sábado, 31 de dezembro de 2011

O ÚLTIMO FILME DE 2011 E O CONSELHO EMBUTIDO PARA 2012:

Neste mês de dezembro, coincidentemente, assisti a vários filmes em que o ator juvenil Zac Efron era o protagonista e calhou de justamente ele assumir o papel principal do derradeiro filme visto este ano. Ou seja, querendo ou não, algo em seu desempenho no filme “Eu e Orson Welles” (2009, de Richard Linklater) tornar-se-á o meu primevo conselho comportamental para 2012. Não sei o que ainda, mas algo havia naquele filme que me dissesse respeito...

No filme em pauta, dirigido por um cineasta ‘pimba’ que eu considero como “leve arquiinimigo”, no que tange à minha teimosia em admitir que ele é arrojado e criativo, para além de suas pretensões ostensivas e aparentes, o citado Zac Efron interpreta um garoto apaixonado por William Shakespeare que, em 1937, casualmente se torna membro do Mercury Theater, companhia teatral nova-iorquina de vanguarda dirigida por aquele que, em 1941, protagonizaria e dirigiria “Cidadão Kane”. Ocorre de ele se apaixonar por uma das protegidas do diretor e, como tal, entra em conflito direto com a sua petulância genial. Simples assim: por mais profissionalmente vilanaz que seja a tal personificação de Orson Welles, é como se ele tivesse motivos, razões e justificativas para ser assim, defende o filme. Era como se Richard Linklater estivesse a representar os seus próprios devaneios pretensamente autorais dentro de uma corrente dita “alternativa” do cinema hollywoodiano. Ele tem direito a este voto de defesa? Sim, tem. Ele me convenceu? Talvez. O filme te disse algo além disso, Wesley? É o que eu estou me perguntando ainda agora...

Nesta última semana de 2011, três acusações referentes ao meu sobejo de “exibicionismo sarcástico” ditaram a imposição da melancólica característica da época sobre mim: no trabalho, fui acusado de tirania infundada por um reclamante pérfido; na vida pessoal, duas pessoas muitíssimo relevantes e queridas afastaram-se de mim por causa de uma espécie de hipertrofia da precaução, receosas de que a minha língua solta e meu senso de humor ácido corroessem os novos direcionamentos de suas vidas. A mim, resta acatar, mais ou menos como fizeram os demais integrantes do Mercury Theater no filme citado. Fazer o quê?

Um detalhe interessante sobre tudo o que foi escrito anteriormente é que, após a sessão do filme, eu saí de casa para visitar uma amiga recém-divorciada que mora aqui mesmo no conjunto. Enquanto caminhava sob o sol, fui atingido por uma impressão de impotência muito forte, convertida numa timidez quase paralisante e numa impressão dominante de feiúra. Eu me sentia feio enquanto caminhava, muito feio, mas achava injusto deixar de seguir o meu rumo, cumprir a promessa de visitar a amiga necessitada de uma boa conversa. Afinal, cheguei em sua casa e, lá sentado, fui carinhosamente penteado por sua filha pequena. Quando estava voltando para casa, fui novamente afligido pela tal timidez, mas não sentia mais tão feio. Aí eu percebi que segurar a armação de meus óculos me causava a impressão de certa invisibilidade. Quanto eu me sentia constrangido por causa do olhar de alguém, bastava segurar os óculos que eu conseguia enfrentá-lo, ao menos provisoriamente. E aqui estou eu: que venha 2012!

Wesley PC>

"AS COISAS QUE EU NÃO SEI"...

São quase 3 horas da madrugada de domingo, último dia do ano. Fazem mais de 24 horas que eu não tomo banho. Não foi programado, não foi acidental, talvez nem precisasse ser dito, mas é verdade: sou obrigado a lidar com isso e, por extensão, quem está ao meu redor e me quer bem, também!

Anteontem eu fui à praia. No dia anterior, também. Tomei banho em ambos os dias com xampus diferentes. Hoje eu pretendo cortar o meu cabelo. Queria ficar moderno, parecer moderno, um corte em estilo 'degradée' que realçasse o estilo "'nerd' erótico" de meus óculos. Queria...

Na foto, eu e o irmão de um amigo, que completará 15 anos de idade amanhã. Alguns minutos antes de esta foto ser tirada, eu e o gurizinho em pauta jogávamos uma espécie de futebol com mãos e, num passo em falso, eu o derrubei na areia. Ele ficou agachado por um tempo, reclamando de forte dor na mão (caíra por cima do braço), mas, depois de algum tempo, se levantou e voltou para o jogo. Primeiro, éramos do mesmo time. Em seguida, éramos de times opostos. Divertimo-nos do mesmo jeito nas duas situações. É a mensagem!

O que me traz de volta ao título da postagem, retirada de um diálogo cabal do filme "O Segredo de Brokeback Mountain" (2005, de Ang Lee), quando o embrutecido personagem Ennis Del Mar diz ao seu namorado recôndito e inassumido que, se ele descobrir que o mesmo anda freqüentando bordéis homossexuais, poderia matá-lo num acesso de raiva. Esta sempre foi uma das cenas do filme em que eu mais chorei. Era um aviso... E eu sabia!

Wesley PC>

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

QUE BOM QUE EU NÃO ENVIEI AQUELA MENSAGEM?

Da primeira vez que eu tive acesso a qualquer imagem ou informação referente ao filme “Ressaca de Amor” (2008 – título nacional para “Forgetting Sarah Marshall”, de Nicholas Stoller), eu estava com um pênis na boca, literalmente. Não conhecia o filme nem sabia do que se tratava, mas logo me interessei pelo humor inteligente do filme, ressaltado pela presença em cena do sardônico Jason Segel, ator cuja beleza gorducha me lembra algo entre o saudoso Heath Ledger e o jovem Gerard Depardieu. Ou seja: sou tiete do Jason Segel e, por achar o humor do filme semelhante às obras originais e muito divertidas produzidas pelo Judd Apatow, fiquei com muitíssima vontade de vê-lo. Só não o fiz naquela oportunidade por causa do pênis em minha boca, que tinha outros programas televisivos para depois de sua gozada.

Alguns meses se passaram e hoje me vi novamente diante de “Ressaca de Amor”. Dessa vez, tinha uma colher de arroz com maionese na boca e minha mãe ao lado. Como eu suspeitava que o filme contivesse cenas apologéticas à masturbação, fiquei levemente constrangido com a presença dela. Tinha receio de que ela não entendesse o humor ácido do filme e muito menos a minha adesão em primeira pessoa gargalhante ao mesmo. Imaginei a mim mesmo em diversas situações do filme e, por causa disso, mas não só disso, gostei muito dele. Muito mesmo!

Durante os créditos finais, constatei o óbvio ululante e benquisto: o filme é, de fato, produzido por Judd Apatow! Uau! Roteirizado pelo próprio Jason Segel, o ponto de partida do filme é demasiado simples e pessoal: um músico sedentário se vê abandonado pela esposa após 5 anos e, incapaz de superar o seu trauma choroso, viaja para o Havaí e se hospeda no mesmo hotel em que ela está, ao lado do novo namorado. Providencialmente, ele conhece uma cordial e bela recepcionista (vivida por uma inspirada Mila Kunis) que, aos poucos, retribuirá ao seu amor sensível. Era certo que, além de rir bastante e me emocionar deveras, eu iria torcer para que eles ficassem juntos ao final. Muitíssimo bom o filme, recomendo-o de coração.

Infelizmente, assisti ao filme pelo vilanaz e conservador canal fechado TNT, o que implica em dizer que a duração adicional da produção seria interrompida por diversos e inconvenientes intervalos comerciais. Estava tão ansioso para ver o filme, que suportei este problema, além do fato adicional de o filme estar dublado. Mas ainda pior foi saber, ao final da sessão, que eu fui privado das convincentes, naturais e bem-situadas cenas de nudez frontal protagonizadas pelo Jason Segel. Puxa, além de bom ator, bom roteirista, bom músico e pessoa boa-pinta, ele ainda sabe fazer uso expressivo de sua genitália? Se eu era tiete antes, agora sou fã mesmo: vê-lo num filme agora é, para mim, garantia de qualidade!

Detalhe extra-sessão: enquanto via o filme, lembrava calorosamente de um rapaz com traços semelhantes ao ator em pauta, de modo que redigi uma mensagem burlesca e bêbada de celular, não enviada no derradeiro momento, por medo de um constrangimento responsivo que talvez me deixasse tão triste quanto ficou o protagonista do filme acima. A fim de não perder a oportunidade, segue aqui a transcrição da abobalhada mensagem:

Tava vendo um filme
E lembrei de tu também.

Agora uso óculos
Mero paliativo simplista
Omkt jadjm jrtngaemj...

Repare só no agouro:
Entrando num bloqueio
Inspirando com dureza
Nadando no ultraje
Ardendo e latejando,
Latejando e tremendo
Desculpa pelo nonsense
Omoplata brilha
!”


Assim mesmo, do jeito como está escrito. Imagina só o que me aconteceria se a mensagem fosse enviada (risos). E nada de pênis em minha boca, por ora...

Wesley PC>

IGNORANDO O COMENTÁRIO SOBRE “NO MORE WORDS”:

Apesar de eu ser bastante nostálgico e fetichista, neste final de ano de 2011, eu não me sinto tão motivado quanto outrem (ou como eu mesmo, noutros tempos) a elaborar postagens enumerativas acerca das melhores “algumas coisas” do ano que se passa. Hoje, especificamente, eu me sinto mais tendente a uma hipertrofia de coesão e, como tal, faço de conta (por algumas horas) que os momentos finais desta invenção do calendário gregoriano são meros momentos iguais a quaisquer outros, sendo injusta, portanto, esta sede de catalogação. É uma fase, uma defesa, desnecessário dizer de imediato.

No afã por refugiar-me das tais resoluções e/ou pendências anuais, rendi-me prioritariamente a uma superstição erudita: escolhi aleatoriamente um livro teórico na Biblioteca da UFS e hoje, sexta-feira, decidi que o leria até o momento de voltar ao trabalho, na segunda-feira, dia 02 de janeiro. O exemplar escolhido foi “Cultura” (1981), do marxista britânico Raymond Williams. Até agora, li apenas os dois capítulos iniciais (“1. Com vistas a uma sociologia da cultura” e “2.Instituições”), mas já me deparei com uma passagem conceitualmente epifânica e digna de menção apaixonada acerca do tipo de tema/dilema/apreciação que eu costumo publicar neste ‘blog’: “uma sociologia da cultura satisfatória deve atuar de modo mais rigoroso. Ela não pode evitar a presença estimulante de estudos empíricos e de posições teóricas e quase-teóricas existentes. Deve, porém, estar preparada para reelaborar e reconsiderar todo o material e conceitos tidos como verdadeiros, e para oferecer sua própria contribuição no âmbito da interação franca entre evidência e interpretação, o que constitui a verdadeira condição de sua adequação” (páginas 34-35 da segunda edição lançada no Brasil, em 2000, pela editora Paz e Terra).

