sábado, 18 de dezembro de 2010

“ALGUÉM NÃO PODE SER TÃO BONITO ASSIM, ISSO NÃO DEVE FAZER BEM A NINGUÉM” [“REINE SOBRE MIM” (2007, DE MIKE BINDER)]

Nunca desconfiei que o Adam Sandler tivesse um potencial dramático. Paul Thomas Anderson e Frank Coraci já demonstraram isso muito bem, mas eu precisava ver este tal de “Reine Sobre Mim” (2007, de Mike Binder) para confirmar. Não sei se para minha sorte ou azar, vendo o filme em si, o talento de Adam Sandler terminou sendo um interesse secundário: seu papel é tão formatado para ser dramática e traumaticamente intenso que quase qualquer um obteria o mesmo sucesso ao vivificá-lo ou ao pronunciar o aforismo acima, referindo-se à psiquiatra interpretada por Liv Tyler. Linda!

Quando esta frase foi pronunciada, por outro lado, pensei noutra pessoa. Numa pessoa que, de sua forma não-consentida e involuntária, reina sobre mim e com a qual já tivemos uma conversa semelhante acerca dos perigos da beleza: “é quase irrelevante que tu sejas tão bonito. Isso eu poderia encontrar em quase qualquer outro. Mas tu tens algo que somente tu tens. E esse algo é o que me faz ser teu súdito!”, disse eu, há algumas semanas. E foi por causa deste guri que, hoje especificamente, eu vi este filme e me identifiquei – mais do que o previsto pelos produtores do filme – com alguns aspectos secundários do roteiro.

Na trama, um dentista oprimido pela esposa hiper-protetora é assediado por uma paciente amargurada, que deseja lhe conceder sexo oral a fim de aplacar um pouco da dor que sente, por se sentir sozinha depois que se divorciara de um marido infiel. Na rua, ele encontra um antigo colega de faculdade, que sofrera um forte estresse pós-traumático depois que sua família inteira (esposa, três filhas e o cachorro) morreu durante um dos atentados terroristas nova-iorquinos de 11 de setembro de 2001. Triste como jamais cria que ficaria, ele retrocede mentalmente [julgamento dos personagens do filme] e age como se não se lembrasse de nada, divertindo-se do jeito que pode, dedicando-se a jogos eletrônicos e a uma coleção de discos de vinil com mais de 5.500 títulos. Ele ama música, ‘rock’ clássico, o que justifica o belo título do filme, retirado de uma canção de The Who. Mais sobre o filme, só vendo-o. Por mais simples e direto que ele pareça em seus intentos terapêuticos, é um filme bom. Eu recomendo, para além do trocadilho titular com o nome do moço bonito em que eu pensei quando imaginei Liv Tyler como um homem de 24 anos (risos). Ele, definitivamente, reina sobre mim!

À medida que o filme se aproxima do final, alguns atropelos tribunalescos típicos da democracia norte-americana ameaçam prejudicar a dramaticidade nata, mas não conseguem. Neste momento, eu concentrei-me na música. E, como tal, pensei em “Karma Chameleon”, do Culture Club, que é o meu tema do dia. Ouço-a repetidamente no dia de hoje, conforme confessei aqui. E, por alguns segundos, eu torno públicos uma página de minha agenda pessoal e um questionamento: será que eu preciso de um psiquiatra?

Wesley PC>

COMO É QUE BLAKE EDWARDS VAI EMBORA DESTE MUNDO E EU NÃO ESCREVO NEM UMA PALAVRINHA DE DESPEDIDA SOBRE ELE?!

Na verdade, já o tinha feito várias vezes (vide aqui e aqui, por exemplo), visto que grandes homens devem ser lembrados em vida e não apenas porque morrem, mas confesso que, no dia 15 de dezembro de 2010, quando o veterano cineasta sucumbe a complicações pneumônicas, aos 88 anos de idade, senti-me na obrigação de renovar o meu afeto espectatorial por ele, tão incompreendido em suas comédias repletas de observações cáusticas sobre a circunvizinha e totalizante sociedade de consumo [infeliz de quem pensa que “A Pantera Cor-de-Rosa” (1963) ou “Um Convidado Bem Trapalhão” (1968) são comédias rasteiras], em seus dramas mordazes sobre as complicações românticas de boas pessoas tidas como párias ou marginais [que o diga quem se chocou diante de “Bonequinha de Luxo” (1961) ou “Minhas Duas Mulheres” (1984)], e em seus petardos autobiográficos sobre as perseguições atrozes que os viciados em Hollywood lhe impingiam [sendo “S.O.B. – Nos Bastidores de Hollywood” (1981), “Vítor ou Vitória?” (1982) e “Assim é a Vida” (1986) alguns de seus exemplos insuspeitos e mais geniais, todos protagonizados por sua amada diva, Julie Andrews]. Blake Edwards era um gênio em vida, sempre foi! E, agora que está morto fisicamente, merece ser lembrado por um de seus filmes mais proféticos, que hoje é particularmente efetivo sobre mim: “Mulher Nota 10” (1979).

