sábado, 1 de janeiro de 2011

MORAL DE INÍCIO DE ANO (OU ALGO PARECIDO):

Graças ao meu amigo-irmão Américo Nascimento, experimentei a cerimônia de ‘réveillon’ ao lado de diversos homossexuais pequeno-burgueses que eu não conhecia. Entretanto, os mesmos eram demasiado solícitos e, em mais de um sentido, gostei bastante desta inusitada mudança de planos, visto que comi bastante ao longo da madrugada (petiscos, na verdade – azeitonas, amendoins, pedaços de panetone, queijos, etc. – mas eram comida!) e, muito importante e necessário, dancei.

Infelizmente, o acervo musical predominante no evento era composto por canções ‘pop’ famosas, em execráveis versões remixadas, mas eu dancei mesmo assim... Muito. Estava precisando! Valeu a pena ter saído de casa para experimentar esta inusitada cerimônia inusitada (mais detalhes opinativos aqui), mas o que achei mais pitoresco no evento, para além das diversas e violentas brigas de namorados ciumentos que rasgaram a madrugada, foi a insistência dos solícitos organizadores do evento em fazer com que eu bebesse álcool. Por mais que eu dissesse que queria apenas água ou refrigerante, eles insistiam em me dar gelatina com vodka, cerveja geladíssima, ou outros líquidos que eles particularmente gostavam muito. Não agiam por mal, eram bem-intencionados, mas esta insistência me incomodou um pouco.

Pelo sim, pelo não, diverti-me nesta madrugada de início de ano e, ao chegar em casa, estava começando um filme animado, no exato minuto em que me sento no sofá. Conclusão: achei de bom tom assistir ao tal filme antes de tirar o meu merecido cochilo. Tratava-se de “Bolt – Supercão” (2008, de Byron Howard & Chris Williams), que, coincidentemente, era co-dirigido pelo mesmo co-diretor de um longa-metragem de animação que ainda não estreou no Brasil, mas que foi deveras laureado por alguns dos presentes à festa. Façamos de conta que esta é uma boa coincidência e demos chance a quem merece...

No filme que vi na manhã de hoje, o primeiro de 2011, um cachorrinho escravizado pro Hollywood pensa que sua “humana” está em perpétuo perigo, em razão de eles protagonizarem um seriado televisivo de aventuras. Diversos contratempos acontecem, como seria esperado, e ele se afasta de sua coadjuvante humana, de maneira que, perdido num Estado distante do País em que vive, ele empreende uma longa jornada a fim de reencontrá-la. Para que tal jornada fosse bem-sucedida, foi de vital importância a companhia e a ajuda de um ‘hamster’ hiperativo, fã do programa televisivo protagonizado pelo personagem-título, e de uma gata de rua que, até poucos instantes, agia tiranicamente em relação aos pombos da redondeza. Em dado momento, o conselho que me serviu de moral: “não importa o quão distantes pareçam que estão os seus amigos. Quando eles precisarem de ti, não penses duas vezes: ”! É isso, é uma moral simplista (eu preferia dizer: truísta), afinal de contas, era um filme infantil, mas eu concordo e a aceito plenamente. Por isso, eu vou. Irei, sempre e sempre! Bem-vindo 2011.

Wesley PC>

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

MORAL DE FIM DE ANO (OU ALGO PARECIDO):


A moral fronteiriça deste final de ano vem-me através do penúltimo filme a que assisti em 2010, “Meu Nome é Ninguém” (1973, de Tonino Valerii & Sergio Leone). É uma anedota, cuja orientação moral varia a depender de quem a ouça ou a conte. No filme, faz sentido, no plano quase literal, visto que o pistoleiro mais velho que ouve a historieta do mais novo desacredita que avôs possam envelhecer. “São tempos difíceis, e é raro envelhecer hoje em dia, mas não é impossível”, intervém o bêbado funcionário de um bar. Eis a anedota:

Um passarinho muito novo, coitado, cai do ninho onde era confortavelmente alimentado por sua mãe pássara e, sentindo muito frio, começa a chorar. Com pena do bichinho, uma vaca bonachona que passava pelo local e ouve os gritos despeja uma poça de merda quente sobre ele. Não mais sentindo calor, mas agora incomodado pelo cheiro, o passarinho continua a chorar em voz alta, atraindo a atenção de um coiote faminto que passava pelo local. Este segura cuidadosamente o bichinho, limpa-o com todas as minúcias possíveis e, antes que o passarinho pudesse chegar a agradecer, ele é enfiado inteirinho na boca do coiote, que sai satisfeito, com a barriga menos vazia...

Moral da estória: cabe a cada leitor interpretar a seu agrado, mas, para mim em particular, é uma exortação. Desligarei o computador neste exato momento e, conforme anunciado antes, que venha o que vier. Tenho para onde ir, tenho com quem ir. Só não tenho necessariamente como ir, ainda, mas... O resto, a gente resolve. Até 2011! Conforme visto no filme, "quanto maior o risco, maior a recompensa"!

Wesley PC>

É SAUDADE, Ê SAUDADE!

Acabo de ver “Fados” (2007), documentário de Carlos Saura comprometido com a sobrevivência contemporânea das tradições ibéricas mais longevas e, para além de o resultado não ser tão qualitativamente decente quanto “Flamenco” (1995), mas bem menos extenuante no que tange ao prazer de se ver e ouvir, eu pensei muito em tudo aquilo que me causa saudades. Afinal de contas, fado é um ritmo que toca diretamente o lado nostálgico de nosso coração. E foi tão bom ver este filme ao lado de minha mãe, que, desde já, nem bem quatro horas da tarde, já manifesta sua habitual repulsa às comemorações de fim de ano: “se alguém me telefonar, é para dizer que não estou. Não quero falar com ninguém!”. Sei que tenho a obrigação de respeitar a sua reclusão, mas... Como é difícil lidar com esta tristeza quase esbravejante que a ataca sempre que o ano está prestes a findar! Puxa, fico tão triste por ela, queria fazer algo, mas não consigo. Pior: um grande amigo convidou-me para uma festa com gente bonita e desconhecida, mas não sei se posso ir, não sei se tenho o direito de deixá-la sozinha. Sei que ela quer que eu vá, sei que ela quer que eu me divirta, mas me irmão mais novo já está prestes a dar sinal de cólera, visto que o seu salário mensal está bloqueado. Ou seja, ele só vai poder sacar seu dinheiro no dia 3 de janeiro do ano que vem, de maneira que seu ‘réveillon’ será completamente parco, no plano monetário do termo. E eu com tudo isso? Eu que revi “Jamón, Jamón” (1992, de Bigas Luna), um dos filmes preferidos de minha pré-adolescência, ao lado de meus dois grandes amigos-irmãos na noite de ontem, eu que tenho delírios similares aos dos personagens, mesclando tragédias familiares e desejos eróticos incontidos, eu que não sou apenas “eu”, eu que tenho gente para cuidar, gente que depende de mim, eu que... eu... eu... Acho que falo muito de mim! Que venha o que vier, quem viver, verá!