Um pouco antes de ler o trecho destacado – que me encantou pessoalmente, insisto – li, com muita atenção e interesse, uma daquelas listas de melhores discos do ano 2011 e me deparei com uma resenha elogiosa do disco “Anna Calvi” (2011), obra homônima de estréia de uma cantora também britânica elogiadíssima por artistas que aprecio, como o trovador Nick Cave, os integrantes da banda Interpol e Brian Eno, que chegou a dizer que “o surgimento desta artista é o acontecimento musical mais importante desde Patti Smith”. Obviamente, é um exagero da parte dele, mas, diante de uma declaração dessas, como não me obrigar a ouvir este álbum o quanto antes? Dito e feito: estou na terceira audição consecutiva de “Anna Calvi” e, agora, já me sinto apto a comentar algo sobre ele, excetuando-se as considerações sobre a segunda faixa “No More Words”, que não constava da primeira cópia virtual do disco que adquiri.

Composto por apenas 10 faixas e durando 39 minutos em sua íntegra, “Anna Calvi” é um disco interessante sim, mas menos vanguardista do que eu pensei. É mais ou menos uma atualização da sonoridade patenteada e divulgada pelo grupo Siouxsie and the Banshees, cujo destaque supremo é a faixa 07, “I’ll Be Your Man”, repleta daqueles arroubos multirrítmicos que tanto me encantam. Sem contar que a letra da canção possui aquela melancolia ofertada que tanto me seduz (“In the day, I can be your lover/ In the night, these words are true/ And we wait, wait forever/ For night, I can find / I’ll be your man”). Um primor, simplesmente um primor!

Dentre as demais canções do álbum, os destaques são “Desire”, “Firs We Kiss”, “The Devil” e “Morning Light”, que tocam em temas que muito me incomodaram nestas últimas semanas, temas estes embalados por melodias que transitam entre o oitentismo ‘pós-punk’ e os timbres soturnos desta nova geração musicalmente influenciada por David Lynch, Gus Van Sant e Wong Kar-Wai, como a cantora declara em entrevistas. Não sei se o disco se tornará um dos meus favoritos, mas, no atual contexto, rompe muito bem as contraposições estudadas por Raymond Williams no que tange ao “meramente utilitário” X “artístico” ou “útil” X “meramente cultural”. E, ao final, “Love Won’t Be Leaving”...

Wesley PC>

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

“SEI LÁ... BICHA É MAIS SENSÍVEL, NÉ?”

PREÂMBULO: Dois amigos meus, ambos homossexuais e externamente afetados, estavam bebendo algo num bar do Centro da cidade de Aracaju, quando três cafajestes se aproximam:

“- Oi?
- Oi.
- Tudo bem?
- Sim...
- Eu e meus amigos preferíamos comer uma boceta, mas, como só tem vocês mesmo, a gente aceita. Que tal irmos para aquele motelzinho ali no canto para... (ele faz um gesto com as mãos, que quer dizer ‘foder’)
- Errr... Não, obrigado.
- Ah, vamos. Meus dois amigos têm o picão!
- Err... Não.
- Vamos, vá...

- NÃO!”


O diálogo acima foi ditado por um dos dois amigos envolvidos no convite indecoroso, na tarde de ontem, numa praia. Ele acrescentou que, ao final, diante de tanta insistência dos três cafajestes, ficou com medo de ser espancado ou perseguido. Por sorte, nada aconteceu e eles foram firmes em sua recusa sexual de baixo calão. Ligando a TV na manhã de hoje, me deparo com um filme brasileiro chamado “Os Machões” (1972, de Reginaldo Faria), que partem de um pressuposto inversamente imitativo: no afã por comerem uma boceta, três amigos mulherengos vão até a casa de um travesti, sem saber que ele, de fato, não é mulher. Quando estão beijando-o à força, um dos amigos vê o sutiã com enchimento cair e espanca o travesti até que ele desfalece. Quando o mesmo acorda, a idéia: “que tal vocês três se vestirem como viados?”. Eles aceitam e resolvem procurar emprego no mesmo salão de beleza e que o homossexual agredido (Márcio Hathay) trabalha...

A partir da obtenção dos empregos, o filme passa a contar três estórias paralelas: a primeira, protagonizada por Erasmo Carlos, o agressor do travesti, é a de um bigodudo que se finge de massagista ‘gay’ para fazer sexo com suas clientes, que, solitárias, sempre recomendam os seus serviços às amigas; a segunda estória é a do loiro boa-pinta vivido por Reginaldo Faria, que se torna, mesmo sem querer, um cabeleireiro talentoso e ganha a confiança de uma viúva macambúzia, que o contrata como embelezador particular, até que ele se apaixona por sua filha loira e juvenilmente lasciva; e a terceira estória é a do franzino personagem de Flávio Migliaccio, que se apaixona platonicamente por uma milionária obcecada por ficar nua, mas que duvida de sua sexualidade até mesmo quando ele se revela heterossexual. Ele insiste tanto, que ela anui em fazer sexo com ele, mas ele broxa. Passa a questionar a sua própria sexualidade, chegando mesmo a se vestir de mulher por uma noite, mas o desfecho do filme lhe concederá um benfazejo congelamento de imagem, ao som da canção “Mundo Cão”, composta por Erasmo Carlos e seu companheiro de Jovem Guarda Roberto Carlos. É um bom filme, apesar de tudo.

Apesar de a primeira estória ser previamente autorizada pelas fórmulas cômicas similares de tantos outros filmes e a terceira ser pitoresca e até um tanto dramática na identificação de objetivos perseguidos que alcança com a platéia, a segunda me pareceu delicada e muito complicada: primeiro, porque Reginaldo Faria é hostilizado por parecer homossexual, mas o filme não lhe dá voz de defesa geral (posicionando ostensivamente contra a homofobia gratuita, por exemplo), mas apenas porque ele não é ‘gay’; segundo, porque eventualmente a câmera focaliza os olhares tristes de pessoas coadjuvantes à sua imitação de efeminado, como a viúva interessada nele e o travesti agredido que o ama confessadamente. Aí eu percebi o quão inteligente é a direção do Reginaldo Faria, irmão do mestre Roberto Farias, por detrás de um roteiro machista e tão enganoso em seu talento legítimo: o filme adota uma forma deslocada de “narrativa indireta livre”, em que é facilmente distinguível a quem pertence o ponto de vista a partir do qual as estórias (em especial, a segunda) são narradas. Ou seja, o filme obviamente torce pelos personagens mulherengos, mas não toma partido completo deles. Isso só torna a recepção do filme ambígua: se hoje eu estranhei as opções controversas e “indefinidas” do diretor e roteirista, imagina então na época em que o filme foi lançado, quando a afetação homoerótica não estava tão em moda como hoje em dia... Juro: fiquei surpreso com o que vi. Pensei que fosse nutrir ódio pelo filme, pelos personagens, pela covardia do diretor, mas até que simpatizei deveras pela sinceridade argumentativa fugidia do mesmo. Recomendo-o, devidamente acompanhado de debate.

Wesley PC>

“O IMPORTANTE É AMAR” (1975, de Andrzej Zulawski): NÃO COMENTÁRIOS, MAS REVERBERAÇÕES...

Na primeira cena do filme, a personagem de Romy Schneider não consegue dizer que ama um dado moribundo. Chora, mas não consegue. Pede que não a fotografem, e não consegue. Era um filme dentro do filme e eu já previa que eu me emocionaria deveras diante deste filme: sou fã do Andrzej Zulawski e, até mesmo no mundo real, ele é caótico, explosivo, genial!

Não sei como resumir o que me tomou de assalto diante deste filme: é pessoal, é íntimo, por mais compartilhado que eu pretenda, o que eu senti aqui explode lá dentro. No máximo, o que poderei mostrar são as conseqüências. Muito corajosa a Romy Schneider!

“O Importante é Amar” situa-se entre dois maravilhosos filmes zulawskianos vistos anteriormente: o historicamente perturbador “O Diabo” (1972), em que gozos e assassinatos são cometidos em meio ao caos bélico; e “Possessão” (1981), em que gozos e assassinatos são cometidos em meio ao caos marital. Dois filmes foram suficientes para entender o estilo violento de interpretações posto em cena pelo diretor, em cujas obras os atores choram, se digladiam, sofrem, são vitimados por uma espécie particular e contagiante de epilepsia. Por isso, fiquei intrigado ao conhecer a trama deste filme, cujo título é infinitamente mais singelo que os demais. Mal sabia eu que encontraria ali o que eu pensava que encontraria de fato: genialidade corrosiva, pela qual se paga um preço sangüíneo e nerval. Amar dói, Andrzej Zulawski sabe disso muito bem!

Tentei escrever outro desfile de apologias sobre este filme, noutro canto, mas, quem disse que eu consigo ser fiel ao que estou sentindo? Talvez se eu utilizasse uma citação direta do filme, quem sabe? Não custa tentar: em dado momento, o fotógrafo (Fabio Testi) que se apaixona pela atriz desqualificada/subestimada do filme encontra-se com um amigo padecendo de ‘delirium tremens’. Este vive numa imensa biblioteca, ao lado do cachorro. Sua ex-mulher lhe traíra com o amigo em pauta. Angustiado, ele resolve comer ração de gato (“no rótulo dizem que faz bem!”). Ele passa mal – não por isso, diga-se de passagem – e morre, mas antes compõe um adágio genial, daqueles que fazem os companheiros de sessão tremer: “a solidão é a higiene da alma”. Quem teria coragem de dizer que não? O importante é amar!

Wesley PC>

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

EU, FÃ DO JEAN GARRETT, OU: BUSCANDO SENTIDO (ESTÉTICO) PARA A PERVERSÃO QUE É, POR MIM E NÃO SÓ POR MIM, SENTIDA.

Ontem à tarde, eu saí para visitar alguns amigos. Tinha como planejamento secundário não chegar muito tarde em casa, a fim de visitar também aquele que eu chamo de “meu fornecedor habitual de sêmen”, que não é vegetariano e costuma se masturbar em todas as vezes em que toma banho. Em 96% das vezes, para ser numericamente aproximado. Quando eu chego em sua casa e encontro-o com os cabelos molhados, isto equivale a uma declaração tácita de princípios eróticos: “tu não tocarás em meu pênis hoje!”. O consolo é que, como o rapaz é alto e bonito, resta muito o que fazer com o restante de seu corpo, ainda que, como bem diagnosticou um amigo, o fulgor seminal insiste por manifestar-se, de maneira que, nestas situações de consolo, volta e meia eu termino chateando-o por causa da minha insistência em pelo menos observar o seu pênis ainda avermelhado, admirar aquela glande recém-exercitada, ansiar pela sucção dalgumas gota renitente de esperma que talvez não tenha sido despejada no ralo do banheiro. E, por mais que eu saiba que isto é recorrente, volta e meia me vejo prisioneiro e algoz deste fulgor.

Pois bem, na noite de ontem, desci do ônibus por volta das 20h40’. Quando adentro a casa do “fornecedor” em pauta, percebo que o computador está ligado: um filme levemente erótico estava pausado após mais ou menos 35 minutos de projeção. Escutei o barulho do chuveiro ligado. Era ele! “Adeus, sexo oral por hoje”, pensei. Tendo certeza de que ele estava a derramar solitariamente o colóide precioso, fiquei hesitante se ia direto para casa ou não. Fiquei com receio que ele pensasse que eu estivesse vigiando-o. Após muito pensar, resolver esperar e me despedir dele do jeito certo. Conversamos um tantinho sobre o filme que ele estava vendo, alisei a sua cabeça perfumada de xampu, cheirei os seus cabelos crespos , dei-lhe um beijo no pescoço e saí, prometendo talvez voltar mais para tarde, para conversar um pouco, quem sabe? Quando eu tentei voltar, a porta de sua casa já estava fechada. Escutei que ele ainda estava a assistir o tal filme erótico romeno. Menos mal...