Considerado um dos mais belos exemplares discursivos cinematográficos sobre as agonias da andropausa, “Mulher Nota 10” narra o tédio barulhento de um pianista mulherengo que, mesmo tendo um relacionamento estável com sua namorada Samantha (de novo ela, Julie Andrews, esposa do diretor), atribui notas de 0 a 10 a toda mulher que passa por sua frente. A única que merece a nota máxima, porém, acabara de se casar e ele a persegue na lua-de-mel, numa ilha caribenha paradisíaca. Lá, o pianista tem acesso à “solidão dentro da multidão” que caracteriza quem decide manter-se fiel a princípios no interior de uma indústria (a fotografia escolhida para esta postagem é mais do que sintomática, neste sentido), mas não desiste de encontrar a única mulher que, até então, recebeu a nota 10 em sua contagem. A surpresa: mesmo sendo recém-casada, a tal mulher (vivida por Bo Derek, uma das mais notórias amantes virtuais do diretor) é promíscua, liberal, e resolve convidá-lo para uma orgia à base de maconha, vinho e demais estimulantes alucinógenos. E, diante desta oferta irrecusável, ele sente que está velho demais. Onde ele encontrará o verdadeiro amor?

Sem julgar qualquer um dos personagens, Blake Edwards realiza um libelo moral e existencial de primeiríssimo quilate neste filme, que, mesmo sendo conduzido pela melodia convidativa do “Bolero” de Maurice Ravel, é um filme difícil, que deve ser lido nas entrelinhas. Digo mais: é um filme que explica muito sobre mim mesmo, é um filme que diagnostica o porquê de eu venerar com tamanha determinação pessoas que insistam em se demonstrar como imperfeitas ou prosaicas diante de mim. Estas são as pessoas que realmente merecem ser amadas. Esperar demais é cair do cavalo e engessar o cérebro, como demonstra maravilhosamente o personagem surpreendentemente simpático de Dudley Moore neste filme. Blake Edwards falava diretamente comigo. Descanse em paz, gênio safado e consciencioso. Quando eu crescer, quero ser que nem tu!

Wesley PC>

O PIOR FILME BÓSNIO QUE VI ATÉ ENTÃO:

“Em Segredo” (2006, de Jasmila Zbanic) é um filme vergonhoso. Protagonizado por uma menina mimada que pressiona sua mãe abobalhada a apresentar um documento comprovando que seu pai fora um mártir de guerra, este filme revela-se como um desagradável engodo apolítico disfarçado de “filme reivindicativo de arte”. Admito que o filme tenha um ou dois ótimos momentos, mas resumir o drama central ao périplo de uma dona-de-casa solteira que faz de tudo para conseguir duzentos Euros e pagar uma viagem escolar para sua filha adolescente e rebelde é exigir demais de minha tolerância subjetivista. Numa dada cena, por exemplo, a garota puxa uma arma contra a mãe, exigindo que esta última conte como foi o seu processo de fecundação, confissão dramática esta que não surtiu o efeito desejado porque eu já estava demasiado irritado com o tom autocondescendente do roteiro, que, definitivamente, me deu nos nervos. Juro, fiquei com vergonha de ter indicado este filme a um rapaz que trabalhava comigo até pouco tempo...

Fiquei muito empolgado quando soube que um filme bósnio seria exibido na TV aberta, visto que nutro uma verdadeira empolgação pela cultura das repúblicas desmembradas da antiga Iugoslávia (a trilha sonora sutil do filme, por exemplo, é muito boa), mas as parcas interpretações das atrizes, desperdiçadas em papéis mal-compostos, e o desperdício reivindicativo que emana de um roteiro completamente subsumido à tecnocracia elogiosa do capitalismo tardio irritaram-me deveras. Senti vergonha de ter indicado este filme a alguém. Não que seja de todo ruim (leva uma nota aproximada 4,0), mas filmes em que depositamos muitas expectativas soam bem piores do que filmes previsivelmente ruins que sabemos ruins mesmo antes de assisti-los. Mais uma vez, o problema é de perspectiva. Tenho que tomar cuidado com minhas empolgações, definitivamente. Se serve de consolo, caso eu me depare com o filme sendo exibido novamente, garanto que reassisto-o. Vai que o problema esteja comigo...

Wesley PC>

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O TRABALHO DIGNIFICANDO O HOMEM...

Hoje fui visitado por duas grandes amigas lascivas no local em que trabalho. Conversamos sobre absorventes femininos, fotografamo-nos, comparamos óleo de dendê com anzóis e sorrimos em voz alta. Eram quase 17h e eu estava trabalhando há quase 6. Mas não era de cansaço que eu reclamava. Divirto-me bastante em meu local de trabalho, salvo incidentes dolosos, como o que descrevi ontem. Era tristeza que eu sentia, uma tristeza que, afinal de contas, era egoísta, como costumam ser as tristezas. E, enquanto eu trabalhava, o motivo imaginário de minha tristeza arranjava trabalho também. Tristeza é um troço egoísta!

No local em que trabalho, costumo ser tanto xingado quanto elogiado. Anteontem pediram para falar comigo, ao telefone: “gostaria de falar com aquele menino divertido, quase careca, com o cabelo comprido”... Ontem, eu fui denunciado à Ouvidoria como “meio ‘punk’”. No meio de uma breve discussão com minha mãe, na manhã de hoje, eu disse que estava atrasado para “a desgraça do trabalho”. “Não fale assim, filho!”, pediu-me ela. E eu prontamente me retratei. Estamos em dezembro. É o medo da depressão natalina.