Wesley PC>

HOJE EU APAGUEI MAIS DE 40 MENSAGENS DE MEU CELULAR OU HOJE EU ESCUTEI “MESSAGE IN A BOTTLE”, DO THE POLICE, TANTAS E TANTAS VEZES...

Por onde se começa uma história que não tem fim? Pelo que foi acordado como fim, penso. Não acabou, nunca vai acabar, comigo não tem retorno, mas... Na pior das hipóteses, que me seja legado o direito de tentar contar uma história:

Acordei tarde hoje. Eram mais de 10h30’ da manhã. Minha mãe insistia para que eu comesse algo. Cuscuz com feijão e suco de abacaxi com leite. Liguei a TV por acaso. Deparei-me com um videoclipe ao vivo do grupo The Police, o vocalista Sting à frente, com sua voz muito aguda, se esgoelando ao som de “Message in a Bottle”. Tão alto e tão profundo que parecia que a canção era para mim, que era minha: não seria um homem tranqüilo se eu não baixasse “Regatta de Blanc” (1979), disco em que está contida a canção, hoje...

“I'll send an S.O.S. to the world
I'll send an S.O.S. to the world
I hope that someone gets my
I hope that someone gets my
I hope that someone gets my
Message in a bottle, yeah
Message in a bottle, yeah”


Saí de casa, vi um filme com amigos, recebi uma mensagem de celular quando me dirigia ao ponto de ônibus, perguntando-me como se diz quando se usa um termo etariamente inadequado num dado contexto histórico. Respondi que era anacronismo, como se fosse um homem confiante, mas, por dentro, um aperto tão forte no coração: eu assinara um contrato de não-beligerância com o interlocutor. Cria eu que estava sendo firme em obedecer à minha parte do acordo. O silêncio, o silêncio...

Na volta para casa, esborrachei-me com um senhor que tentava subir num ônibus. Eu correra para chegar cedo em casa. Cheguei, afinal. Pude observar vizinhos dormirem frente a mim. Num terminal rodoviário, reli com orgulho algumas mensagens de celular guardadas como se fossem troféus. Quase 100. A mais antiga delas datava de 18 de março de 2010, aniversário de 24 anos do meu interlocutor. Dizia que ele era lindo. Ele respondia: não sou isso. Vou morrer e feder como qualquer outro”. Eu insistia. Ele me tachava de “incorrigível”. Um dia (27 de abril de 2010), ele disse que ia rezar por mim. Noutro (19 de junho de 2010), ele se irrita porque eu disse que sonhara com ele, um sonho trivial, corriqueiro: “criatura, você não tem discernimento mesmo! [...] Eu tento ser tolerante, mas não tem condições. Você não consegue perceber que esta maneira que você me trata me incomoda?”. Eu percebia, eu sentia na pele, mas o que eu podia fazer?! Estrebuchava. “É sério: pare de me mandar tanta merda. Eu não me importo!” (25 de julho de 2010). E esses eram os meus troféus!

Apaguei algumas, guardei outras. Hoje, em meu celular, restaram apenas 51 mensagens da mesma pessoa. Algumas brutas, outras severas, terceiras intolerantes, mas algumas apaziguadoras também. São meus troféus, é o que restou. E eu fico aqui, repetindo e repetindo a porcaria da canção. Eu sou um moleque tão fetichista! Que bom que não mandaram me prender ainda... E, sim, meu querido, obrigado por ter esquecido a Carteira de Identidade!

“Walked out this morning, don't believe what I saw
Hundred billion bottles washed up on the shore
Seems I'm not alone at being alone
Hundred billion castaways, looking for a home”


E eu tento, juro que tento!

Wesley PC>

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

“EU SOU UM NORDESTINO – E A COISA QUE O NORDESTINO MAIS FAZ É TROCAR O CERTO PELO DUVIDOSO”!

Já tive a oportunidade de dizer, várias vezes, que, definitivamente, eu não gostava dos filmes d’Os Trapalhões quando era criança. Conteudisticamente, eu me incomodava com um humor preconceituoso e chulo que, desde pequeno, eu já aprendi a rechaçar quando atrelado a pretensas boas intenções humanitaristas. Formalmente, eu me irritava por perceber que os tais filmes surrupiavam chavões genéricos de filmes hollywoodianos de sucesso. Por outro lado, eu gostava do programa de TV. Achava-o original, questionador da “parede invisível” e positivamente amoral, em muitas situações. Desgostava da liderança do personagem Didi Mocó (o eterno alter-ego de Renato Aragão), mas o programa de TV era genial, guardo saudades imensas dele...

Pois bem, meio por acidente, acabo de ver um dos filmes produzidos pelo quarteto original (além de Renato Aragão, estão lá o desenxabido Dedé Santana, o cachaceiro Mussum e o hilário e afetado Zacarias), um daqueles que eu não havia visto quando era criança: “O Cangaceiro Trapalhão” (1983, de Daniel Filho). E, para minha surpresa, gostei de muitos aspectos do filme, ao passo em que me surpreendi tanto com outros aspectos que ainda não sei sequer se gostei ou não...