Voltando para casa, desejoso e levemente frustrado em minhas intenções erotógenas, lembrei que o Canal Brasil exibiria um filme erótico que eu ansiava por ver: “Amadas e Violentadas” (1975), dirigido pelo inteligentíssimo Jean Garrett e produzido e protagonizado pelo tesudo David Cardoso. Era o suficiente para eu me consolar um tanto mais. Conhecendo o diretor como eu já conheci (vide este artigo, sobre aquele que talvez seja seu melhor filme; e este, em que ele trabalha como ator e personagem sedutor), tinha certeza de que me veria diante de um filme não apenas genial em sua essência pervertida e analítica tupiniquim, mas também uma obra de arte genial, com ecos de F. W. Murnau, Alfred Hitchcock, Marco Ferreri e muitos outros cineastas. Dito e feito: apesar de ter dormido ao final-surpresa do filme, como sói acontecer nestas sessões tardias do Canal Brasil, consumi uma obra impressionantemente subestimada da cinematografia brasileira. “Amadas e Violentadas” é uma verdadeira jóia!

Na trama, David Cardoso, jovem e utilizando óculos, interpreta um escritor sexualmente recatado, traumatizado pelo assassinato da mãe adultera pelo pai, que se suicida em seguida. Autor de livros de suspense, em que mulheres costumam ser violentamente assassinadas por seus parceiros sexuais, este escritor é, na verdade, um assassino que utiliza suas mórbidas experiências pessoais como motriz de seus enredos. Logo na primeira cena, ele mata sua secretária e um amante dela com um extintor de incêndio. Numa cena posterior, ele estrangula uma fotógrafa depois de posar nu ao lado dela. Numa terceira, ele estrangula uma leitora, tudo com muito requinte e luz avermelhada. Mas o verdadeiro toque de mestre do diretor e roteirista Jean Garrett está numa cena que muitos consideram gratuita, mas que me surpreendeu deveras pela originalidade: enquanto dirigia pela cidade, o protagonista quase atropela uma adolescente que fugia de uma seita de adoradores satânicos. Ela pede abrigo ao escritor, que logo se vê apaixonado por ela. Numa dada madrugada, ele desperta ao som de tambores ritualísticos. A mocinha havia sido seqüestrada pelos satanistas, que planejavam sacrificá-la, até que o escritor mente e diz que a havia deflorado há dois dias. Eles a libertam, sem qualquer represália de qualquer uma das partes. E eu exultei: “caramba, tiveram coragem de fazer isso num filme brasileiro de tintura realista, uau!”. Atestei, assim, a minha admiração suprema pela inteligência do Jean Garrett.

Como eu disse, infelizmente adormeci na seqüência final do filme. Na última mesmo, justamente. Estou ansioso para que alguém consiga o filme e depois me empreste, visto que, pelo que li através de uma descrição sinóptica internética, o desfecho da trama confirma a progressão de inteligência analítico-pervertida que o diretor e roteirista vinha adotando nas cenas anteriores. E, mais do que ficar excitado diante deste ótimo filme, eu entendia a mim mesmo enquanto homem carente de sêmen. Boníssimo e terapêutico, além de genericamente genial!

Wesley PC>

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

“ESTE É UM DIÁRIO DE ÓDIO”!

Não sei o que se passava por minha mente quando me dispus a ver “Diário de um Banana” (2010, de Thor Freudenthal). Não cria que fosse um filme bom ou justo, mas até que ele não é de todo mau: o protagonista Zachary Gordon, com apenas 12 anos de idade, é uma gracinha e o intérprete de seu irmão adolescente e inconveniente, Devon Bostick, tem pelo menos uma seqüência intrigante, quando obriga o protagonista a cheirar o seu sovaco, depois de dois dias sem tomar banho. Estes colegiais norte-americanos são mesmo esquisitos, né? Mas há algo de pitoresco no filme, mesmo assim!

Ao contrário do que possa parecer, não me identifiquei com o personagem principal não. O tal do Greg Heffley é egoísta, traiçoeiro, mentiroso, metido a besta, presunçoso, esnobe, e muitos outros adjetivos que perderam a minha simpatia logo no começo. Mas tem uma cena em que ele canta “Total Eclipse of the Heart”, com uma voz aguda e quase feminina, que seduz qualquer um... Não é um bom filme de todo, mas também não é mau!

Quando eu comecei a escrever este arremedo de resenha, tinha até alguns argumentos organizados para defender a minha subsunção não-identificada ao filme, mas sinto dor de cabeça por causa dos óculos que utilizo desde ontem. Não sei se isso é normal, mas não sinto que estou enxergando melhor de óculos. Pelo contrário, aliás. Acho que vou largar esta porcaria fora, mesmo tendo me custado R$ 250,00. Isso é o que dá quando eu traio o meu pantim para-foucaultiano de rejeitar autoridade médica! Para piorar, a minha sinusite voltou a atacar e eu dormir mal, depois de uma noite de humilhações não-programadas, em razão de uma discussão com um vizinho, envolvendo delimitações de liberdade e publicidade no que tange ao ato disparatado de dançar músicas de baixo calão no meio da rua. Ele achava que estava em seu direito. Quando eu o fotografei, também achava. O resto é medo de nossas discordâncias sub-enraivecidas tornarem-se algo mais sério e, como sempre, deletério para mim. Sou um idiota, um banana que nem o tal do Greg. Acho que verei a continuação do filme, quando estrear na TV fechada (risos). Acho não: tenho certeza!

Wesley PC>

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

DEFEITUOSO OU NÃO, ESTE FILME ME FAZ/FEZ SONHAR DEVERAS!

Ontem à noite, “Ópera do Malandro” (1986, de Ruy Guerra) foi exibido num canal aberto. Apesar de ter sido fracasso de público e crítica à época de seu lançamento, nutro uma simpatia mui particular por este filme. Não é apenas porque o magnífico disco de Chico Buarque no qual ele é baseado é excelente e meu favorito não: gosto das soluções visuais adotadas pelo diretor Ruy Guerra. Numa delas, por exemplo, Cláudia Ohana e Elba Ramalho disputam numa arena ao som de “O Meu Amor”. A arena é vista por cima, enquanto a letra da canção fica reverberando em nossa mente: “o meu corpo é testemunha do bem que ele me faz”. Não consegui me conter: enquanto a cena se dava, enviei o referido trecho da canção para alguns amigos, os quais eu supunha que estavam vendo o filme na mesma sessão que eu. Alguns, de fato, estavam e se emocionaram da mesma forma. O filme é bom, insisto: o filme é muito bom!

Ao contrário dos meus amigos, eu desgostei das primeiras cenas protagonizadas pela Cláudia Ohana e não gostei muito dela como cantora, mas, de resto, fomos unânimes ao elogiar o desempenho anímico de Elba Ramalho e a ótima composição de Edson Celulari. O sobejo de ironia na cena final do filme e os lamentos platônicos de J. C. Violla como o subestimado travesti Geni são mais alguns dos pontos positivos deste musical prenhe de brasilidade e emoção, merecedor do meu afeto próximo, de minhas lágrimas de identificação enquanto cantarolo uma ou outra canção. “Viver de Amor” jamais me deixará mentir:

“Pra se viver do amor
Há que esquecer o amor
Há que se amar
Sem amar
Sem prazer
E com despertador
- como um funcionário

Há que penar no amor
Pra se ganhar no amor
Há que apanhar
E sangrar
E suar
Como um trabalhador

Ai, o amor
Jamais foi um sonho
O amor, eu bem sei
Já provei
E é um veneno medonho

É por isso que se há de entender
Que o amor não é um ócio
E compreender
Que o amor não é um vício
O amor é sacrifício
O amor é sacerdócio
Amar
É iluminar a dor
- como um missionário.”


Terminada a sessão, eu tentei dormir. Minha garganta estava inflamada, doendo e eu mijava o tempo inteiro. Minha mãe roncava de forma estranha, me deixando preocupado com sua saúde. Tentei acordá-la discretamente, mas logo me vi tendo um sonho erótico com um colega de curso de cabelos cacheados e moção sexualista supostamente incontornável. Desejei beijá-lo no sonho e, ao despertar, me senti estranho por ainda retroalimentar as sensações oníricas genitalmente estimuladas. Seria ainda por causa do filme? Por precaução, se me perguntarem se sou um transeunte, eu responderei: “não, não, eu sou puta, moço!”

Wesley PC>

domingo, 25 de dezembro de 2011

POIS TAMBÉM CABE A VIDA NUM FILME AZERBAIJANÊS...

“A 40ª Porta” (2008, de Elchin Musaoglu) não é um grande filme: é curtinho (dura apenas 82 minutos) e simplista em muitos aspectos, mas ficará cravado em minha mente como o primeiro longa-metragem azerbaijanês que vi. Na trama, um adolescente órfão recusa-se a permitir que sua mãe trabalhe como faxineira, sob pena de, assim, ela sujar a honra de seu pai. Ele torna-se, contra a vontade dela, lavador de carros e se envolve com um gângster local, mas, como bem notou minha mãe, o modo como ele se relaciona com sua progenitora é despótico. Ela, por sua vez, é excessivamente tolerante e submissa, mas não cabia a nós julgar a personagem sem analisar os dados culturais que a cercavam. Numa cena bonita, ela assopra a sopa de seu filho e deposita-a em sua boca, em largas colheradas. Numa cena mais bonita ainda, uma luz que vive piscando na escuridão de repente se torna uma luz piscando em meio à claridade. Mas, com exceção destas duas cenas bonitas, o filme como um todo é marcado pela mediania dramática, pela ausência do exotismo que eu buscava, posto que Baku, capital do Azerbaijão, é, também, uma cidade globalizada hoje em dia. Fica o aviso, entretanto. A boa intenção realista.

Wesley PC>

“TU JÁ FIZESTE SEXO COM UMA GIRAFA DIANTE DE UMA CRIANÇA?”

Eu não, mas, em algum lugar do mundo, deve haver quem tenha feito. A pergunta foi feita pelo cachorro que dá nome ao estranho seriado televisivo “Wilfred”, protagonizado por Elijah Wood, que interpreta um personagem solitário e tendente ao suicídio, que resiste em admitir a paixão que sente pela vizinha loira, dona do cachorro do título. Este cachorro, por sua vez, é enxergado como um homem vestido numa roupa de pelúcia pelo perturbado protagonista da série, da qual assisti apenas ao primeiro, nono e décimo episódios, sendo os dois primeiros incompletos. Digo mais: assisti aos tais episódios meio a contragosto, visto que detesto a interpretação caricata e grosseira de Jason Gann como o cachorro, mas terminei gostando do saldo psicanalítico geral da série.

No primeiro episódio, Ryan, o protagonista, tenta suicídio, mas sobrevive depois de, entre outras coisas, ter se masturbado no chuveiro. No nono episódio, ele recebe a visita de sua mãe, internada num manicômio há duas décadas, e esta confidencia que já o flagrara comprimindo o pênis contra a TV num ato primevo de masturbação. No décimo episódio, um mendigo viciado em heroína vasculha o seu lixo e deduz que pessoas reclusas são facilmente associadas a lenços grudentos, de modo que, numa cena seguinte, ele oferece a sua força masturbacional por vinte dólares. Acho que foi o suficiente para que eu nutrisse uma mínima simpatia pelo seriado. Afinal de contas, como bem pergunta a mãe de Ryan: “quem não se masturba?