E, por ser um dos poucos setores da Universidade que funcionam a contento em vésperas festivas, terei que apegar-me sobremaneira ao trabalho nos dias que se seguem. Estou triste, mesmo sabendo que é um sentimento egoísta. É egoísta, mas não consigo controlar. Deve passar, se eu me mantiver ocupado. Estou ocupado, portanto. Mas hoje eu ganhei um livro aqui no trabalho: “Confissões de um Comedor de Ópio” (1821), do britânico Thomas de Quincey. Quem me deu o livro? Um formando de Psicologia, que disse que ficou muito satisfeito com a minha “prestatividade”. Fiquei contente com o gesto. Agradeço publicamente: OBRIGADO!

Wesley PC>

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

POR UMA LÓGICA DA REVERSIBILIDADE PSICÓTICA: PODEM O MAL E O NADA MAIS QUE O BEM?!

Hoje à noite, no trabalho, fiz algo errado, muito errado, algo que nunca fiz e que nunca devo repetir: amassei um documento na cara de uma aluna de Direito. Ela precisava entregar o documento num estágio até amanhã. O prazo de entrega era ontem, mas uma sobrecarga de trabalho impediu que a minha chefa assinasse o tal documento. A aluna começou a chorar, a gritar, fechou a porta com violência, ameaçou tomar o documento de minhas mãos, mesmo sem assinatura. Irracional que eu estava, amassei o documento, antes que ela fizesse qualquer coisa. E eu estava sem razão. No lugar dela, faria o mesmo – ou pior! No meu lugar, eu deveria ter vergonha. Eu estou com vergonha. E sem razão e irracional, ao mesmo tempo. Agia da pior forma possível, enquanto ser humano, enquanto funcionário, enquanto qualquer um dos valores que eu prezo. Agi como um demente, um imbecil, um abjeto excremento em forma de gente, por mais que eu tente contra-argumentar que tinha motivos psicóticos para agir como tal. Será que eu tinha mesmo? Deixarei de ser uma pretendida boa pessoa por ter agido tão mal? Acabo de entrar para as estatísticas destrutivas do Gaspar Noé. Desta vez, definitivamente, eu tenho culpa! Que venha a punição, não tenho medo: estou ERRADO!

Wesley PC>

“I'D NEVER SING OF LOVE IF IT DOES NOT EXIST/BUT, DARLING...: YOU ARE THE ONLY EXCEPTION!”

A única exceção. Ponto. Isto que vemos a atriz Léa Michele interpretar no segundo episódio da segunda temporada do seriado “Glee” é uma canção do grupo Paramore que eu não conhecia. É a melhor canção do quarto disco oficial com a trilha sonora do seriado, que, no plano musical propriamente dito, está bastante inferior aos três discos anteriores, mas, no plano enredístico, cabe aqui um insolúvel dilema avaliativo: não consigo deixar de gostar deste seriado porque ele é realmente bom ou somente porque eu me identifico deveras com os altos e baixos depressivos de seus personagens? Definitivamente, eu não consigo responder. Mas, assistindo aos últimos episódios lançados, não pude conter algumas lágrimas, que agora me soam fúteis, porém verdadeiras: este seriado me emociona pessoalmente, ele fala diretamente a pessoas como eu, ele nos atinge!

Tive várias insatisfações com esta segunda temporada – principalmente em comparação com a altissonante empolgação da primeira – mas, corrigida a minha relutância em baixar os novos episódios e o mais recente disco com a trilha sonora, eu me emocionei. E foi verdadeiro. Juro que estou tentando me envergonhar de mim mesmo enquanto confesso isto e que estou me esforçando sobremaneira para não atrelar a referida emoção a um ou dois eventos em particular, relacionados a uma mesma pessoa, mas, como estamos já em meados de dezembro, o mês do ano que mais me apavora por causa da tristeza atroz que me toma quando percebo que “não faço parte” de nenhum grupo em particular – algo que, no restante do ano, é-me motivo de orgulho – não tem como esconder minha fraqueza: sou influenciável, vivo em função de idiotices, sou um demente perenemente apaixonado, que disfarça suas crises de otarice passional-obsessiva através de uma pletora grafomaníaca de textos e resenhas que, se parece ainda dotada de interesse, é porque, graças a Deus, eu não minto. E, por não mentir, mostro-me como sou – e “ser como se é” é bom, é digno!

Interessante também que os melhores episódios desta temporada iniciaram-se com motes que tinham tudo para dar errado: num deles, o capitão de time de futebol americano do colégio, desejado por várias mulheres e pelo menos um homem, descobre uma queimadura em formato de Jesus Cristo no seu pão torrado e passa a questionar sua própria religiosidade a partir daí; noutro, a para-vilanesca líder das líderes de torcida descobre, num endereço eletrônico destinado a relacionamentos virtuais, que o único par romântico que a complementa é ela mesma e, como tal, decide casar consigo mesma. Idéias aparentemente idiotas, em ambos os casos. Desenvolvimentos elogiosamente dramáticos nos dois!