No filme, Renato Aragão não é Didi Mocó. É Severino do Quixadá, um criador de cabras que, por acidente, se vê no meio da briga entre Lampião e a Volante. O primeiro é vivido por Nelson Xavier, que, junto a sua parceira Tânia Alves (Maria Bonita), repetem os papéis que o tornaram consagrados num clássico seriado da TV Globo. O comandante da segunda é vivido por José Dumont, num papel de traços exageradamente vilanescos. Entre eles, está Regina Duarte, como a injustiçada filha de um dono de terras, que é raptada pelo governador corrupto de uma cidadela. O resto é aquilo que já conhecemos, tendo muito a ver com o que li numa crítica sobre o filme, no que tange à intenção do quarteto em consolidar seu humor a partir de um imaginário tipicamente nacional (a seca do Nordeste), valendo-se, por sua vez, de recursos de assimilação hipercodificada do ‘studio system’ hollywoodiano. Ou seja, para além das inúmeras referências a grandes faroestes de John Ford ou Sergio Leone, o protagonista despede-se de sua amada, apaixonada por outro, como sói acontecer nos filmes protagonizados por Renato Aragão na década de 1980, com a voz do dublador de Humphrey Bogart na TV brasileira, utilizando os mesmos diálogos finais de “Casablanca” (1942, de Michael Curtiz), ao som da canção-tema “As Times Goes By”. Eu ri com isso!

Porém, o que mais me chocou no filme não foi nem esta despedida plagiada nem a boa condução do roteiro (com diálogos escritos por Chico Anysio, entre outros colaboradores) no que tange aos problemas tipicamente do Nordeste da era do cangaço, mas sim uma seqüência mágica paralela em que Bruna Lombardi surge como uma bruxa que deseja uma pedra preciosa guardada por uma entidade lacustre no fundo de um poço, que seduz Severino pedindo que ele ande pelas paredes de sua casa como se fosse uma lagartixa. Uma seqüência largamente despropositada e até dissonante em relação à fidelidade contextual do filme, mas como me fascinou. Demasiado inaudita para passar impune!

Além do escândalo receptivo que esta seqüência mágica implanta, o filme possui vários aspectos bem-sucedidos, como a já citada fidelidade contextual e topográfica, as boas interpretações de um elenco veterano e a direção não subsumida unicamente às piadas chavonadas dos personagens, demasiado caricatos em relação ao que já faziam na TV. Ainda assim, não se pode deixar de emitir gargalhadas culpadas na seqüência em que Mussum tenta proteger uma garrafa de cachaça da fúria famélica de piranhas, que, afinal, são afastadas ao se embebedarem com a urina etílica do mesmo; na onomatopéia facilmente reconhecível (o “plim-plim” da TV Globo) que uma caixa metálica emite quando finalmente exibe o seu conteúdo; e em frases de duplo sentido do tal Severino do Quixadá, como “vou tacar o mandacaru na rima” e “estou com tanta fome que já estou comendo nas calças”. Mas, depois que a montanha em forma de galinha choca começa a pôr gigantescos ovos de ouro e o quarteto surge num iate luxuoso, cercado de mulheres perdulárias, a culpa voltou a ser mais forte que o som da gargalhada. Mas nada que a inventividade paródica do filme posterior do quarteto [o boníssimo “Os Trapalhões e o Mágico de Oroz” (1984, de Victor Lustosa & Dedé Santana)] não resolvesse...

Ah, sim, o título desta postagem? É proferido por Severino do Quixadá quando a bruxa interpretada por Bruna Lombardi pergunta se ele quer passar a eternidade ao lado dela. Apaixonado que ele está por Aninha, personagem de Regina Duarte (por sua vez, apaixonada por outra pessoa), ele recusa a oferta. Quando, porém, a meiga Aninha vai embora no cavalo branco montado por Tarcísio Meira, e Severino enriquece graças aos ovos de ouro, vemo-lo novamente ao lado da bruxa, agora aconchegada num iate. Na vida real, os nordestinos não têm esta segunda chance...!

Wesley PC>

NÃO HÁ ESTUPOR QUE CONSIGA DESCREVER O QUE EU SINTO AGORA!

Depois de intermitentes 399 minutos (ou seja, 6 horas e 39 minutos) de projeção, acabo de assistir ao clássico “Os Vampiros” (1915, de Louis Feuillade). Considerado quase unanimemente e com razão um dos melhores filmes de toda a História do Cinema, o que mais me encantou nesta obra-prima é que, para além de sua longa duração, de soluções fílmicas que pudessem estar “datadas” e das expectativas intensivas que eu depositei sobre ela antes de começar a vê-la com um sorriso largo no rosto, o filme é perfeito porque é perfeito mesmo e não porque precisa ser assim. O filme é simplesmente excelente!

Não sei se disponho dos adjetivos suficientes para laurear o que experimento agora enquanto espectador, mas os 10 capítulos deste filme foram belissimamente producentes enquanto criadores de tensão, de empatia, de charme, de erotismo, de torcida policialesca, de qualquer sentimento que alguém possa emitir em reação a um exemplar supremo de realismo poético – concomitantemente comercial e vanguardista – francês. O filme é absolutamente perfeito em toda a sua longa e mui necessária extensão, só vendo-o para entender o que eu tento dizer...

Logo na primeira cena do primeiro capítulo, “A Cabeça Decepada”, um clímax: o jornalista investigativo Philippe Guérande (Édouard Mathé) percebe que documentos importantíssimos foram roubados de sua mesa. Os documentos versavam sobre a organização criminosa que intitula o filme e foram roubados pelo simpático e cartunesco Oscar Mazamette (Marcel Lévesque), que implora o perdão do jornalista, ao mostrar a foto dos seus três filhos, seqüestrados pela organização, razão de ele ter sido chantageado. Philippe o perdoa e nasce, a partir daí, uma grande amizade colaborativa. Além do dono da cabeça decepada, dois importantes personagens morrem tragicamente neste primeiro capítulo, que antecede “O Anel que Mata”, quando somos apresentados à graça da bailarina Marfa Koutiloff (Stacia Napierkowska), logo assassinada também. A culpada dos crimes é a charmosa e exuberante Irma Vep (Musidora, eternizando-se ao vivificar o anagrama de “vampiro” mais sedutor da História), que, ao longo dos capítulos subseqüentes, apaixonar-se-á por um bandido latino que faz breve concorrência com os Vampiros (até ser enforcado na prisão) e, em seguida, intentará casar-se com um tenebroso envenenador, líder definitivo da organização a que ela serve, depois que os dois chefes anteriores (um deles, cognominado como “O Grande Vampiro”, e o outro, como Satanás), até que... Não, não vou contar o final do filme. Juro que as quase 7 horas de sessão valem muito, muito a pena!