Não sei dizer facilmente se é um bom seriado ou não, mas a boa composição do personagem de Elijah Wood é facilmente tendente à identificação por aqueles que ficaram acostumados a se sentir fracassados. De um modo ou de outro, este é meu caso. E livrar-me desta pecha impositiva talvez seja uma das minhas resoluções disfarçadas de Ano Novo. Creio que não terei gana de ver a segunda temporada (risos)...

Wesley PC>

sábado, 24 de dezembro de 2011

“ESSA ESTÓRIA É FICCIONAL, MAS EU GOSTARIA QUE TIVESSE ACONTECIDO”...


“Admito que ele manteve o tom de voz baixo durante a sua insistência renitente e, da mesma forma, nego que tenha gritado com ele. Não havia motivo para tal: se ele não estava gritando, não havia por que eu gritar. Entretanto, fui obrigado a ser cada vez mais incisivo em meu tom de voz a cada vez que ele repetia o meu texto infundado no afã por tentar me convencer a aceitar seu documento inautêntico. Ou seja, para uma pessoa que queria ouvir um sim em desacordo com as regras que sigo no trabalho, qualquer não firme parecerá uma grosseria. Quando tratou-se apenas de mera fidedignidade ao que o Edital exigia, único instrumento de poder do qual eu me servia naquele instante, ao contrário do que fui acusado. Mais: se ele reclamou de ter sido ‘repreendido’ em público, isso deveu-se a um erro de interpretação de sua parte, visto que, da mesma forma, fui repetidas vezes confrontado em público, por uma pessoa que se negava a entender a simples assertiva de que ele não atendia a uma clara exigência do certame para o qual pretendia se inscrever.”

O título acima faz parte da conclusão do belo curta-metragem “Eu e o Cara da Piscina” (2010, de William Mayer), visto na tarde de hoje, em meio a outros curtas-metragens ‘gay’, como, por exemplo, “E-Mail Express” (2002, de Barbara Marheineke), de onde retirei a imagem anexada a esta postagem, cuja epígrafe faz parte de minha defesa à Ouvidoria do local em que trabalho, diante de uma acusação estapafúrdia de mau atendimento. Sei que, ao menos neste caso, eu não estou errado, mas o modo como recebi esta denúncia me deixou perturbado: já não bastava o mal-estar natalino por si mesmo?! Mas deixe quieto: tenho outros curtas-metragens homoeróticos para ver!

A estória resumida no parágrafo destacado, portanto, é real, mas eu gostaria que não tivesse acontecido. No primeiro curta-metragem, brasileiro e mais recente, um rapaz fantasia com o seu melhor amigo heterossexual, quando ambos se banham num parque aquático. No segundo, alemão e produzido oito anos antes, um publicitário fotografa seu próprio pênis e envia a imagem, sem querer, para o setor de ‘brainstorming’ de sua empresa, que, naquele momento, estava justamente buscando o ‘slogan’ para uma campanha de asseio masculino. O jargão “o tamanho faz a diferença” garante a permanência do publicitário em sua empresa. Às vezes, atos falhos contribuem para o sucesso profissional. Tomara que a falsa descrição de um ato, por parte de quem me acusou, não me atinja negativamente. Não é hora para isso...

Wesley PC>

“A VERDADE, NADA MAIS QUE A VERDADE”...

Ontem eu recebi uma intimação da Ouvidoria da instituição em que trabalho: alguém havia feito uma denúncia grave contra a forma como eu atendo as pessoas, tachando-me de “loiro pintado que acha que tem o poder nas mãos”. Foi-me sugerido, no tal documento, que eu mesmo responda à acusação, mas minha chefa preferiu que eu só o fizesse após o nosso retorno ao trabalho, dia 02 de janeiro de 2012. E, até lá, ficarei angustiado em ser o mais preciso possível na alegação de meus argumentos defensivos, comprometendo-me com meu dever de falar sempre a verdade, ou algo que se assemelhe bastante a ela.

Quem me conhece pessoalmente ou me acompanha através deste ‘blog’, sabe que gosto bastante de meu trabalho. Não é uma tarefa fácil a que executo, entretanto: “lidar com gente é muito complicado”, sempre me dizem. Ser recepcionista de universidade é algo que me faz estar em contato direto com pessoas mimadas e/ou amparadas pelos vícios estatais oriundos da autoridade alheia ou da riqueza de outrem. Ainda assim, mantenho-me firme no que acredito. Sou legalista e intuitivo ao mesmo tempo: sinto prazer em ajudar quem merece ser ajudado (escopo este que, no plano democrático, abarca qualquer ser vivo). Mas às vezes é uma tarefa falha: eu erro, sou humano. Ontem mesmo, portei-me de forma desagradável ao telefone: uma mulher de voz arrastada com quem conversei no dia anterior acusara-me de tê-la sujeitado à humilhação na SETRANSP, em razão de eu insistir em explicar que o setor em que trabalho não é responsável pela correção do problema que ela reivindica. Por mais combalida que ela estivesse (além dos contratempos burocráticos, ela me contara que uma irmã estava na Unidade de Tratamento Intensivo de um hospital), ela era bruta comigo. Praticava o que os pedagogos chamam de “violência branca”. E, por estar realmente ocupado, estressei-me: “eu vou precisar desligar. Tenho uma fila imensa diante de mim. Qualquer coisa, procure-me pessoalmente que eu verei o que posso fazer por ti. Mas adianto: este problema não será resolvido aqui!”. Ela pediu licença e desligou o telefone. E eu fiquei com dor na consciência depois disso. Quando li a denúncia – estapafúrdia, afinal de contas – advinda de outra pessoa, insistente, intimidadora e chantagista, fiquei muito triste. Será que é isto mesmo o que eu quero fazer da minha vida: ser injustamente acusado quando os meus erros verdadeiros são ocultos e os demais acertos desgarram-se nos agradecimentos íntimos? Fiquei pensando nisso até agora.

Acordei na manhã de Natal preocupado em sentir-me deprimido, como sói acontecer. Não foi o caso: recebi mensagens gentilíssimas de pessoas que me fazem muito bem. Liguei a TV, meio que por acaso, e assisti a uma comédia espirituosa outrora recomendada por uma colega de trabalho. Tratava-se de um filme chamado “O Primeiro Mentiroso” (2009, de Ricky Gervais & Matthew Robinson), sobre um escritor gordinho e de nariz arrebitado que se sente um fracassado. Vive no século XXIV, numa sociedade asséptica em que todos, sem exceção, falam a verdade o tempo inteiro. Depois que é rejeitado pela mulher com quem tem um encontro romântico frustrado, ele é despedido do emprego e despejado de seu apartamento. Quando vai retirar o parco dinheiro que guardou num caixa de banco, depara-se com uma funcionária sorridente que lhe comunica que está sem acesso ao sistema geral do banco e, como tal, não tem como saber a quantia exata que ele tem depositado. Ele mente: praticamente triplica o valor e, mesmo após o retorno do sistema, ela não questiona a afirmação dele. Ninguém havia falado algo que não fosse verdade até então. “O sistema deve estar errado, senhor”, diz ela, entregando-lhe a quantia que ele solicita. Daí por diante, ele deduzirá que falar mentiras pode lhe render favorecimentos, inclusive no que tange ao auxílio provisório às pessoas que lhe cercam. E, graças a um rompante de espontaneidade emocional, diante da mãe moribunda, ele inventa a religião: ela está sofrendo um ataque cardíaco e ele lhe diz para não ter medo de morrer, pois ela “irá para um lugar melhor, onde todos os seus amigos estão e todos vivem em mansões”. Daí por diante, todas as pessoas querem saber mais sobre o que existe após a morte.

Até este ponto do filme, eu pensei que estivesse desgostando sobremaneira dele, por causa de suas apologias às “mentiras piedosas” (que eu não tolero como boas, diga-se de passagem) e pela típica associação indébita entre inteligência espirituosa e ateísmo crítico. Mas, aos poucos, fui percebendo que o esperto roteiro do filme não desmerecia a religião em si, mas sim a subsunção embasbacada das pessoas ao que falsos profetas apregoam nas ruas. E, sem querer atrapalhar as surpresas da estória para quem quiser ver o filme, adianto que o final é feliz. Não tinha como não ser, no contexto em pauta. Em dado momento, alguém grita: “foda-se o Grande Homem do Céu!”. E, num momento seguinte, o protagonista deixa a barba crescer e assemelha-se à efígie tradicionalmente associada a Jesus Cristo. E eu sorri nesse instante. Estou sorrindo agora, aliás. Deus é infinitamente bom comigo!

Wesley PC>

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A SUSPEITA DE QUE EU NÃO VOU AGÜENTAR OU AS BOAS NOTÍCIAS QUE SE ANUNCIAM...

Ou a suspeita de que eu não agüentarei justamente a conversão das prováveis boas notícias de um futuro recente em pesos conscienciosos atrozes. Como suportar? Como não se precipitar no que tange ao adiantamento das mazelas e injustiças que me cerceiam? Como?

Meio-dia: enquanto conversava com uma amiga sobre como foi bom e terapêutico ter saído com ela na tarde de ontem, uma lágrima quase escorria. Uma colega de trabalho perguntava o que me afligia. E eu me calava, sentido. O telefone estava tocando: alerta silencioso de mensagem de texto. Fui ler quase uma hora depois. E, mais do que o anúncio de um presente, havia ali a certeza sincera de um consolo. 13h46’.

Assim, por alto, alguém comentou que estaremos liberados do trabalho no período vespertino. Muitos comemoraram. Eu abaixei a cabeça. Fui beber água e, quando entrei num determinado cubículo para buscar um copo descartável, a tal lágrima escorreu. Não uma lágrima inteira, metade apenas. Meu irmão estava bêbado e irritado na manhã de hoje. Terá que ir para o trabalho em algumas horas. Quiçá estará ainda mais estressado. Problema dele. Ponto de interrogação. Estou sorrindo por dentro. Culpa da mensagem recebida e tardiamente lida. Antes tarde do que nunca. “Família”, diz alguém aqui do lado. Um irmão que fica completamente apaixonado pela irmã. “É filme de masturbação”, disse um amigo meu. 13h52’. Telefone tocando de novo.

Wesley PC>

PARA DORMIR, DEPOIS DE TER ME AJOELHADO UM TANTO – E NÃO FOI PARA REZAR...

Alguns filmes menores e simpáticos têm a capacidade de ficarem gravados com vigor nas zonas mais emotivas de nossas lembranças. Vi “Frankie & Johnny” (1991, de Garry Marshall) há muito tempo, uma vez só, mas jamais consegui esquecer da contundente explicação do personagem de Al Pacino sobre a sua relutância em gemer ruidosamente durante o sexo. Ex-presidiário e amargo, ele diz que, na cadeia, gemer alto pode ser perigoso. Assim, sutil e explicitamente. À sua companheira, magnificamente interpretada por Michelle Pfeiffer, restam o entendimento, a compreensão e as tentativas de gozo. No filme, há amor adulto e maduro, amor machucado e ferido, amor consciente dos ônus acrescidos ao processo de ressocialização. Pena que, hoje em dia, Garry Marshall esteja tão preguiçoso na condução dos filmes que dirige. A minha decepcionada crítica do seu filme mais recente, atualmente em cartaz nos cinemas, não esconde a minha frustração diante do seu mau envelhecimento. E, só para que conste dos autos, sim, sim, há pouco eu estive ajoelhado diante de um homem. Ele não gemeu. Nem eu. Infelizmente, faz parte do contrato...