E, por mais que eu tente distrair minha mente com anseios e problemas diferentes dos que me perturbam agora (uma dor aguda em meus globos oculares, quiçá advinda de mais uma complicação de minha sinusite; as saudades previamente sentidas de alguém que vai embora e que talvez eu jamais encontre ou que talvez volte a falar comigo; a consciência responsável de que, se eu quero realmente que minha família disfuncional permaneça unida, eu devo anular minhas próprias reivindicações sentimentais), estes anseios e problemas voltam o tempo inteiro – e são eles que me constituem enquanto eu mesmo. Por isso, não é mal-vindo o clímax traduzido da supracitada canção do Paramore:

“Eu tenho um forte controle sobre a realidade/
Mas não posso deixar o que está aqui, diante de mim/
Eu sei que tu vais embora pela manhã, quando eu acordar/
Me deixe com alguma prova de que isso não foi um sonho/
Pois tu és a única exceção, a única exceção”


Ou talvez não a única, que seja, mas a que realmente importa agora!

Wesley PC>

É IRRACIONAL QUANDO O SENTIMENTO VEM DE DENTRO?

Quando saí do trabalho, ontem à noite, eu e uma amiga conversávamos sobre nossos problemas relacionais, no plano para-namoratório. Se, do lado dela, ela não entendia o que eu vislumbrava quando me apaixonava por alguém, dado que não pratico formas convencionais de sexo penetrativo e padeço de traumas longevos envolvendo beijos na boca, do meu lado, eu a interrogava acerca das brigas que ela costuma ter com o namorado, geralmente relacionadas a crises de ciúme, da parte dele. Qual não foi a confirmação surpreendente, quando, ainda antes das 20h30’, o tal rapaz liga, irritado porque ela não estava em casa ainda. Mais: demonstrou insegurança em relação à minha presença ao lado dela: “por que tu estás com ele, a esta hora?”, deu para ouvir ele perguntando. Ela, obviamente, ficou sentida. Despediu-se de mim de forma silenciosa, a fim de não chatear mais o interlocutor a quem ela chamava de “amor”.

Tive dificuldade para escolher que música ouvir, depois disso, no caminho para casa. Ao chegar ao meu destino, guardei o meu material de trabalho e escolhei, e liguei a TV, visando assistir ao filme que seria exibido no programa “Mostra Internacional de Cinema na TV”, da TV Cultura. O filme já havia começado há mais de 15 minutos, era francês, e, pelas primeiras imagens, remeteu-me à afetação burguesa de um Claude Chabrol ou à erudição corriqueira de um Manoel de Oliveira, em sua versão francófona. Depois pensei que se tratasse dum filme do Dominik Moll, dado que o suspense psicótico do relacionamento amoroso obsessivo que cerceia o enredo tem muito a ver com o tipo de roteiro que ele leva a cabo. Vi o filme até o final, sem saber quem o dirigia, o que é bom, já que pude avaliar o filme pelo filme, sem as hipercodificações advindas de quando se reconhece o autor responsável pelo projeto.

No filme, um rapaz solteiro e tomado de bazófia familiar, conhece uma mulher num casamento. Faz sexo casual com ela e, para sua surpresa, ela diz que eles foram destinados um para o outro, que se merecem, eu devem se amar como nunca amaram a ninguém antes. Então, ela convida-o para morar com ela e entorpece-o com suas impressionantes estórias de vida, que culminam na enumeração de quatro atividades desafiadoras que “fazem a vida realmente valer a pena”: plantar uma árvore, escrever um poema, transar com alguém do mesmo sexo e matar uma pessoa. “Enquanto prova de amor, nós devemos matar alguém”. E ela o faz. Ela o ama patologicamente. O resto, só para quem ver o filme.

Sem conhecer nada sobre o filme, sem ter sido submetido a críticas positivas, negativas ou qualquer tipo de informação sobre ele, tive que depositar a minha relação apreciativa sobre a mais básica relação produto cultural – receptor midiático: a identificação qualitativa. Logo, gostei do filme porque me vi nele, em potência. Se um dia eu tiver o diferencial de ser correspondido em meus delírios platônicos, tenderei a comportar-me igualzinho a esta psicótica transtornada, apaixonada, entregue, louca... Assim pensei, assim tenho razão. Quem será o diretor deste filme?!

Wesley PC>

PS: no afã por encontrar uma fotografia que enfeitasse esta postagem confessional, descubro, com espanto (quase caio da cadeira, aliás), que o diretor do filme visto era realmente o Claude Chabrol! Reconheci o seu estilo em menos de 5 segundos de projeção. Nossa! Nome do petardo romântico em pauta: “A Dama de Honra” (2004), baseado em livro de Ruth Rendell e protagonizado pelo canastrão bonito Benoit Magimel. Nunca tinha ouvido sequer falar dele, antes de ontem à noite, mas agora ele me é altamente recomendado!

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

“URUBU QUANDO TEM AZAR, ATÉ O DE BAIXO CAGA NO DE CIMA”!

Saí de casa pensando em ver um filme e, ao penetrar na sessão, vi-me diante de outro: assim, portanto, revi “Pra Frente, Brasil” (1982), clássico de Roberto Farias, numa sala de cinema, na tarde de hoje. Como a exibição do filme fazia parte de uma mostra sul-americana interligando Cinema e Direitos Humanos, a sala foi invadida por fotógrafos, câmeras, portadores de deficiência visual, crianças, todos eles fazendo alarde e causando um desconforto inicial na sessão, que logo se entregou ao silêncio beatífico, diante do filme enquanto obra de arte, e de revolta, diante do roteiro absurdamente realista em sua denúncia histórica. Digo mais: o filme é extremamente defeituoso no plano formal, no plano enredístico, no plano das emulações telenovelescas da época, mas... Como funciona! Como foi pungente para mim ver aquelas crianças inicialmente teimosas de 10 anos de idade questionando a si mesmas porque aqueles personagens estavam sendo barbaramente torturados. Como foi positivo, aliás!