Guardarei para sempre as toneladas de clímaxes deste filme, seus personagens dúbios e encantadores, sua reconstituição sonora preciosa, sua direção de fotografia impecável, sua magnificência muda, suas interpretações mágicas, seus jogos impressionantes com as palavras, seu perfeito senso de ritmo fílmico, sua existência perfeita enquanto obra de arte carregada da aura que não mais se confina a um único receptáculo. Obra-prima, pura e simplesmente. Recomendo de pé, com a alma em enlevo!

Wesley PC>

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

“WHEN THE LIGHTS OUT (...) I’M STUPID AND CONTAGIOUS”

Até os meus 19 anos, mais ou menos, quando eu me sentia desolado, eu costumava subir na mangueira do quintal de minha casa. Às vezes, eu aproveitava o ensejo para bisbilhotar o vizinho da frente se trocando com a porta aberta, num quarto de andar, mas, mesmo quando não havia este incremento erótico-voyeurístico, costumava obter paz na copa daquela árvore tão imponente. Já cheguei, inclusive, a passar os minutos cruciais de uma virada de ano neste lugar, sentindo pena de mim mesmo e sendo consolado por mim mesmo, ao mesmo tempo. Até que, um dia, o vizinho do fundo aproveitou um qüiproquó para denunciar-me à polícia, insinuando que eu subia na árvore, tarde da noite, para fumar maconha. Nada contra, mas era mentira. E eu desgosto de mentiras. E, depois desta denúncia, tive que ficar mais cuidadoso em relação às minhas terapias arbóreas noturnas, cuidado este que também tem a ver com o fato de eu ter sido flagrando em plena atividade ‘voyeur’ pelo desnudo vizinho da frente...

Pois bem, na tarde de hoje, minha mãe pediu que eu subisse novamente nesta mangueira, para colher alguns frutos maduros, antes que estes caíssem e fossem devorados por nossa cabrita. Lá em cima, percebi que alguns galhos da mangueira foram cortados, que outros foram devorados por cupins e que eu não possuo a mesma destreza de outrora enquanto escalador. Mas como me foram apaziguadores aqueles instantes pragmáticos em que estive sobre aquela árvore companheira, que me legou tantas e tantas lembranças positivas e uma nostalgia sobrevivencial que tem muito a ver com esta desolação clicherosa que sempre me toma de assalto aos finais de anos... Foi bom!

Antes de subir na tal mangueira, eu estava a ler alguns capítulos do deslumbrado livro midiático do comunicólogo Henry Jenkins, “Cultura da Convergência” (2006), no qual ele diferencia espectadores/consumidores casuais dos fiéis e dos zapeadores. E, logo em seguida, que estas categorias não são estanques, que todos nós trafegamos entre uma e outra categoria, se bem que, na maioria das vezes, eu sou fiel: quando me sento diante da TV para ver algo, este algo é o que quero ver e é o que eu efetivamente vejo. Estava vendo algo quando minha mãe pediu que eu subisse na mangueira. E como foi bom interromper o que estava fazendo para atendê-la...

Wesley PC>

DOURADO, Luiz Ângelo. “HOMOSSEXUALISMO E DELINQÜÊNCIA”. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1963 (página 72), OU ALGO BEM ALÉM/AQUÉM DISSO:

“O verdadeiro objetivo da ciência é beneficiar o homem, mas é preciso, também, que o homem esteja preparado para compreender e assimilar os postulados científicos. Sem o preparo prévio do grupo social, é muito pouco provável que se destruam falsos ‘tabus’ e preconceitos inconsistentes. E este preparo só poderá ser conseguido com uma política educacional que tenha em mira a multiplicação das escolas e a educação rela do povo, no bom sentido moral e científico. Do contrário, chegaremos ao paradoxo de encontrarmos em um mesmo grupo social, de um lado, reduzidíssima elite com elevado adiantamento científico e, de outro, a grande massa analfabeta e ignorante, presa fácil de qualquer absurdo que lhes gritem aos ouvidos e de todos os preconceitos medievais repetidos, automaticamente, de geração em geração”.

Em outras palavras, o que foi dito acima pode ser aplicado em contextos bem mais gerais do que aquele pretendido pelo título do livro. Por exemplo: hoje externei a alguns vizinhos que, desde pequeno, eu nutro um anseio por ser evangélico. Eles acharam tal anseio incondizente com minhas posturas comportamentais, mas o problema da inaceitação desejosa perpassa por desentendimentos que vão além/aquém da definição de “evangélico” por mim pretendida. Talvez eu precise dar um descanso cibernético para mim mesmo: minha mãe pediu que eu passasse pelo menos uma manhã sem ligar o computador. Creio que esta quarta-feira é uma boa oportunidade de tentar pôr esta admoestação em prática. Neste intervalo, gostaria, se possível, de pedir que, se alguém identificar a que filme pornográfico europeu pertence a imagem acima, que me indique o nome do mesmo(risos). Na verdade, ela faz parte, enquanto corruptela autoral, do curta-metragem “Jardim das Vulvas”, que eu realizei, ao lado de alguns colegas de curso, em 2002. No roteiro, a intenção metafórica do fotograma é óbvia, creio. Até mesmo quem me conhece superficialmente sabe o que eu quis dizer com isso: é um pedido comunal de socorro. SOCORRO, POR FAVOR!

Wesley PC>

“TU JÁ GASTASTE CADA NOITE DE TUA VIDA, SOZINHO, CHORANDO POR CAUSA DE UM AMOR VERDADEIRO QUE NUNCA CHEGA?!”

Glupt!