Wesley PC>

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

“É COMO SE HOUVESSE PALHAÇOS EM MEU CÉREBRO, DEFECANDO ENTRE AS SINAPSES”...

Por volta do meio-dia, eu conversava com uma amiga de trabalho, formada em Direito, e lhe dizia que eventualmente tomo partido de alguns criminosos hediondos quando sinto que os mesmos agiram por causa de impulsos incontroláveis, ao invés de submeterem-se a premeditações criminais. Era a minha forma de confessar que intuo que serei preso um dia e que, neste evento, serei incompreendido pelas pessoas que acompanharão o escabroso caso através dos veículos de comunicação de massa tradicionais. Enquanto eu conversava com ela, um rapaz bonito nos assistia e, subitamente, ela resolveu dizer o que pensava sobre ele: “se nós estivéssemos num colégio de segundo grau, eu teria medo de ti: tu és demasiado bonito. Bonito e muito inteligente!”. Era mais ou menos o que eu também queria dizer a ele, mas o contexto talvez não permitisse tal rompante de ousadia e sinceridade. Assenti com a cabeça, apenas. O rapaz sorriu.

Qual não foi a minha surpresa ao, nesta noite trivial de quinta-feira, deparar-me com um gracioso filme alemão de nome “Vincent Quer Ver o Mar” (2010, de Ralf Huettner), cujo protagonista padece justamente de Síndrome de Tourette, um distúrbio psicológico que faz com que seus portadores sejam incapazes de controlar alguns tiques e pensamentos difamatórios acerca de outrem. O personagem em pauta é interpretado pelo belo Florian David Fitz, também roteirista do filme, que vive um personagem nove anos mais jovem que ele na vida real, apaixonado por uma anoréxica e causador de paixão num exagerado portador de Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Era como se a situação vivida mais cedo em meu setor se trabalho reaparecesse na tela, dotada de novos contornos patológicos. Deve ser culpa dos acasos forçados que estão relacionados com a paixão platônica. Mas o filme é bacana mesmo assim: eu e minha mãe ficamos contentes em vê-lo!

Wesley PC>

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

“GUITAR SOLO” (OU O QUE ENTRISTECE É A COMPARAÇÃO)

Eu estava evitando comentar algo sobre a terceira temporada do seriado “Glee”. Não que eu tenha deixado de assistir ou sentisse vergonha de tal, mas porque o encanto inicial obviamente decantou: agora eu percebo com muito mais evidência e irritação o quão comercial é este seriado, no sentido mais violentamente negativo do termo. Tomo por exemplo concreto o episódio que acabei de ver, o quinto da referida temporada (“The First Time”, 49º no total), em que três virgindades são anunciadas e ameaçadas: a virgindade da protagonista ambiciosa que enxerga o sexo como mero trampolim para sua carreira; a virgindade do menino ‘gay’ que quer que sua primeira penetração seja inesquecível; e a virgindade da treinadora masculinizada de futebol americano, que, apesar do que todos pensam, gosta de homens. Não sei se (des)gostei por completo do episódio, mas, em dia de publicação de resultado do Vestibular, algo nos rompimentos alegres de hímens que encerram este episódio fez com que eu me sentisse nojento: estive me comparando com os personagens – e, dentro dos critérios ali apresentados, perdi na comparação. Não é bem-feito para mim?

Dizendo de outra forma: não obstante eu ser plenamente cônscio de minhas limitações e de algumas virtudes, sou bombardeado o tempo inteiro por questionamentos acerca de meu comodismo subprofissional, de minha virgindade erotógena, de minha estagnação intelectual-acadêmica, de minha maturação mais geral, enfim. E, por mais que eu finja que isso não me atinja, que estou pouco me lixando para o que não me apraz, isso me deprime aos poucos, no sentido mais vendável do termo. Propositalmente triste, eu quero gastar. E nem assim eu me consolo: quais são os meus verdadeiros interesses? Nesta época que antecede a véspera das festas de fim de ano, eu tendo a me sentir confuso, solitário. Tanto que não tenho nem coragem de continuar esse texto, de pôr para fora o que me aflige aqui. Ouvirei “Halloweenhead”, do Ryan Adams, no caminho para o trabalho amanhã. De novo. Da primeira vez foi assim. Eu sou um idiota!

Wesley PC>

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

“ISSO VALE UM CONTO. ESPERE: ISSO É UM CONTO! ESPERE DE NOVO: ISSO É REALIDADE.”

Do texto titular acima, retirei apenas a frase final: “uma triste realidade”. Tratava-se de um complemento direcionado e responsivo em relação a um evento indignante que narrei através de uma mensagem de telefone celular. Vim para o trabalho, concordando com o aval do remetente da mensagem em pauta, e me deparo com a imagem acima, escolhida como uma das 50 melhores fotos jornalísticas de 2011 de uma dada publicação virtual. Fiquei encantado, fiquei apaixonado: há alegria, fervor, encanto em meio às tristezas da realidade!

No instante captado pela fotografia de Rich Lam, um rapaz consola a sua namorada em meio ao tumulto gerado pela perda de um time local de hóquei na cidade canadense de Vancouver, em 15 de junho de 2011. Eu não estive lá nesse dia, mas fui imediatamente transportado para o evento. Não apenas uma fotografia: isto vale um conto. Espere: isso é um conto (imagético)! Espere de novo: isso é realidade, uma salvaguardadora realidade!

Wesley PC>

ACONTECE NADA?!

Anteontem, dormi tarde por causa do filme que via na TV. Ontem, acordei cedo. Trabalhei bastante. Cheguei em casa no horário de praxe. Dormi cedo. Sonhei com ratos. Acordei no horário de praxe. Tomei banho no horário de praxe. Bebi água no horário de praxe. Cheguei mais cedo no trabalho. Tomei a decisão de ser feliz até o final do ano, a fim de driblar a depressão típica desta era natalina. Eis o que chamam de História...

Wesley PC>

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

REVALIDANDO NANNI MORETTI!

Na noite de ontem, reassisti ao maravilhoso filme de Nanni Moretti “Caro Diário” (1993), cujo terceiro episódio, “Médicos”, é focado na tragicômica peregrinação do cineasta por hospitais e consultórios médicos em busca da cura do prurido intenso que o aflige há algumas semanas. Por mais simples que pareça a sua moléstia, cada profissional entope o diretor-personagem de remédios inúteis e a procedimentos avaliativos cada vez mais esdrúxulos. Na manhã de hoje, fui encomendar o meu necessário par de óculos. Era como se a providencial e causal revisão do filme fosse um aviso...

Em verdade, estou sendo injusto em comparar a minha situação pessoal com a visita a uma optometrista e o tormento enfrentado pelo diretor: em verdade, fui muitíssimo bem-tratado e bem-atendido pela médica que me recebeu no sábado. Preço da consulta: 45 Reais.

Cheguei no consultório por volta das 8 horas da manhã. Havia apenas três pessoas à minha frente. Quando chegou a minha vez de ser atendido, a médica não soube o que fazer diante da minha visão bruxuleante do olho direito. “Espere um pouco, deixar eu pensar, viu?”. Rindo bastante, por causa de minha evidente hiperatividade, ela introduziu um esquisitíssimo aparelho em meu rosto, que me fez parecer um cavaleiro do Apocalipse, e me deixou aguardando e lacrimejando numa sala ao lado, forçando propositalmente a visão de meu olho direito, numa sala ao lado. Quando voltei a ser atendido, ela concluiu que eu sou vitimado por uma leve miopia no olho esquerdo e uma preocupante hipermetropia no olho direito. Preocupante menos por causa da necessidade de usar óculos do que por causa da minha falta de exercícios do cristalino ocular. A cada uma hora de atividades no trabalho, portanto, eu devo levantar de minha cadeira e focalizar um ponto distante. Estou obedecendo-a: não quero ficar cego, preciso enxergar bastante para ser feliz! E, na sexta-feira, receberei meus óculos: 0,5 de grau em cada lente. Ufa!

Wesley PC>

MORAL DA HISTÓRIA - "BONANZA" - EPISÓDIO 05X22: "LOVE ME NOT"


"Os erros dos homens são perdoados pela sociedade. As mulheres devem saber!"

Não lembro o nome da professora de bons modos que ensina isto à ex-indígena do episódio e não concordo com o andamento dramático-clicheroso da trama (no que tange à manutenção do que é proferido acima), mas vou dormir agora, disposto a estebelecer um status de alegria em mim até o final do ano: estou vivo, tenho em quem me apoiar, isso deve bastar... Eu devo saber!

Wesley PC>

domingo, 18 de dezembro de 2011

O AZOUGUE DO DOMINGOS OLIVEIRA (REIMAGINANDO A PERDA DE MINHA VIRGINDADE):

Domingos Oliveira é uma criatura muito esquisita como ator: aquela voz perenemente bêbada, quase ininteligível nalgumas silabas, aquela confiança de velho comedor de menininhas, apesar de já ter passado dos 60 anos há muito tempo, uma antipatia inicial que logo se converte em identificação inevitável... Faço questão de ver seus filmes, sempre que me deparo com algum deles, irrito-me bastante no comecinho e logo me vejo fã da obra em questão. Na tarde de hoje, domingo, vi “Amores”, realizado em 1998, após anos de hiato directivo cinematográfico. No elenco e na composição do roteiro, a sua filha Maria Mariana, que interpreta a sua filha no filme. Tenho que pensar e sentir um pouco antes de escrever algo sobre o filme: Acabo de ver “Amores”. No filme, o diretor e roteirista interpreta Vieira, um aburguesa funcionário da TV Globo, que acabara de levar um tapa na cara do namorado mais jovem se sua filha Cintia. Ela, por sua vez, apaixona-se e engravida pelo melhor amigo dele, cuja esposa tenta engravidar há tempos. Todos são fãs de Fiódor Dostoiévski, autor cujo livro mais famoso ainda não foi lido por mim. Além dos quatro personagens já citados, há um casal formado por uma comediante e um pintor bissexual, que descobre estar com AIDS. Ao final, possíveis finais felizes, numa trama descontraída que mostra “a vida como ela é”. A vida dos intelectuais endinheirados cariocas, diga-se de passagem, daqueles que podem se sentir confortavelmente aptos para definirem um Procurador Geral do Estado como “um homem pago para dizer ‘não’”. Lembrei do irmão de um amigo meu no ato, com esta frase. Pensei em lhe enviar uma mensagem de celular, recomendando-o o filme, mas confortei-me em imaginar que ele estará lendo este depoimento aqui: Domingos Oliveira é um cineasta autoral que precisa ser (re)conhecido naturalmente. Não entendo porque ele é tão subestimado, já que faz jus à alcunha de “Woody Allen tupiniquim”. A amargura bem-humorada de suas piadas sobre casamentos desfeitos e/ou refeitos contagia. E, numa cena bonita, em que descreve as alegrias de ser pai, ele relembra quando perdeu a virgindade pela segunda vez, através das experiências compartilhadas com sua filha, cuja mãe vivia em Paris, França. Pois, no Brasil, numa cidade do interior baiano, há um lugar também apelidado de Paris. E, lá, um fã dostoievskiano estudará Direito no ano que vem, sem nunca ter visto nenhum filme do Domingos Oliveira em sua vida. Quem pode culpá-lo.E eu, como se fosse virgem, sem filhos humanos, elucubrando...