Conheço amigos que desgostam das soluções “fáceis” executadas pelo diretor Roberto Farias, que venhamos e convenhamos, sempre lidou com cacoetes da cultura ‘pop’ (trabalhou com Roberto Carlos, no início da carreira, e dirigiu programas humorísticos televisivos chinfrins, no que parece ser o final dela). Por outro lado, conheço também pessoas intelectualmente mui confiáveis que elogiam sobremaneira a efetividade denuncista do filme, o poder discursivo de cenas como aquelas em que a morte de alguns personagens simpáticos é contrabalançada por imagens da conquista do tricampeonato de futebol pela seleção brasileira de futebol, em 1970; ou quando um militar norte-americano explica aos militares brasileiros que o maior problema da prática de tortura que consiste em enfiar um cassetete no ânus de um humilhado está no fato de que “alguns deles gostam disso”. Glupt! Filme forte, bem-aproveitado numa sessão que tinha de tudo para não dar certo...

Wesley PC>

“EU NÃO SOU AQUILO QUE EU SOU” (IAGO, PERSONAGEM SHAKESPEAREANO, SENDO CITADO EM FILME DE JAMES TOBACK)

Antes de ver “Preto e Branco” (1999), filme do cineasta pouco conhecido James Toback que eu desejava ver desde que foi lançado, mas que nunca tive oportunidade até então, eu li um capítulo do livro “A Cultura da Convergência” (2006), do comunicólogo Henry Jenkins, em que este diagnosticava, com riqueza de detalhes, um novo contexto midiático em que produção e consumo de artefatos culturais são posicionamentos espectatoriais que se confundem. Para minha surpresa positiva, o filme bebe na mesma fonte teorética espalhafatosa e lança bem mais questões do que está habilitado a resolvê-las, assemelhando-se ao episódio-piloto de um seriado urbano de TV. E não é que o filme é muito bom assim mesmo? Correspondeu mais do que positivamente às minhas expectativas!

Talvez por ser um fã compulsivo de filmes-painel, minha apreciação positiva já estivesse parcialmente garantida. Um elenco mega-estelar numa trama que põe em foco a confusão identitária que vem se manifestando progressivamente ao redor do mundo, num contexto que ultrapassa as acusações caracteristicamente direcionadas contra a globalização. Senão, vejamos: Iago, rival invejoso do personagem-título da peça “Otelo, o Mouro de Veneza” (escrita por William Shakespeare em 1603) é citado pelo professor afetado que o cantor Jared Leto interpreta, quando interroga sua classe acerca de como eles se vêem enquanto raça. Uma garota loira de cabelos curtos diz que é negra por dentro e, numa cena anterior, é mostrada fazendo sexo com um cantor de ‘hip-hop’ enquanto beija outra mulher. Numa cena posterior, ela é entrevistada pela personagem de Brooke Shields, que interpreta uma documentarista superficial, casada com um homossexual (Robert Downey Jr., hilário ou tragicômico?) que, em dado momento, dá em cima de Mike Tyson e... A foto mostra o que aconteceu! (risos) Fiquei impressionado com o ótimo desempenho do pugilista, dando vida a ele mesmo, utilizando a sua prisão por estupro como componente empático fundamental de seu próprio personagem, estratagema este que deu tão certo que, em 2008, o mesmo diretor James Toback realizou um documentário sobre ele. Não vi “Tyson” ainda, mas, se for tão bom e potencialmente cáustico quanto “Preto e Branco”, recomendo!

Wesley PC>

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

“QUER PIPOCA, WESLEY?”, PERGUNTA-ME DONA ROSANE DE CASTRO.

“É, pode ser”... Respondo eu, um tanto mecanicamente. São quase 16h e eu devo entregar um artigo de 15 páginas remodelado a um professor, até as 20h de hoje. Assunto do artigo científico: “Militância Homossexual e Movimentos Sociais: o Caso da ASTRA – Direitos Sociais e Cidadania LGBT – em Sergipe”. Problema do artigo: o professor, formado em Publicidade e Propaganda, interessa-se bem mais pelos vieses organogramáticos da instituição em pauta do que pelas contradições e acertos de seus discursos enquanto representante organizadamente majoritário dos homossexuais sergipanos, expressão esta que contém alguns oximoros ideológicos e moralmente higienizadores em sua constituição, com os quais eu obviamente discordo. Conclusão: o tempo passa e eu estou avançando pouco na argumentação. É difícil defender aquilo em que não se acredita. Talvez eu reprove na matéria, por causa disso. Assumirei como minha esta responsabilidade, mesmo que o trabalho seja em grupo.