Em mais de um sentido, eu acho a cinessérie protagonizada pelo ogro da Dreamworks um embuste. Porém, no plano cinematográfico, sou obrigado a admitir que, mesmo se equivocando e se assumindo como produto mercadológico ferrenho, cada um dos quatro filmes possui verdadeiros achados moralistas, dignos dos panegíricos mais crentes por parte de pessoas que, como eu, acreditam na porcaria do “amor verdadeiro”, definido como um conto de fadas pela personagem de Cameron Diaz, a princesa Fiona. Por que acho que haja um embuste por detrás desta cinessérie? Vejamos:

Não vou mentir que ri muito diante de “Shrek” (2001, de Andrew Adamson & Vicky Jenson). Gargalhei, pura e simplesmente, nas várias vezes em que eu o reassisti. Porém, incomoda-me o discurso de alguns críticos deslumbrados no que tange à suposta iconoclastia narrativa do filme, que, na verdade, é apenas um truque para vender o mesmo (bom) discurso de auto-ajuda familiar caro à maioria dos produtos hollywoodianos. Se eu não escutasse estes ditos críticos, ficaria mais tranqüilo em relação ao filme. Aliás, intranqüilo ou não, ele merece pelo menos nota 9,0. É ótimo, repleto de tiradas e atuações geniais!

Em relação a “Shrek 2” (2004, de Andrew Adamson, Kelly Asbury & Conrad Vernon), já nutro uma antipatia direcionada. Irrito-me sobremaneira com a distorção do discurso de aceitação das “pessoas como elas são”, quando o próprio enredo é incapaz de manter um casamento entre o ogro e a meio-humana Fiona, até que ambos estivessem no mesmo patamar racial. Se deu certo com o burrico que se apaixona e se reproduz com uma fêmea de dragão, por que não daria certo com eles, “do jeito que eles realmente são”? Na verdade, minhas insatisfações com este filme são mais direcionadas, mas acho que este pequeno detalhe já explica o porquê de eu sair esbravejando da sessão, quando o vi no cinema, há seis anos, que abomino esta tendência hollywoodiana de inverter pretextos narrativos espúrios para engendrar continuações monetifágicas. Mas os personagens e as tiradas continuavam ótimos. Calei a boca, dando mais ou menos nota 6,0!

“Shrek Terceiro” (2007, de Chris Miller & Raman Hui) foi mal-falado até mesmo pelos críticos que se derreteram pelos aspectos “errados” do primeiro filme, mas eu gostei bem mais do que o segundo. Achei que a inveja do Príncipe Encantado e da Fada-Madrinha foi mais bem delineada neste segundo filme, que, sim, beira a iconoclastia, ao escancarar os estratagemas ideológicos que justificam a disseminação de “contos de fada” ao longo dos séculos. Ri em diversas cenas e fui tocado por uma forte identificação tragicômica com a majestosa cena em que um rei transformado em sapo falece. Leva um 6,5 bastante digno.

E, por fim, “Shrek Para Sempre” (2010, de Mike Mitchell), filme que acabo de ver e que contém o questionamento acima relatado, que fez com que tudo o que eu escrevi até então fosse redirecionado para outra área, mais íntima, mais pessoal, mas dolorosa de minha existência (ou persistência) espectatorial: chavonado em mais de um sentido, este é um daqueles filmes que levam-nos ao conformismo benfazejo, que nos obriga a perceber que os incômodos de nosso cotidiano são positivos em relação à execução voluntária dos papéis sociais para os quais nossa vontade foi escalada por meios que não conseguimos deixar de entender como voluntários, quando foram sutilmente coagidos ao longo dos mesmos séculos e séculos de ideologia disseminada através dos referidos contos de fada. O tal do “verdadeiro amor” existe? Enquanto praga de fim de ano, pensei muito nisso esta semana, mas, por alguns momentos, o filme me tranqüilizou, ao me fazer gargalhar na seqüência em que Pinóquio pinta seu pai de verde e o entrega como se fosse um ogro quando é ofertada uma larga recompensa para quem entregar um destes seres ao vilanesco Rumpelstiltskin ou quando uma canção de Enya serve de fundo sonoro para um discurso do mesmo tirano. Gargalhei, mas, por dentro, eu estava devastado. E, neste momento, eu assumo: todo este texto é um largo embuste até aqui. Eu sou um embuste! E, sim, cara Fiona, eu já gastei muitas de minhas noites a chorar, sozinho, pelo tal amor verdadeiro que nunca chega... E como eu tenho medo de estar sendo egoísta por causa disto!

Wesley PC>

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O AMOR ANTES E DEPOIS DE UM FILME DO JULIO MÉDEM – PARTE II: O QUE NÃO DÁ PARA FAZER, A GENTE FAZ ASSIM MESMO!

Definitivamente, eu não duvido nem por um segundo que “Os Amantes do Círculo Polar” (1998) seja um dos filmes preferidos de minha amiga Ayalla. É a cara dela, do começo ao fim. Cada segundo de filme! E, como tal, cabe aqui uma comparação entre o seu enredo maravilhosamente pecaminoso e uma “anedota”:

Imaginem que um moço ama outro moço e outro moço. Um os moços não gosta de quase ninguém e o outro até gosta, mas não de moços. Porém, o segundo moço deixa que o moço de que ele não gosta passe a língua em seu pênis, mesmo que ele tenha moças que, de vez em quando, deixem este mesmo pênis penetrar suas vaginas. Passar a língua neste pênis, na anedota em pauta, é uma demonstração de amor? Não sou eu que respondo.

Ouso comentar que fiquei comparando-me ao filme o tempo inteiro. Achei-o lindo. É ma trama repleta de coincidências e pecados. Um menino que ama uma menina. O pai dela morre. O pai dele se separa para ficar com a mãe dela. A mãe dele sofre. O pai dele será abandonado pela mãe dela num momento posterior da estória, quando eles já são considerados irmãos, mas se amam. Num dia, ela pede que ele escale uma janela para beijá-la. Ele o faz, ela está nua e não acorda. Ele está acordado e, reagindo ao vento, começa a se masturbar. Deita-se, e ela está na cama, nua. O que se antecede e o que se segue a esta seqüência são demonstrações de amor?

Como se quantifica ou se qualifica demonstrações de amor? E se o moço acima ama dois moços porque num destaca a parte de cima da cintura e noutro a parte de baixo? Aliás, é possível que haja amor de verdade de um moço por outro moço? Não sou eu quem responderá. Estou aqui para recomendar o filme, que é lindo, lindo, lindo...