Wesley PC>

sábado, 17 de dezembro de 2011

E, ENQUANTO EU ESCREVIA A RESENHA ANTERIOR, SOU AÇOITADO POR ESTA CANÇÃO:


“Certa vez houve um homem
Comum, como um homem qualquer
Jogou pelada descalço
Cresceu e formou-se em ter fé
Mas nele havia algo estranho
Lembrava ter vivido outra vez
Em outros mundos distantes e assim acreditando se fez
E acreditando em si mesmo
Tornou-se o mais sábio entre os seus
E o povo pedindo milagres
Chamava esse homem de Deus

Ah, quantas ilusões,
Ah, quantas ilusões
Nas luzes do arredor
Quantos segredos terá?

E enquanto ele trabalhava
Na sua tarefa escolhida
A multidão se aglomerava
Perguntando o segredo da vida
E ele falou simplesmente
Destino é a gente que faz
Quem faz o destino é a gente
Na mente de quem for capaz
E vendo o povo confuso
Que terrível, cada vez mais lhe seguia
Fugiu pra floresta sozinho
Pra Deus perguntar pra onde ia

Ah, quantas ilusões,
Ah, quantas ilusões
Nas luzes do arredor
Quantos segredos terá?

Mas foi sua própria voz que falou
Seja feita a sua vontade
Siga o seu próprio caminho
Pra ser feliz de verdade
E aquela voz foi ouvida
Por sobre morros e vales
Ante ao messias de fato
Que jamais quis ser adorado
Que jamais quis ser adorado

Ah, quantas ilusões,
Ah, quantas ilusões
Nas luzes do arredor
Quantos segredos terá
?”

( Raul Seixas - “Metrô Linha 743” – 1984 – faixa 02: “Um Messias Indeciso”)

Eu não lembrava de já ter ouvido esta canção demolidora antes, e calhei de ouvi-la, assim, aleatoriamente, justamente quando redigia mais um dos caros elogios ao Deus em que acredito? Isto é um sinal, só pode ser: mais um!

Wesley PC>

“A PRIMEIRA CRIATURA NA TERRA A TER CONSCIÊNCIA DO TEMPO FOI A PRIMEIRA CRIATURA A SORRIR”... (OU COMO NÃO AMAR JEAN-LUC GODARD COM VIGOR?)

Cometi um erro gravíssimo ao ler, por acidente, um resumo da trama de “Infelizmente Para Mim” (1993), filme menos badalado do Jean-Luc Godard, antes de assisti-lo, na tarde de hoje. Meu intuito ao pesquisar algo sobre o filme era apenas descobrir a sua duração. Apesar de durar menos que 90 minutos, aquelas imagens e diálogos e sons cravaram-se eternamente no meu cérebro: por mais que seja humanamente impossível decorar todos aqueles rompantes cruzados de genialidade, o filme me tocou pessoalmente. Jean-Luc Godard tem uma relação muito íntima com Deus, ele pode.

“ - Cinco dias atrás, eu descobri que a carne é fraca...
- Quem te disse esta coisa sem sentido?!
- O meu corpo.”


Enquanto eu buscava uma fotografia para ilustrar esta postagem, deparei-me com uma sinopse que tinha muito a ver com o que eu havia entendido do filme. No primeiro resumo que li, destacava-se o caso de adultério e conseqüente crise matrimonial entre os personagens Simon e Rachel (respectivamente, Gerard Depardieu e Laurence Masliah). No segundo resumo, o adultério é levado a um estágio mais extremo: Rachel trai o seu marido com ele mesmo, depois que este é supostamente possuído por um espírito divino. Ao final, dois homens “atiram a primeira pedra”. E eu ficava repetindo para mim mesmo alguns dos extraordinários apotegmas do filme: * “o passado nunca morre, nada passou ainda”... ; * “a Verdade possui vários atributos, mas ser transmissível não é um deles”; * “axioma 1: uma proposição é positiva quando a sua negação é negativa”. Meu Deus, eu tinha que estar com um caderninho de anotações diante da TV!

O que é ainda mais interessante nesta minha interpretação (apologeticamente) religiosa do filme é que o rapaz que me deu este filme de presente é ateu e é conhecido justamente pelo apelido sobrenominal “Deus”. Durante a sessão, enviei-lhe diversas mensagens de celular, posto que ele sente dores fortes, advindas de uma moléstia ainda não anunciada. Estou preocupado com ele, já que ele não me deu resposta. E eu amo o "Deus invisível" que, de formas bastante diferentes, o jansenista Blaise Pascal e o agnóstico (?) Jean-Luc Godard consagram!

Wesley PC>

COMO É QUE EU EXPLICO ISSO: “NÃO, NÃO É PORNOGRAFIA!” OU “ATÉ PODE SER, MAS É DE PRIMEIRA QUALIDADE”?

Infelizmente, a maioria dos debates acerca do autonomeado curta-metragem essencialmente mexicano “Bramadero” (2007, de Julián Hernández) redundam no superado dilema entre as fronteiras contíguas da Arte e da Pornografia. Prefiro não me inserir nesta falsa discussão: o filme ultrapassa ambas as delimitações e é genial apesar (ou por causa) disso. Acabo de vê-lo – após vários meses desejando encontrar o momento ideal para aproveitá-lo – e quedo-me ainda impressionado: é belíssimo, é apaixonante, tem a ver comigo bem mais do que a imagem sugere...

No que se pode aferir da trama do filme, Michelangelo Antonioni é, sem dúvida, uma influencia capital para o diretor: num prédio em construção, um rapaz escultural cochila. Outro jovem muito belo sobe o lance de degraus de madeira que dá acesso à cobertura em que o rapaz dorme e despe-se diante dele, que rasteja em direção ao seu pênis flácido e pubianamente depilado. Não demorará muito para que um abocanhe o órgão sexual do outro. Não ouvimos gemidos, apenas sons urbanos, buzinas de carro, máquinas de construção, etc.. Não vemos os rapazes ejacularem. Não sabemos sequer até que ponto ambos estão apreciando aquele ato sexual silencioso, súbito e incalculado. De repente, um deles espanca o outro. E aparece um bolero na trilha sonora: “Em Esta Tarde Gris” (na voz de Javier Solis). E eu fui junto...

No crédito final do filme, aparece um poema apologético ao amor, a qualquer tipo de amor, ainda que violento. E eu não entendi porque este filme é tão desdenhado ou incompreendido, até mesmo por homossexuais. É lindo. É dorido. É humano. É real. É de hoje!

Wesley PC>

DE VEZ EM QUANDO, UM OU OUTRO COMENTÁRIO É DE BOM TOM...





(...)


Wesley PC>

UMA HISTORIETA PÓS-ITABIENSE:

Era uma vez um menininho hiperativo que vivia com seus pais e irmãs numa cidadela do interior sergipano. Ele tirava boas notas na escola, mas era brigão, vivia correndo e caindo, tinha a cabeça cheia de cicatrizes. Seu pai fazia queijos e sua mãe cozia deliciosos suflês de vegetais. Estudar Geologia sempre foi um sonho, apesar de ele não fazer questão de dinheiro: “nunca joguei na loteria”, dizia. Ficava com raiva quando seus vizinhos diziam que a menina com quem ele namorava estava grávida. Ela não estava. Mesmo que estivesse e desmaiasse quando visse um acidente de carro, isso não seria da conta de ninguém. Fora isso, ele seria engraçado. Tímido, depois que sofrer tantas admoestações por causa de sua hiperatividade, mas sorridente. Pela manhã, ele trabalha. Às tardes, ele estuda. À noite, ele se diverte com jogos eletrônicos em seu computador ou cuida da irmã mais nova, que é portadora de Síndrome de Down. Ele é lindo, por dentro e por fora. Deve saber disso. E, numa noite como qualquer outra, ele recebe uma mensagem de celular sobre um filme em que pessoas “normais” desejam se tornar deficientes físicos. “Não gosto de deixar quem fala comigo sem resposta”, comunica ele. É bonito, por dentro e por fora. E fiel. E existe! E não lerá esse texto, sob pena de que ele não acredite que eu o respeito, sobretudo, pela pessoa boa que ele é.

Wesley PC>

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

COMO EU SEMPRE DIGO: TUDO O QUE FALAM SOBRE MIM É VERDADE!

Em 1926, o diretor sueco Victor Sjöström adaptou um dos maiores clássicos literários em língua inglesa e realizou “A Letra Escarlate” (1926), um filme maravilhoso, mas, infelizmente, pouco conhecido e pouco visto. Faz muitíssimo tempo, aliás, que eu próprio assisti a este filme, mas tendo acesso, há pouco, a um surpreendente filme cômico contemporâneo de nome “A Mentira” (2010, de Will Gluck), percebi-me estupefato quando a protagonista recomenda aos espectadores e colegas de escola que se dispusessem não apenas a ler o livro original como também a assistirem à sua primeira e inebriante versão muda cinematográfica. Esse era o tipo de detalhe que me advertia de algo: eu estava diante de uma pequena jóia hollywoodiana dos tempos atuais!

Dito e feito: nos 92 minutos de duração de “A Mentira”, deparo-me com uma trama peculiar e inventiva, a estória de uma jovem inteligente que, sem querer, finge não ser mais virgem e, por ter a sua reputação estragada no colégio, resolve servir de objeto de fofoca para os favores noticioso-honoríficos de rejeitados sociais (gordos, homossexuais, cristãos, etc.) que, de outra forma, não teriam como espalhar que não eram mais virgens. Trata-se de um dilema tipicamente contemporâneo, daqueles que são difundidos à granel pelos perfis pessoais de Facebook e, não apenas por causa disso, me vi completamente identificado. Detalhe inicial de comunhão tramático-personalística elementar: tal como eu, a protagonista é apaixonada e virgem!

A fim de não estragar as diversas surpresas do roteiro, talvez seja melhor não falar tanto do filme, que também se presta a uma homenagem atualizada mui bem-vinda dos filmes dirigidos por John Hughes na década de 1980, em que eu nasci e cresci. Sem medo de parecer excessivamente deslumbrado com os estratagemas ‘pop’ do filme, elogio-o com fervor (sim: fervor!), dizendo que não apenas me senti pessoal e analiticamente contemplado por ele como também o mesmo serve como demonstrativo midiático da tríade argumentativa estabelecida pelo teórico Manuel Castells para designar os processos desencadeadores do “novo mundo” que passou a tomar forma no final do milênio passado: a revolução nas tecnologias da informação; a crise econômica do capitalismo [e do estatismo] e sua posterior reestruturação; e o apogeu de movimentos culturais e sociais fortemente reivindicativos. Os três processos são constitutivamente importantes na minha pressuposição de que este filme sintetiza muito bem o drama de crescer na década de 2010: o que o futuro legará aos adolescentes do futuro? Pelo que o filme espertamente demonstra, pouco mais que as velhas fórmulas genéricas e tramáticas de outrora. Mas, como se pôde perceber aqui, o modo como se segue (ou finge deixar de seguir) estas fórmulas é determinante para uma sobrevivência mais digna no atolamento do pântano da Indústria Cultural hodierna: que bom que o capitalismo ainda finge suscetibilidade e, mais ainda, que bom que alguns destes fingidores aproveitem-se tão bem do capitalismo tardio!