Digo mais: neste exato momento, acabo de decidir que, às 16h30’ de hoje, aceitarei, sim, a pipoca que minha mãe ofereceu. Verei algum filme espanhol conceituado, submeter-me-ei ao relaxamento artístico merecido. Afinal de contas, a conclusão do artigo já está pronta: “os militantes homossexuais, assim como outras minorias que se sintam ‘atingidas’ negativamente pelos detentores do poder, devem manter seu senso crítico em constante reavaliação autocrítica, sendo bastante cuidadosos para não caírem nas armadilhas da satisfação imediata (ou melhor, imediatista) de suas exigências primárias e ignorando que o patriarcalismo capitalista, em sua forma mais deletéria de dominação histórica, é o que deve ser combatido, acima de tudo, enquanto esforço conjunto de todos os cidadãos que se sintam inferiorizados ou injustiçados por quaisquer que sejam as suas razões”. Tenho dito!

Wesley PC>

TAPA NA CARA – PARTE 2 DE UM MILHÃO

Acabo de rever “Primeiro Verão” (2000, de Sébastien Lifshitz) e, não somente o filme é ainda melhor e mais triste da segunda vez, como pude confirmar uma conclusão iterativa:

Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota Sou um idiota!

Wesley PC>

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

UM DESCONHECIDO COMO QUASE QUALQUER OUTRO?

Na manhã de hoje, deparei-me com um homem engravatado que rastejava em frente a UFS. Vestindo calça 'jeans' de boa aparência e usando uma camisa de linho azul-celeste, ele veio arrastando-se, de joelhos, desde o CCET - Centro de Ciências Exatas e Tecnologia da UFS - até o lugar em que eu me encontrava. Olhei para ele por alguns instantes e me perguntei: "o que teria acontecido para que ele se sujeitasse a esta humilhação pública? Está pagando uma promessa por ter passado no Doutorado?". Liguei para um ex-colega de trabalho e contei a estória. Ele riu. Ambos estávamos portencialmente reprovados em disciplinas neste período. Mas rimos assim mesmo. E eu tive que correr para tirar uma boa nota noutra disciplina, de caráter jornalístico prático, na qual eu tive que descrever a versão atual desta criança mostrada em foto, hoje 18 anos mais velha e quiçá mais decepcionada com o mundo. Quem é ele? Parafraseando Jesus Cristo, quem tiver olhos, coração e mente, que leia!

Wesley PC>

EU, JOVEM, FAZENDO A MINHA PARTE!

Neste final de período letivo 2010/2, aderi ao mais trivial dos clichês universitários: a subsunção involuntária ao atolamento de trabalhos pendentes. Motivo: por alguma razão desprezível, pelo menos três quartos dos meus professores deste semestre decidiram protelar as únicas atividades correspondentes à avaliação disciplinar para a última semana de aula, de maneira que, além de redigir a biografia laudatória de um gracioso e irritável ser humano, preciso entrevistar a dirigente de uma casa de oração de umbanda, dissecar a estrutura organizacional de uma ONG sergipana que luta pelos direitos dos homossexuais, explicar, com minhas palavras, o que é “a cultura da convergência” e investigar os benefícios da rede social cibernética que atende pelo nome de TakingITGlobal. Tudo isso em três dias. Tudo isso valendo de 0 (zero) a 10 (dez). Quase tudo isso em grupo, o que equivale a dizer que me sufocarei triplamente, em razão de minha conhecida tendência ao suicídio enquanto líder. Estou lascado!

Por outro lado, se eu conseguir sobreviver a esta bateria atroz e deseducativa (por causa da pressão avaliativa disfuncional) de trabalhos acadêmicos, prometo que converterei os trabalhos bem-sucedidos em textos de interesse coletivo, visto que, com todos os defeitos de apresentação, este tipo de exigência rotineira faz com que nós, alunos, entremos em contato com realidades objetais que desconhecíamos até então. Exemplo: até outubro deste ano, eu nunca havia sequer ouvido falar do TakingITGlobal, e hoje descubro que, desde 1999, esta versão virtual de uma ONG canadense de intervencionismo global é “uma das mais bem-sucedidas ferramentas de conscientização juvenil acerca de problemas democráticos e de carência tecnológico-informativa do mundo” (sic). A quantidade de petições, fóruns de discussão, campanhas em prol das mais diversas causas sociais e congêneres disponibilizada no ‘site’ da ONG é impressionante, para o bem e para o mal, visto que, em muitos aspectos, parece vitimada por modismos, visto que, para ficar em apenas um exemplo esdrúxulo, num segmento discursivo intitulado “Cultura e Cidadania”, eu acompanhei uma discussão sobre a relevância da assunção da masturbação feminina na defesa da cidadania. Acho que sou demasiado purista no que tange aos usos sociais da Internet (risos). Abaixo a proibição do direito de acesso à pornografia comercial!

Wesley PC>

domingo, 12 de dezembro de 2010

A AUTO-REFERENCIALIDADE POSITIVA DAS ANAS DE ESPANHA (VULGO: O PODER DE SÍNTESE)

Por uma daquelas coincidências que costumam me tomar de assalto, antes de ver o clássico supremo de Carlos Saura, “Ana e os Lobos” (1972), eu ouvi um disco brega espanhol muito consagrado localmente, “Ana” (1979), de Ana Belén. Não gostei do disco como cri que ia gostar (à primeira audição, pelo menos), mas gostei deveras de uma observação de minha mãe quando começou a ver o filme ao meu lado: “por que os espanhóis insistem em dizer ‘buenas noches’? Não é uma noite só, que nem aqui?”. Eu ri, ao tempo em que acrescentei mentalmente: “eles devem fazer um questionamento invertido em relação a nós”...

