sábado, 15 de janeiro de 2011

O FILME MAIS RECENTE DO DANNY BOYLE OU O ESTILO VERSUS O REALISMO MAS NÃO CONTRA A QUALIDADE

A primeira vez que ouvi falar sobre o filme “127 Horas” (2010) foi na tarde de um domingo, 20 de dezembro de 2009, quando eu acabara de ver “Sunshine – Alerta Solar” (2007), filme estiloso do cineasta Danny Boyle, sobre o qual eu aproveitei a oportunidade para escrever um mini-dossiê. Para falar a verdade, quando eu conheci a trama do tal “127 Horas”, não fiquei de todo empolgado para vê-lo, achando que seria mais uma daquelas biografias triunfalistas que só iriam contribuir para minha decepção acerca do talento recente do cineasta escocês, cada vez mais subsumido às benesses preocupantes de Hollywood. Para minha surpresa, não é que vi o filme há pouco e o achei ótimo?!

“127 Horas” narra a saga verdadeira do alpinista Aron Ralston, que ficou mais ou menos cinco dias preso num desfiladeiro, com uma pedra imensa sobre sua mão, deixando-o pendurando sem comida, sem água e sem qualquer possibilidade de auxílio humano externo. Juro que, contando assim, o filme não parece interessante, mas, à medida que a agonia do personagem evolui, os exercícios pós-modernos de estilo do cineasta foram me cativando, graças à boa interação com uma trilha sonora ‘pop’ (como sempre), que fecha com chave de ouro ao som do Sigur Rós; com uma montagem que subdivide a tela várias vezes; com uma direção de fotografia a quatro mãos, que faz excelente uso de câmeras digitais; e com um roteiro que recusa o realismo da espera a qualquer custo, interrompendo a claustrofobia cara à situação-chave do filme com rememorações infantis, delírios sexuais, alucinações famélicas e previsões futurológicas acertadas, para ficar apenas nalguns exemplos.

No início do filme, achava difícil elogiar o desempenho de James Franco no papel central: achava que minha avaliação de sua desenvoltura actancial tinha mais a ver com a tara que eu sinto pessoalmente por ele do que com a construção do seu personagem, que, venhamos e convenhamos, é propositalmente rala. Do meio para o final, entretanto, a combinação entre os devaneios modernosos do estilo do diretor e o estilo tabula rasa de construção do personagem fizeram com que eu me empolgasse diante de cenas como aquela em que ele se alimenta de suas próprias lentes de contato ou nas elipses masturbacionais que protagoniza. Infelizmente, o diretor está cada vez mais moralista à medida que envelhece e abordou os inevitáveis onanismos do protagonista e a violência gráfica da cena em que ele decepa o próprio braço de forma distanciada, artificial em mais de um sentido, mas nada que retirasse o brilho geral do filme: algo na vacuidade daquele personagem real me conquistou. Um ser boboca, tachado de solitário e condenado voluntariamente à misantropia, mas que, de repente, “não sai mais de casa sem deixar um recado dizendo para onde está indo”. É como se sua trajetória contingencial de sobrevivente nos mostrasse uma lição de vida. E, por mais moralista e a-realista que a mesma tenha se convertido nas mãos do pós-moderníssimo Danny Boyle, funcionou comigo. Estou com vontade de rever o filme agora mesmo! Uau!

Wesley PC>

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