Wesley PC>

O AMOR ANTES E DEPOIS DE UM FILME DO JULIO MÉDEM – PARTE I: NAS PALAVRAS DE OUTREM

Acabo de ver “Os Amantes do Círculo Polar” (1998), elogiadísismo filme do diretor espanhol Julio Médem e, numa cena em que os ditos “irmãos” que se apaixonam compram um presente para a mãe de um deles, aquele coração vermelho me trouxe à mente a canção do grupo paulistano Língua de Trapo que segue abaixo, a mesma banda que, nesta semana encantou-me com os versos mulher de amigo meu prá mim é homem. Por isso, você é o homem de minha vida (risos). Segue letra integral de “Eu Amo Esse Homem”, uma das diversas obras-primas tragicômicas e românticas do grupo:

“Eu amo esse homem, Deus sabe como o quê
Me deu casa e comida e uma estrela do PT
Eu gostei tanto dele ter me dado a estrelinha
Não sei pra quê que serve, mas achei tão bonitinha

Cedinho vai pra escola, estuda engenharia
Mas quando chega à tarde, a roupa tá passadinha
O assoalho está brilhando e a comida está na mesa
Eu amo esse homem, disso eu tenho certeza

Eu amo ele tanto, nem posso acreditar
Ele me quer tanto bem, nem me deixa trabalhar
Me dá tantos perfumes e roupa decotada
Que eu só posso usar dentro da casa fechada

Eu amo esse homem, Deus sabe como o quê
Me deu casa e comida e uma estrela do PT
Eu gostei tanto dele ter me dado a estrelinha
Um dia desses, à tarde, comi ela com farinha”


Preciso explicar por que gostei tanto da canção e do filme ou a combinação entre fotograma e letra já basta? Pelo sim, pelo não, a postagem seguinte segue com o mesmo assunto...

Wesley PC>

PARA O MEU PRÓPRIO BEM, “TANTO A FAZER EM TÃO POUCO TEMPO”...

Ainda há pouco, vi frustrado o meu anseio de assistir a um filme ‘pop’ fubenga que eu queria ver num canal fechado. Meu irmão chegou do trabalho, para almoçar, e ligou a TV num canal esportivo. Preferi não criar um conflito desnecessário, visto que ele tem mais necessidade de estar afastado do tédio do que eu. Deixei ele para lá e declinei de meu anseio. Afinal de contas, filmes ‘pop’ repetem-se com freqüência, mais cedo ou mais tarde, estarei vendo o filme que acho que quero ver...

[PAUSA]

Escrevi o parágrafo acima às 13h12’. O filme que eu desejava ver começara às 13h. Às 13h18’, olhei para o lado e percebi que meu irmão já estava quase dormindo, em minha cama. Não pensei duas vezes, afastei-me do computador, peguei o controle remoto da TV e sintonizei no canal fechado FX, onde estava sendo exibido o filme que eu achava que queria ver: “Os Estragos de Sábado à Noite” (1998, de John Fortenberry), protagonizado por um Will Ferrell em início de carreira. Suspeitava que o filme fosse ruim, mas insisti em vê-lo mesmo assim. Guardava uma memória afetiva de seu título nacional, visto que, além de apreciar paródias fílmicas bem-feitas, foi um dos primeiros títulos que vi anunciado numa exibição local, quando entrei para a universidade. Para meu desagrado, porém, o filme não somente é demasiado sem graça, como não tem quase nada de paródico, sendo muito inferior ao esquete do programa humorístico de TV “Saturday Night Live”, do qual deriva. Mas não me arrependo de ter visto o filme. Eu queria...

Para cada filme extraordinário que vejo, cinco ou sete filmes ruins o circundam. É como se eu precisasse deles para manter um certo equilíbrio qualitativo, como se meus parâmetros avaliativos só pudessem ser considerados “honestos” se eu me submetesse também a ver filmes ruins. Por isso, os vejo, mesmo sabendo que eles são ruins. E, confesso: às vezes, me surpreendo com 2 ou 3 deles, ao detectar protótipos de inteligência sub-reptícia obnubilados pelas fortes exigências mercadológicas dos mesmos. O que me leva a outro dilema: se disponho de um tempo tão restrito para ver meus filmes, não seria o caso de ser um pouco mais seletivo? Sim, ousaria dizer, mas, desde pequeno, sempre tive medo de confundir os significados pragmáticos de seletividade e preconceito.

Pelo sim, pelo não, sou bastante seletivo não somente em relação ao que vejo ou ouço, como em relação ao que faço como um todo. E, nestes quatro dias finais do ano 2010, ainda tenho tantas pendências artísticas para compensar... Tenho muito o que fazer ainda, mas que isto não implique que estou (in)satisfeito com o que já fiz até então. Não me suicidarei este ano, garanto! Nem que eu precise repetir isto para mim mesmo 517.012 vezes por dia!

Wesley PC>

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

“SEM ISSO [A “PISTOLINHA DE CARNE”, A RÔLA], MEU FILHO, NÓS NÃO SOMOS NADA, NADA!”

Apesar de o nome do filme ser “A Última Mulher” (1976, de Marco Ferreri) e de a protagonista do mesmo ser a deslumbrante Ornella Muti, que exibe seu corpo fenomenal para a câmera em diversas seqüências, quem manda no filme é o jovem personagem de Gerard Depardieu. E, quando digo “manda”, quero ser mais do que literal: o operário Gerard manda no filme! Protesta no trabalho que os patrões e sindicalistas parecem ter feito um acordo para prejudicar os funcionários, cumprimenta-se com seus amigos defendendo a libertação chilena, vive sozinho em casa com seu filho pequeno, mas... Como é machista! Manda e desmanda em tudo e todos, desfilando a torto e a direito a sua superioridade fálica, a ponto de, depois de passar diante da tela da TV várias vezes, minha mãe perguntar, escandalizada: “por que este homem fica nu o tempo inteiro?”. Só vendo o filme para entender, Rosane!