E que belo filme! Não sei se cabe resumir aqui a trama do mesmo, basta olhar para esta fotografia preciosa, que já revela de antemão extremo talento e a segurança directiva extraordinária de Carlos Saura: vista pelo ponto de vista de um místico pretensamente anacoreta, seu irmão frustrado por não conseguir entrar para o Exército passeia montado num cavalo, fardado. Seu outro irmão, promíscuo e casado, agarra a personagem-título, a tal Ana (vivida por Geraldine Chaplin, filha de Charlie Chaplin, ex-companheira amorosa do diretor, por 12 anos), enquanto sua esposa e suas três filhas brincam. Ao centro, a mãe dos três irmãos é carregada por três empregadas, histérica, tachando-as de ladras. Ponto. Uma das sínteses mais precisas de uma trama cinematográfica numa única fotografia!

Ao meu lado, minha mãe ficou tão perplexa quanto eu diante deste filme surreal, desconcertante. E muita coisa acontece antes e depois da cena mostrada na fotografia. Minha mãe não conseguia conter as exclamações diante da cena final, enquanto eu gemia de gozo cinematográfico: este é o Carlos Saura que eu aprendi a admirar. Por pouco, uma obra-prima!

Wesley PC>

NADA COMO TER AMIGOS#∞ (POSTAGEM REPETIDA, MAS SINCERA)

Desde que um assaltante levou a minha roupa ao apontar uma arma contra minha cabeça e me deitar no chão, em 2000, sofro de urbanofobia aguda. Ou seja, tenho um medo patológico, doentio de caminhar pelas ruas do centro da cidade de Aracaju, lugar pelo qual sinto um apreço muito forte, que vai além de minhas reações programadas à beleza arquitetônico-histórica do lugar. Na noite de ontem, portanto, fiquei com muita vontade de ver um filme uruguaio que seria exibido num palácio governamental, localizado justamente no Centro da cidade de Aracaju. E eu senti medo de ir, estava quase desistindo, quando dois amigos me puxaram e me fizeram ver o filme, que foi ainda melhor do que eu esperava. E estes dois amigos são meu ‘yin’ e meu ‘yang’: Jadson e Américo. Falo um pouco deles a partir de agora:

Jadson é taciturno, ranzinza, filosófico, fã de Michelangelo Antonioni, David Cronenberg e Ingmar Bergman, meu melhor amigo desde os 15 anos de idade, aquele que me ensinou a ouvir música brasileira de qualidade e aquele que me deu suporte nos dramas familiares mais intensificados de minha vida; Américo, por outro lado, é efusivo, alegre, quase bipolar, tornou-se um irmão postiço quase inseparável desde uma orgia sexual em que nos apoiamos mutuamente na contenção para-matrimonial ano passado e é fã de Lady GaGa, François Truffaut, do seriado “Glee” e vários outros artefatos do mundo ‘pop’ contemporâneo. São muito diferentes um do outro, mas... Como eles me complementam!

Agradecido que eu estava por eles terem me trazido ao local que elogiei no primeiro parágrafo, pedi que eles posassem para uma foto. Qual não foi a minha estrondosa surpresa ao perceber como a mesma sintetizou metonímica e emocionalmente como eles (Jadson, Américo e o centro da cidade de Aracaju) são por dentro e por fora: encantei-me com esta foto. Encantei-me com a beleza do lugar em que estivemos ontem à noite. Encanto-me e reencanto-me sempre que estou ao lado destes dois amigos queridos, que brigam muito entre si, obviamente, mas amam-me e são amados em igual medida. Amo-os! O jargão que tanto me redefine “nada como ter amigos” é elevado ao infinito nesta foto!

Wesley PC>

NAQUELE QUARTO, NÃO TINHA MUITO ESPAÇO PARA ELA, MAS ELA ENTRA ASSIM MESMO!

Não sei se eu já contei este detalhe aqui, mas minha família e os vizinhos que me conhecem desde pequeno costumam me chamar de Léo. Por quê? Talvez porque, para eles, o prenome anglofílico-metodista que minha irmã mais velha depositou sobre mim não fosse suficientemente indicador de carinho, sei lá. Sei que, se alguém perguntar por Léo na esquina da rua em que moro, o respondente apontará para minha casa.

Pois bem, para além da coincidência nomenclatural destacada no parágrafo anterior, ontem eu senti muita vontade de ver um filme uruguaio exibido numa mostra de cinema internacional, esta semana, de passagem por Aracaju. O nome do filme era “O Quarto de Leo” (2009, de Enrique Buchichio) e, na maioria das cenas, o protagonista lida com sua inadmissão homossexual particular, seja no que tange ao medo de confessar que não consegue ter ereções com sua namorada porque gosta de homens, seja na argüição “existencial” com que aborda um rapaz que conhece através de um endereço eletrônico de relacionamentos virtuais (vide foto). Porém, o que fez com que o filme realmente se tornasse marcante para mim foi uma personagem secundária, vivida pela graciosa Cecília Cósero, a depressiva Caro, colega de infância do protagonista.