Wesley PC>

ANTES DE DORMIR, UMA PEQUENA LADAINHA...

Há pouco, estive tentando mijar diretamente em minha boca. Repito: fui ao banheiro e direcionei um jato de urina aos meus lábios. Desisti de sorver o ácido líquido recém-saído de minha uretra no último instante, mas, por algum motivo, cri que a tentação prévia no que tange a este fetiche teve algo a ver com o curta-metragem “The Big Empty” (2005, de Lisa Chang & Newton Thomas Sigel), que vi há alguns minutos. Sim, deve ter algo a ver...

Na trama do filme, Selma Blair é uma personagem que não se sente “vazia, mas tomada pela dor”. Após constantes visitas a ginecologistas, ela descobre que sua vagina é uma espécie de portal para uma zona congelada da Terra. Amargurada com toda esta gelidez interior, ela torna-se objeto de pesquisas e exibicionismos médicos, até que um rapaz entristecido apaixona-se por ela. Ao som da magnífica versão da banda gótica This Mortal Coil para “Song of the Siren”, hino melancólico do Tim Buckley, a protagonista do filme despe-se no mar e, ao congelar o oceano, (re)encontra o amor que talvez a protegerá da dor que emana do vazio... E foi como se eu me identificasse com esta sensação!

Apesar de, obviamente, eu ter me fascinado pela proposta enredística do filme, não apreciei completamente a opção estética dos diretores pela comicidade generalizada dalgumas seqüências. Mas não dispus de forças suficientes para conter a emoção no desfecho do filme: tão simples de resolver o vazio. Pena que não dependa somente de mim – ou da portadora da vagina esvaziada do filme. Deve ser vontade de amor, de novo. E, além de bonito e prosaico, ele é tão doce. Dá pena: vou mexer com isso não!

Wesley PC>

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

TODO HOMEM HÁ DE PRESTAR CONTAS!

Não sei se eu entendi bem o que acontece ao final da trama principal de “Meridiano de Sangue” (1985), obra-prima literária do estadunidense Cormac McCarthy, mas, seja como for, este apotegma é bem-vindo: todo homem há de prestar contas, mais cedo ou mais tarde!

Conforme destaquei aqui e aqui, gostei deveras dos livros até então lidos deste autor [ “Onde os Velhos Não Têm Vez” (2005), “A Estrada” (2006)], mas ainda estava à espera da obra definitiva, aquela que me faria assumir aos quatro ventos o quão fã deste artista da palavra eu sou. Esta obra absolutamente elíptica e sangrenta de faroeste conseguiu este feito: mal havia iniciado a leitura do romance e já tinha certeza de que eu estava diante de uma obra simplesmente canônica, de um daqueles livros que, definitivamente, qualquer ser humano minimamente preocupado com o mundo ao seu redor deve ler antes de morrer!

Não sei se digo que é um livro fácil ou difícil. Por mais acessível que ele pareça, estratagemas radicais de condução narrativa – daqueles que, no cinema, corresponderiam aos artifícios de um Jean-Luc Godard ou de um Jean-Marie Straub – manifestam-se do primeiro ao último capítulo, culminando num epílogo extremamente poético e cifrado, mas, ao mesmo tempo, tão genial que, como bem alertou o homem que me emprestou o livro, será essencial reler esta preciosidade algum dia...

A edição do livro a que tive acesso contém 351 páginas. Que eu me lembre, somente na página 175 (final do 12º capítulo), há um indicativo preciso do tempo da narrativa (“no dia vinte e um de julho do ano de mil oitocentos e quarenta e nove entraram na cidade de Chihuahua para serem saudados como heróis”). Na página 331 (início do 23º capítulo), há uma nova indicação temporal decisiva (“no final do inverno de mil oitocentos e setenta e oito ele estava nas planícies do norte do Texas”). Entre uma e outra indicação, não apenas 29 anos transcorrem: o estilo propositalmente picotado da narrativa – introduzido em cada capítulo por manchetes que carecem ser relidas após o consumo dos capítulos, de tão essenciais que são para o entendimento preciso do que acontece na história – e a composição riquíssima dos personagens – sendo o estouvado kid inominado e o imponente juiz Holden os principais deles – deixam patente a grandiosidade de Cormac McCarthy enquanto gênio literário, o que é também demonstrado pela concomitante riqueza de detalhes na descrição das agruras e atrocidades sofridas e/ou cometidas pelos personagens. Sob qualquer ângulo que se pretenda analisar este livro, o julgamento recairá numa unanimidade conclusiva: obra-prima!

Não cabe aqui uma síntese tramática: tantas são as rupturas, recomeços, surpresas e interrupções narrativas que, conforme antecipado, o estilo da escrita e a composição dos personagens é que dão o tom da sedução literária aqui anunciada. Digo mais: a magnificência geológica de algumas passagens é tão impressionante, que é mister destacar uma das passagens mais intrigantes neste sentido. Afinal de contas, na página 51, na explicação da continuidade do percurso errante dos protagonistas, lê-se que eles “seguiram sua marcha e o sol a leste lançou pálidas estrias de luz e depois uma faixa mais profunda de cor como sangue filtrando para o alto em súbitas distensões planas e fulgurantes e onde a terra era absorvida pelo céu no limiar da criação a ponta do sol surgiu do nada como a cabeça de um enorme falo vermelho até que clareasse a orla invisível e se aboletasse gordo e pulsante e malévolo às costas deles”. Assim mesmo, com este estilo cumulativo de pontuação suprimida. Homens morriam e eram mortos. Pessoas rudes desfilavam seus impropérios o tempo inteiro, enquanto a instância narrativa conduz tudo com mão firme e linguajar técnico e erudito. A escrita faz com que experimentemos todo o calor e fulgor vivido e/ou causado pelos personagens. As emoções precisam estar em segundo plano, por detrás do medo e do ódio. E eu não parava de repetir comigo mesmo enquanto lia: obra-prima!

Estou tentando encontrar o elogio definitivo para aplicar a este romance, mas todos me fogem. Fogem porque ficam pálidos frente à crueza nobiliárquica do livro. Agora eu assumo a minha devoção em relação ao Cormac McCarthy. Não tenho coragem nem inclinação nem vocação nem anseio de fazer o contrário: gênio, pura e simplesmente!

Wesley PC>

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

PORQUE EROTISMO É, ACIMA DE TUDO, DRAMA – E/OU VICE-VERSA!


E, diante desta imagem canônica do extraordinário e surpreendente filme “Chocolate” (1988), de Claire Denis, resta-me concordar comigo mesmo.

[PS: sim, sim, eu sei que este filme merece bem mais do que estas modestas linhas, mas eu juro, preciso me recuperar dos baques experimentados durante a sessão. Claire Denis é doida! Por essas e outras que eu gosto cada vez mais dela enquanto artista preenchida com o dom da genialidade e da teimosia. Amanhã eu escrevo mais sobre este filme, nalgum lugar. Ele merece, ele necessita, ele (ainda) grita em mim! E saber algo sobre a trama é o que menos importa no processo: a metonímia desta imagem fala por si...]

Wesley PC>

EU NÃO QUERIA FALAR SOBRE ESTE ASSUNTO, MAS, QUANDO O PRIVADO INVADE O PÚBLICO E EXIGEM QUE DIGAMOS O CONTRÁRIO, PRECISAMOS NOS POSICIONAR !

Na semana passada, circulou pela Internet um vídeo asqueroso em que uma mulher visivelmente perturbada defeca numa agência bancária de Aracaju. Filmado através da câmera de um telefone celular, o vídeo é de má qualidade tanto formal quanto conteudística: logo no começo, deparamo-nos de sobressalto com a mulher acocorada, expelindo os seus excrementos. Em seguida, ela deita-se no chão como se estivesse patologicamente desfalecida e, quando alguém tenta falar com ela, a mesma levanta-se de forma sobressaltada e, em tom de bravata, exibe a sua calcinha suja de merda. Como o som do vídeo é muito ruim, escutamos as risadas das pessoas que observam, espantadas, a situação, mas não o que a mulher doente está gritando. Ao final do vídeo, a mulher, completamente nua e dançando de forma cínica, sai da agência bancária e, do lado de forma, ouve os gritos de uma cliente do banco, que a enxota como se ela estivesse possuída pelo demônio. Se fosse cena de um filme, este segmento dramático renderia uma comoção extraordinária. Enquanto fragmento da vida real, entretanto, os pontos de vista sobre a reprodução midiática do acontecido (sem o óbvio consentimento da mulher filmada) estão redundando em condenações morais das pessoas responsáveis pela má gravação e pelas gaitadas diante da cagona. Ponto continuando.

O parágrafo acima, para além de sua aparente objetividade, é patente na demonstração de um julgamento subjetivo acerca de meu posicionamento pessoal diante da discussão envolvendo a divulgação deste vídeo. O porquê de tudo isso: uma articulista consagrada e muitíssimo talentosa redigiu um texto (disponível aqui) em que o ato de filmar uma pessoa indefesa num ato “natural” é muitíssimo mais indecente do que o ato de tirar a roupa e espalhar as fezes pútridas num ambiente institucional repleto de pessoas. Apesar de admitir que o texto dela é um primor de escrita ideológica (com a qual compactuo em mais de um ponto), os argumentos factuais da articulista são truncados e equivocados: ela confunde “personagens” e artífices do evento, julga precipitadamente uma atitude que ela própria comete ao realizar uma exegese fílmica mui compenetrada do vídeo. Fiquei pensando: e se eu estivesse no banco? Será que eu filmaria aquilo ali também? Será que eu zombaria daquela mulher doente? Será que eu sentiria nojo, raiva ou pena? Não sei dizer, mas, antes de defender qualquer sobejo de naturalismo instintivo por parte da mulher que defecou no centro do salão de atendimento de um banco, acho que seja um traço cultural muito significativo da referida contemporaneidade a obsessão por transformar em imagens filmadas tudo o que nos cerca. Mais: se apenas me contassem que uma mulher defecou numa agencia bancária, talvez eu não acreditasse de todo neste absurdo. Eu precisei ver. Ainda mais: não apenas eu vi como precisei divulgar o vídeo – apesar de rústico, preconceituoso e mal-feito – a fim de demonstrar o meu espanto frente à denotação de que, para além do suposto enfrentamento de forças “naturais” e “culturais”, como aventou a articulista, o que não é visto no vídeo demonstra o que é realmente problemático no mesmo. Exemplo: se aquela mulher é, de fato, mentalmente transtornada, por que ela estava sozinha na agência? Além disso: por que deixaram que ela tirasse toda a roupa e tivesse tempo para eliminar seus bolos fecais? Mais do que exclamações, portanto, este vídeo, a sua feitura e a sua divulgação (por mim, inclusive) lança interrogações: e esse é o meu ponto de vista sobre o mesmo!

Wesley PC>

domingo, 11 de dezembro de 2011

ALGUNS "IGUAIS" PODEM SER MAIS DIFERENTES QUE OS OUTROS EM HOLLYWOOD?!