Obra-prima: eis o que é “A Última Mulher”! Definitivamente, um filme que deve ser visto por qualquer um que reivindique modificações socialistas ou sindicais ou que ame uma mulher mas sinta ciúmes dela. Um filme definitivamente obrigatório, que eu não sabia que existia, como sói acontecer com algumas preciosidade européias mui contestadoras, até este ano. Como me faria bem ter visto este filme na adolescência! Um dos filmes que melhor utiliza discursivamente a nudez masculina em toda a História do Cinema, quiçá da Arte [bem mais do que o exibicionista e quase pornográfico “Sem Cortes” (2003, de Gionata Zarantonello), por exemplo, que focaliza em ‘close-up’ um pênis da primeira à última seqüência!], que culmina numa seqüência bem mais felizmente previsível que o escandaloso discurso publicitário do cartaz do filme: “amor, ódio, solidão, humor, sensualidade. Nada irá te preparar para o devastador clímax”. Para mim, prepara sim – e muitíssimo bem: o filme me deixou em perpétuo estado de estupor!

Naquela que talvez seja a minha seqüência favorita, Gerard recusa-se em aceitar de volta, em sua casa, a mulher por quem se apaixona freneticamente, mas esta se atira nua sobre ele, que a desdenha, a recusa, corre para a cozinha, abre uma revista pornográfica lésbica em que mulher sugam as vaginas umas das outras, e tenta se masturbar, mas não consegue se concentrar. Na cena seguinte, ele precisa besuntar seu órgão sexual com pomadas e ungüentos, tamanho o excesso de uso. Ah, se eu tivesse visto este filme com 12 ou 15 anos de idade, como eu aprenderia sobre a “alma masculina”, que tanto me encanta e me fascina. E que está dentro de mim também, aliás, convém acrescentar.

Tentando encontrar um paralelo com outros filmes, o entrecho de “A Última Mulher” e uma mistura de “Lua de Fel” (1992, de Roman Polanski) com “Anticristo” (2009, de Lars Von Trier), perpassado por situações de descoberta e desconhecimento sexual caras a “A Lagoa Azul” (1980, de Randal Kleiser), sendo ainda mais veemente em sua selvageria erótica que os três filmes juntos, sem qualquer demérito comparativo para cada um deles. Não preciso acrescentar que “A Última Mulher” tornou-se um dos meus filmes favoritos, preciso? Uma aula sobre o que é ser homem, ter um homem, desejar um homem. Como me identifiquei com a seqüência em que Gerard põe seu filho de menos de 2 anos de idade para beijar a vagina de sua amante Valerie. Se eu tivesse um pai, ele teria feito o mesmo comigo, teria me ensinado algumas proposições básicas sobre masculinidade, teria me direcionado a admoestação preventiva que intitula esta postagem? Obra-prima!

Marco Ferreri é um gênio, Ornella Muti é deslumbrante, e o corpo perenemente nu e flácido do jovem e rechonchudo Gerard Depardieu é um troféu mnemônico para os meus orgulhosos e frustrados desejos amorosos recentes! E tu sabes do que estou a falar, não sabes?

Wesley PC>

HOJE EU ACORDEI AO SOM DE FIONA APPLE ...

“You'll never see the courage I know
It's color's richness won't appear within your view
I'll never glow the way that you glow
Your presence dominates the judgements made on you”


Eu tinha uma promessa agendada para as 8 horas deste domingo, mas não dormi bem na noite anterior. Os efeitos do excessivo consumo etílico e toxicômano de meu irmão caçula, anteriormente descritos, manifestaram-se em sua previsível tendência incômoda a partir das 4h da madrugada de hoje. Queria dormir – precisava, aliás – mas meu irmão vomitava bile, pedia água, suplicava para que lhe prestássemos cuidados que poderiam ser evitados se ele nos ouvisse antes de se enfurnar no arsenal de drogas degenerativas que ele insiste em consumir sempre que está de folga. Mas, família que é família não abandona o ente querido. E eu terminei acordando muito tarde, com mensagens acumuladas em meu celular. “Fica para outra vez”. Assenti. Não foi culpa minha, mas é como se fosse sempre minha culpa. “Criminal” foi a faixa pensamental imediata. Tentei seguir o meu domingo, ouvi Fiona Apple o restante do dia. Gosto da melancolia do “Tidal” e, ao telefone, bem que poderia recomendá-lo a um amigo ranzinza. É um disco que me encanta e me faz projetar memórias de uma pessoa real. Uma pessoa real, com a qual meu contato é predominantemente virtual. Mas hoje não houve contato. Hoje eu me controlei e não enviei sequer uma mensagem para ele. Por dentro, eu tinha um motivo e, por fora, eu repetia a letra da faixa 07 do disco, “Never is a Promise”, para mim mesmo, como se fosse uma justificativa. Não era, mas eu tinha que lavar pratos, tinha que comer arroz com repolho roxo, tinha que ensaboar os testículos, tinha que deitar no sofá do vizinho e acariciar seus cabelos molhados, tinha que tomar conta do cachorro, tinha que seguir em frente...

“Tu nunca viverás esta vida que eu vivo/
Eu nunca viverei a vida que me desperta no meio da noite/
Tu nunca ouvirás a mensagem que eu te envio/
Tu me dirás que será tão ruim que eu deveria desistir dessa luta”


Mas eu não farei isso: e nunca é uma promessa!

Wesley PC>

domingo, 26 de dezembro de 2010

QUEM É JEAN-LUC GODARD: “FILME SOCIALISMO” (2010) – “AS COISAS COMO ELAS SÃO”: “POBRE VAKULINCHUK”!

Entre o filme de Jean-Luc Godard que vi na madrugada de hoje e aquele a que tive acesso na manhã de hoje, 44 anos se passaram. Em 44 anos, muitas ilusões são perdidas, para além do que Honoré de Balzac teria oportunidade de descrever em qualquer um de seus livros, ideais para serem lidos em frente a postos de gasolina, onde lhamas pastam e documentaristas africanas deambulam...