Aos poucos, a trama do filme interrompe a perspectiva dominante e mentirosa do protagonista para entendermos a dor que aflige Caro e, em minha cena preferida do filme, ela chora copiosamente quando sua irmã pergunta se a cafeteira elétrica está funcionando. Motivo: ele passeava com seu sobrinho quando este morre em decorrência de um acidente, do qual ela não teve culpa, mas que precisava se culpar eternamente. Um choro cortante, um choro muito mais relevante que as crises abichalhadas do protagonista. E, não só por esta cena, o filme mexeu comigo também. Cheguei em casa pensando nele, fui tachado de antipático (vide postagem imediatamente anterior) justamente por causa disso. Talvez seja o melhor filme uruguaio que vi até então. Recomendo!

Wesley PC>

UMA PAUSA NA ANTIPATIA, COMO SE ELA POSSÍVEL FOSSE. AI, AI, DEUS, QUE TORMENTO! MEXE, MEXE... E EIS O GOZO!

Sébastien Lifshitz não é o que se pode chamar de um “novo diretor” fácil. O único filme dele que eu havia visto até então é o complicadíssimo “Lado Selvagem” (2004) – famoso por causa da aparição do magno Antony Hegarty, numa cena inicial, cantando “I Fell in Love With a Dead Boy” – cujas tramas mesclam as estórias de um transexual cujo companheiro faleceu recentemente e de dois imigrantes ilegais (um argelino e outro da Geórgia, se não me engano) que chegam à França por motivos diversos mas são igualmente cooptado pelas teias da prostituição sadomasoquista homossexual e no tráfico de drogas. Detalhe: nenhuma das três tramas é linearmente abordada. Ou seja, além de a estória passar de um personagem para outro aleatoriamente, de mudar radicalmente de cenário, idioma e geografia o tempo inteiro, a própria noção de tempo é atrozmente subvertida pelo filme. Conclusão: é complicado, mas quase ótimo assim mesmo!

Pois bem, meio que por acaso, baixei o badalado filme homossexual recente “Primeiro Verão” (2000), tradução nacional para “Presque Rien”, que soube ser dirigido pelo mesmo Sébastien Lifshitz. Meu intento com este filme era acompanhar a nudez de Stéphane Rideau, um ator que marcara a minha infância por causa de sua participação no já clássico “Rosas Selvagens” (1994, de André Techiné). Não esperava – nem precisava, em instancia primária – que o filme fosse bom, mas ele foi “quase ótimo” também. Mexeu comigo e com meus sentimentos machucados de início de madrugada. Mexeu, mexeu e... Eis o gozo! Tive que dormir na cama de minha mãe, atormentado que estava com a beleza da canção do escocês Perry Blake que acompanha os créditos finais.

Numa descrição chinfrim, o filme é vendido aos consumidores do subgênero cinematográfico ostensivamente ‘gay’ como sendo uma trama de amor de verão entre um rapaz de 18 anos com graves problemas de depressão na família e um rapaz rebelde que abandona a escola para trabalhar e sustentar a si mesmo. Mas o filme é bem mais do que isso. E tão alinear e confuso (no bom sentido) quanto o filme posterior do diretor. Por vezes, não sabia se era eu que não estava compreendendo bem as idas e vindas da trama ou se havia cochilado. Tenho que ver este filme de novo, o quanto antes!

Numa das cenas mais particularmente encantatórias do filme, encontrei aquela que talvez seja a mais bela encenação masturbatória do cinema: depois de passar a tarde na praia com sua irmã embrutecida, o personagem de Jérémie Elkaïm vai tomar banho. Percorre seu corpo com a água de uma ducha móvel, de forma entediada e um tanto irritada, sendo que, na cena seguinte, ele acaricia seu pênis, igualmente tomado pelo fastio. O pênis amolece, endurece, alguém bate na porta, pode para ele se apressar e, sem que ele perceba, ele está sendo cúmplice de uma forma fisiológica e mui sobrevivencial de onanismo, à beira da pia. A sensualidade do momento é quase secundária. Não é uma situação pornográfica, é um momento de beleza e dor intensa. É uma cena linda que, só por ela, já garantiria a minha adesão favoritada ao filme do Sébastien Lifshitz, mas o roteiro segue além: são 100 minutos de drama. E, nas cenas seguintes, o protagonista tenta se suicidar, fuma sobre o cadáver de um passarinho que encontrara quando mijava em frente a uma árvore e banha um gato (“lindo, mas fedorento”) que encontrara na rua quando volta à casa de veraneio, depois de dois anos de ausência, para fazer as pazes com seu próprio passado de rejeições. Filme ‘gay’, talvez, mas surpreendente enquanto cinema humano, juro!

E, se com este filme, eu dou uma pausa nos vitupérios que costumo destinar a produtos conteudisticamente congêneres, mas formal e dramaturgicamente inferiores, “Primeiro Verão” será o filme que será eternamente marcado em minha memória por ser aquele que eu vi depois de ser acusado de ser “pior do que uma namorada”, por saturar quem eu venero na Terra de mensagens preocupadas e servis. Sou um idiota, sou patético, sou antipático. Mas, como o Sébastien Lifshitz se encarregou prontamente de demonstrar, não estou sozinho. Pelo menos, não em teoria!

Wesley PC>