com a sua titulação universitária ou sobre os arrependimentos que ela quase demonstra no que tange ao abandono de uma vida social mais trivial em prol de sua imersão literária, mas não o farei. Direi apenas que sinto uma fortíssima dor na mandíbula direita por causa de minha sinusite crônica e, como tal, ingeri um comprimido de cefalexina, coisa que evito ardorosamente, mas não suporto a dor. Dói muito. Fez-me bem ver este surpreendente filme menor de um grande contestador hollywoodiano!

Wesley PC>

EMULANDO HERMANN NITSCH...

Para começo de conversa, ele ainda está vivo: Hermann Nitsch, nascido na Áustria em 1938, ainda está vivo, mas ainda incompreendido pelos exegetas que se escandalizam diante de sua expressão artística regada a muito sangue e desespero metafórico e literal, não obstante ele ter sido convidado para desenhar os cenários de uma ópera conceituada em 1995. Tornado famoso (e admirado por mim) quando filiou-se a Otto Mühl, Rudolf Schwarzkogler, Günter Brus e Kurt Kren no movimento conhecido como Actionistas de Viena na década de 1960, este artista não raro sacrificava animais em prol de suas orgias eróticas travestidas de Arte. Era arte aquilo mesmo? Alguns meus diziam que NÃO. Eu reagia de forma descontrolada a aquilo, mas hoje o grupo está diluído: Alguns faleceram (um deles, ao castrar o próprio pênis, num ato público), outros isolaram-se numa comuna vegana européia, visando à expiação política e moral pelos sacrifícios morais que perpetraram no passado, quando sentiam o afã por expressarem o mal-estar orgânico que os tomava ao residirem nas circunvizinhanças dos campos de concentração nazistas. Mais ou menos isso...

Esta introdução é uma forma de agradecer a quem quer que tenha me apresentado a um rapaz de nome João Paulo na madrugada de ontem, um rapaz tendente ao entorpecimento etílico e conhecido pelo uso conceituado de cachimbos que – epifania! – não somente era um apreciador contumaz das obras de Hermann Nitsch (e de seus supostos herdeiros artísticos, os quais ainda não conheço, mas que ele prontamente se ofereceu para me mostrar) como salvou prontamente um luau segregacionista do fracasso ao atirar-se como bola de boliche contra dois homossexuais adolescentes que se chutavam com violência afetada no raiar da aurora. Todos que estiveram presentes à situação hão de concordar comigo: foi lindo!

Wesley PC>