Em mais de um sentido, “Filme Socialismo” não é um filme difícil. De outra forma, é até perfeitamente legível para quem teve acesso à obra de Jean-Luc Godard através de um patamar linear, percebendo as sutis diferenças e interpenetrações entre uma fase e outra, dentro da taxonomia que eu antecipei alhures. “Filme Socialismo” é um filme contemporâneo, globalizado até, e, como tal, emula a decadência, vivencia a decadência, experimenta a decadência – mas, genial como seu diretor consegue ser, não se rende a ela: é superior a ela, conforme demonstra numa impecável seqüência conclusiva em que o logotipo do FBI contra a pirataria cultural é contrafeito por um típico letreiro godardiano: QUANDO AS LEIS NÃO SÃO JUSTAS, A JUSTIÇA ANTECIPA-SE À LEI. Estamos autorizados a fazer o que quisermos como este filme, visto que é justamente o diretor por ele responsável que cunhou um de meus apotegmas culturais favoritos: “não acredito em direitos autorais, mas em deveres autorais”. Deveres autorais. Ponto. E estes definitivamente ululam neste filme!

Difícil, por outro lado, é escolher a cena mais genial do filme, aquela que melhor diagnostica seu ‘état de choses’, em diálogo prenhe com o recorrente díptico frasal (“des choses/ comme ça”) que atravessa quase toda a produção: numa cena, Patti Smith afirma que a guerra é a negação da arte; noutra, uma criança loira e mimada conduz uma orquestra no interior da garagem de sua casa, vestindo uma camiseta com estampas russas; numa terceira, uma mulher mia diante de gatos vistos no computador; numa quarta, pessoas fazem aeróbica diante de uma tela de TV, num palco improvisado no centro do navio em que se passa a maior parte da trama. Alguém disse que este filme não funciona em conjunto, mas sim pela análise isolada de suas partes. Eu discordo veementemente: “Filme Socialismo” é um filme que vai de encontro ao Capitalismo, no sentido de que entende que a arma mais efetiva deste último é a separação dos povos e culturas. “Filme Socialismo” amalgama e, nesse sentido, dialoga sobremaneira com uma das obras-primas de Manoel de Oliveira, “Um Filme Falado” (2003), em que cada um dos personagens comunica-se em sua língua pátria e são entendidos, mas não salvos da morte por terrorismo internacional, religioso e reivindicativo. Jean-Luc Godard e Manoel de Oliveira têm muito em comum, mas isto seria assunto para uma tese de doutorado, não para uma mera postagem emergencial de ‘blog’ subjetivista.

Infelizmente, porém, as legendas disponíveis para este filme são exageradamente elípticas e não traduzem a pletora de idiomas e citações que abundam neste filme. Este comportamento elíptico, aliás, foi tão ostensivo que cheguei a pensar que o mesmo fosse proposital, sugerido pelo diretor, que, noutra oportunidade, manifestou-se contrário à legendagem dos filmes, visto que estas palavras impostas sobre a tela maculariam a imagem. Declaração típica de gênio, de purista, de utópico, de sonhador... E Jean-Luc Godard é tudo isso. Além disso, se refletirmos com calma. Eis um filme que radiografa por dentro as esperanças que ainda podem ser depositadas sobre a conversão positiva do século XXI, mas... Quem se dispõe a vê-lo? Quem possui o arsenal teórico e/ou videográfico para compreendê-lo? Infelizmente, a intenção aqui é bem maior que a realidade e, infelizmente, no mundo real, as leis – mais corruptas do que injustas – são quem ditam as leis. Por menos tautológica que esta afirmação pareça...

Wesley PC>

QUEM ERA JEAN-LUC GODARD: “MASCULINO-FEMININO” (1966) – “O TRABALHO HUMANO RESSUSCITA COISAS MORTAS”

Tendo visto e reverenciado a maior parte dos filmes godardianos, ouso taxonomizar seus longas-metragens em cinco fases distintas, mas de difíceis distinções entre si: a fase teórico-reflexiva do espelho, a fase ativista desconstrutiva, a fase da transição marital televisiva, a fase da metalinguagem naturalizada e a fase hodierna, religiosa e eletrônica. Ainda não pus no papel esta minha taxonomia pretendida, mas as bases são estas e, obviamente, o filme que acabo de ver pertence à primeira fase. “Masculino-Feminino” (1966) é um típico filme especular, em que, num momento de sublime autoconsciência crítica, um letreiro invade a tela: ESTE FILME DEVERIA SE CHAMAR ‘OS FILHOS DE MARX E COCA-COLA'. Jean-Luc Godard é e sempre foi um gênio político aplicado no próprio cotidiano!

Por causa de problemas relacionados à gravação do DVD em que estava contido o filme, tive que assisti-lo sem legendas e, definitivamente, a minha compreensão da língua francesa não comporta o excesso de citações literárias típica dos filmes godardianos, mas, ainda assim, creio que consegui entender o básico. As deliciosas canções interpretadas por Chantal Goya e a beleza e o carisma eternamente juvenis de Jean-Pierre Léaud cativaram-me facilmente. E fiquei absolutamente chocado na cena em que, sentindo necessidade de urinar durante a projeção de um filme, o protagonista, definido como ”um jovem instável” abre a porta do banheiro e depara-se com dois homens se beijando. Fecha a porta, mija e, logo em seguida, não titubeia e escreve na porta do cubículo sanitário: ABAIXO A REPÚBLICA DOS COVARDES! Contra quem era esta admoestação repressiva? Nos filmes de Jean-Luc Godard, as perguntas são bem mais relevantes que as respostas!

Num dialogo tipicamente confinado entre homem e mulher, um pergunta à outra qual é o centro do mundo. Ela reclama que eles acabaram de se conhecer e, como tal, é muito cedo, para perguntas difíceis. Diante da insistência dele, ela responde: “o amor”. E ele retruca, dizendo que, se fosse ele a responder, teria dito “eu”. Eu não seria igual ao amor no que tange à centralização do mundo? Pensei durante este diálogo genial e tipicamente romântico, conforme acontecia demasiado nesta fase pontuada por espelhos da filmografia em longa-metragem deste brilhante cineasta.

Poderia elencar citações geniais por parágrafos e mais parágrafos, mas, como disse antes, meu entendimento do filme foi parcial, em razão de minha defasagem francófona quanto à transmutação dos contos de Guy de Maupassant em petardos contra a Guerra do Vietnã. Porém, não cansaria de dizer sobre este filme: genial, absolutamente genial! E não pude controlar o gracejo na cena em que o protagonista assina uma petição em prol da libertação de presos políticos brasileiros... Jean-Luc Godard na madrugada é algo que faz bem, muito bem. Que frescor!

Wesley PC>