Eu sei que mais cedo ou mais tarde esse tipo de mixórdia me causará um dilema mais ferrenho, mas, se me perguntassem hoje, eu responderia que é ainda conciliável ouvir Avril Lavigne numa tarde e ler Bertolt Brecht na outra, ver um filme de Manoel de Oliveira no sábado e assistir a um daqueles romances hollywoodianos ‘água-com-açúcar’ no domingo seguinte... Pois foi exatamente isso o que me acaba de acontecer!

Se, ontem, eu e uma dupla de amigos mui queridos urrávamos de gozo risório diante de “A Divina Comédia” (1991), filme em que o hoje centenário diretor português mistura a Bíblia Sagrada com Friedrich Nietzsche e Fiodor Dostoievsky, hoje, domingo, depois de trabalhar por mais de 12 horas seguidas, eu assisti a um filme xaroposo que me encantou pelas sutis novidades conteudísticas de sua trama genericamente previsível. Não direi o nome do filme, mas creio que a trama que resumirei em seguida tornará o mesmo fácil de ser distinguido...

Não vi o começo do filme, posto que estava no trabalho, como disse, mas, do ponto que comecei a acompanhá-lo, num sessão dublada do Telecine Pipoca, um garoto traumatizado com a morte de seu irmão mais novo consente em trabalhar como zelador num cemitério, a fim de entrar em contato diuturno com seu fantasma. Evidentemente, ele é rechaçado pelos demais habitantes de sua cidade, mesmo sendo muito bonito fisicamente e, sendo solitário, lida bem com os fantasmas de entes queridos e com a masturbação. Até que, um dia, ele se apaixona... E o resto eu não posso mais contar.

Enquanto via o filme, enviava trocentas mensagens de celular para um rapaz que insisto em amar – por mais anticatólico que o extremismo de meu sentimento possa se tornar – comunicando-lhe que me surpreendia deveras com as situações de para-necrofilia no filme. Num diálogo absolutamente inusual, a rapariga alisa a pele nua do zelador de cemitério, depois de transar com ele sobre os túmulos, e percebe que ele é repleto de queimaduras. Ele conta que estas são derivadas dos repetidos choques que ele recebeu a fim de sobreviver quando estivera perto de morrer afogado no mesmo acidente que vitimou o seu irmão. Ela alisa novamente as tais queimaduras e assevera: “são lindas”. Ah, como eu quis estar no lugar dela neste momento...

À medida que o filme se aproxima do desfecho, seus intentos comerciais ficam mais evidentes, mas era tarde demais para me arrepender do encanto insuspeito: o filme é bonzinho, recomendo-o para ser visto por casais apaixonados e com gostos distintos no que tange às taxonomias arquetípicas entre gêneros sexuais moldados pelas convenções do capitalismo. Mas se pusessem novamente a arma em minha cabeça, eu naturalmente pediria para rever o clássico literário do Manoel de Oliveira: aquilo ali é quase uma obra-prima. E, talvez justamente por isso, não excluiu a minha necessidade de acompanhar também o que anda sendo produzido por Hollywood hoje em dia...

Wesley PC>

sábado, 10 de dezembro de 2011

NUM FILME EXTREMAMENTE REALISTA, SÃO PERMITIDOS ‘FLASHBACKS’? E MÚSICA NÃO-DIEGÉTICA? E AMOR? E FINAL FELIZ?!

Na manhã de hoje, eu resolvi ver um filme do britânico Ken Loach. Não é um cineasta que eu aprecie particularmente, visto que costumo discordar veementemente de suas reclamações proletárias sindicalizadas, mas me surpreendi bastante com “Meu Nome é Joe” (1998): aqui, eu concordo com seu ponto de vista e com a fragilidade compositiva de seus personagens, fragilidade esta em duplo sentido, referindo-se tanto à pouca habilidade dos mesmos em reagir às injustiças do mundo quanto ao improviso excessivo aos que os atores foram submetidos, graças ao peculiar modo realista de direção de Ken Loach. Seja como for, o que importa é que os resultados funcionaram muito bem: eu fui tocado!

O ponto de partida tramático é prosaico: um técnico de futebol de bairro ex-alcoólatra apaixona-se por uma assistente social e, em meio ao idílio romântico que se estabelece, enfrentam a competição dos problemas com tráfico de drogas de uma família amiga do primeiro e profissionalmente acompanhada pela segunda. Simples e, ao mesmo tempo, tão complicado. Numa das seqüências mais inspiradas do filme, a assistente social tranca a porta de sua casa por fora e, por ser tarde da noite, aceita dormir na casa do recém-conhecido Joe. Como eles já haviam parlamentado deveras sobre seus gostos comuns acerta do ‘punk rock’ inglês (The Clash, Siouxsie and the Banshees, e congêneres), quando a mulher, Sarah, pede para ligar o rádio da casa do personagem-título, pensamos de imediato que ouviremos uma música ruidosa. Quando ela aperta o botão de um toca-fitas na sala de estar do técnico, entretanto, ouvimos uma suave música clássica. Ele pergunta a ele o porquê desta bela trilha sonora doméstica e a resposta vem de pronto: “esta fita k-7 era da época em que eu era louco. Um dia, eu acordei desesperado para beber e, como sempre, não tinha dinheiro. Roubei algumas fitas numa loja de discos e, depois, tentei vendê-las num ‘pub’. Esta fita foi a única que ninguém quis, nem por 25 centavos. Quando cheguei em casa, puto de raiva, a ouvi e terminei gostando. Hoje, ela serve para me ajudar a recordar os velhos tempos”. E eu segurei a respiração: como uma declaração de humanidade tão profunda pode ser cuspida de forma tão trivial? Muito bom este filme, sou obrigado a admitir!

Apesar de meu pantim contra o Ken Loach volta e meia irromper em cenas forçadas de enfrentamento reivindicativo (vide o momento em que Joe picha o carro de um abelhudo fiscal da Receita Federal ou quando ele quebra os pára-brisas do automóvel de um traficante de drogas), o filme como um todo – em especial, em seus investimentos românticos – me cativou deveras. Fiquei emocionado, mesmo que o filme não se proponha a isso de forma espetaculosa. Aqui, o tom loachiano é mais sincero e urgente que nos demais filmes que eu vi dele [sendo “Terra e Liberdade” (1995) e “Pão e Rosas” (2000) os que mais me incomodaram negativamente], de maneira que eu estou planejando repensar retrospectivamente os meus pareceres odiosos contra este cineasta: quem sabe numa maratona de seus filmes, eu não constante que a resposta aos questionamentos contidos no título desta postagem não sejam, também, militância?

Wesley PC>

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

DENTRO DO PROCESSO DE ME TORNAR UM HOMEM SOCIALMENTE MELHOR DESDE QUE TE CONHECI...

Anteontem, um rapaz me presenteou com uma cópia virtual do curta-metragem “Aruanda” (1960, de Linduarte Noronha de Oliveira), clássico indiscutível da filmografia documental brasileira, este filme, na verdade, é um tanto ficcional na sua reconstrução discursiva do círculo vicioso da “inexistência institucional” dos subempregos nordestinos. Na trama, um quilombola refugia-se com sua família num sítio afastado das feiras locais onde vende os utensílios de barro que sua esposa fabrica para garantir um mínimo de sobrevivência. E, na trilha sonora, o revezamento entre uma cantilena chorosa e uma música de pífanos conduz a nossa atenção. Um filme lindo, bem distante da chantagem emocional que eventualmente se impõe nos trabalhos de quem tematiza a pobreza e o analfabetismo alheio enquanto fórmula sociológica mercantil. Recomendo.

Apesar de ser um filme assaz emocionante, a sua condução é esteticamente distanciada, respeitosa, legitimamente humanitária. Enquanto eu o via, tinha um parto de arroz com vegetais diante de mim. Pensava de forma mui agradecida no rapaz que me deu este filme de presente, ciente de que assistir a um filme contundente como este faria de mim um homem melhor. Saí de casa e visitei um rapaz que me perguntava, aos gritos, se todo membro do candomblé era macumbeiro. A sua mãe alegava que sim, eu dizia que não. Eu consegui convencê-lo de que não ao citar a Bíblia Sagrada, onde sacrifícios de animais eram comuns enquanto oferendas ao Deus do Velho Testamento. O irmão deste rapaz jazia no sofá ao lado. É bom se sentir um homem melhor...

Wesley PC>

E, COMO ME PERGUNTARAM NA MANHÃ DE HOJE, “ALGUÉM QUE ESCOLHE SUA PRÓPRIA ESCRAVIDÃO É AINDA UM ESCRAVO?”

Num minuto, eu estava assistindo à conclusão de um filme iugoslavo em que uma mulher grita aos quatro ventos que “comunismo sem amor livre é como um velório no cemitério. Num minuto posterior, eu estava assistindo a um episódio antigo do seriado animado “She-Ra, a Princesa do Poder”, ao lado de minha mãe. O filme em pauta chama-se “W. R. – Mistérios do Organismo” (1971), dirigido por Dusan Makavejev. O seriado animado, por sua vez, não era revisto por mim desde que eu era uma criança.

Produzido entre os anos de 1985 e 1986, “She-Ra, a Princesa do Poder” era uma variação feminina do similar e contíguo “He-Man e os Mestres do Universo” (1983-1985). No episódio em que vi hoje, uma bruxa de nome Madame Riso narra as aventuras da personagem-título para salvar o Castelo de Cristal, local mágico sagrado que só voltaria a ser percebido pelas crianças quando a liberdade voltasse a reinar em Etérea, cenário fictício de ambas as séries animadas. Ao final, uma espécie de duende surge para explicar que “ser diferente é bom” e, de chofre, eu me (ou)vi cantarolando a versão dos pernambucanos do Textículos de Mary para “Todinha Sua (She-Ra)”, em que as vantagens de ser bicha são exaltadas. Gostei do seriado. Sempre que possível, vou rever um ou outro episódio, visto que ele está sendo exibido pelo canal fechado ToonCast, recentemente acrescentado ao meu pacote de TV por assinatura...

Mas não é sobre isso que eu quero falar: o filme makavejeviano me deixou um tanto atônito em sua defesa insistente da liberação sexual como ato político contínuo. Valendo-se das polêmicas teorias de Wilhelm Reich (1896-1957), que passou a fase final de sua vida numa penitenciária estadunidense, o filme parte do pressuposto de que “um ser humano sadio deve ter no mínimo 4.000 orgasmos em vida” para defender a integração orgânica entre militância política e gozo básico. Receio concordar com este pressuposto argumentativo, tanto que me vi discursivamente excitado em mais de uma seqüência. Numa delas, quiçá a minha preferida, uma artista plástica pede que um amigo se dispa, alisa o seu pênis repetidas vezes, pedindo que ele se imagine tendo uma experiência sexual legítima, e, depois que atinge o paroxismo de sua ereção, utiliza o órgão genital como molde para um dildo. Me identifiquei: queria estar ali, fazendo a mesma coisa (risos). Numa seqüência anterior, uma pintora narra as diferenças entre as matrizes de seus quadros de homens e mulheres que se masturbam: no primeiro caso, o constrangimento esteve momentamente atrelado a uma confusão essencial entre o onanismo enquanto ato íntimo ou experiência pública compartilhada; no segundo, ela se espanta diante da estória da mulher que era dependente de um parceiro sexual externo para gozar. Muito bom o filme: pode não ser uma obra-prima, mas que instiga, ah, instiga muito...

Wesley PC>