sábado, 8 de janeiro de 2011

OU EU VIA “PROVIDENCE” (1977, DE ALAIN RESNAIS) HOJE OU EU NÃO ME CHAMAVA WESLEY!

Há mais ou menos dois meses que eu pelejo para assistir ao clássico menos conhecido do genial diretor francês Alain Resnais, “Providence” (1977). Nestes quase dois meses, aliás, decepcionei-me um pouco – ou pensava que tinha me decepcionado, mas era uma mera impressão de quem põe as expectativas à frente da realidade – com o estilo do diretor, no sentido de que seus filmes mais recentes são preenchidos por uma noção amorosa demasiado burguesa, mui diferente daquela que saturava seus longas-metragens iniciais, mais particularmente a desnorteadora e genial trilogia emotivo-mnemônica composta por “Hiroshima, Mon Amour” (1959), “O Ano Passado em Marienbad” (1961) e “Muriel” (1963). Se, naqueles filmes, uma montagem absolutamente não-linear confunde perpetuamente o espectador ao apresentar-lhe fatos que podem ou não ter existido, que podem ou não ser frutos da imaginação de um narrador apaixonado, nos filmes mais hodiernos [particularmente, “Medos Privados em Lugares Públicos” (2006) e “Ervas Daninhas” (2009)], a montagem é paralela, no sentido novelesco do termo, e acompanha as ações de personagens riquíssimos, no sentido aquisitivo do termo, cujos amores são minuciosamente atrelados aos seus hábitos pequeno-burgueses.

Numa tarde bonita, um rapaz ainda mais belo perguntou-me que cineasta eu lamentava com mais intensidade no que diz respeito à venalidade de seus caracteres geniais. Por um momento, pensei em Alain Resnais, mas foi um engano de minha parte, logo corrigido: Alain Resnais não vendeu a sua genialidade, mas, ao contrário, aperfeiçoou-a em nível pessoal, direcionou-a em fervor próprio, e, diante do magnânimo “Providence”, visto finalmente na manhã de hoje, fiquei chocado num diálogo conclusivo, em que o protagonista envelhecido, na cerimônia de aniversário de seus 78 anos de idade, comenta que entende a burguesia como sendo “a rejeição veemente de ideologias contemporâneas”, ao que seu filho mais velho logo acrescenta: “não somente a rejeição, mas sim o temor de que estas ideologias contemporâneas possam destruir seu modo de vida”. E, neste sentido, acho que eu próprio sou burguês e, como tal, tenho mais é que desculpar e pedir desculpas ao genial Alain Resnais: ele é genial, firme, consistente, coerente e, acima de tudo, genial, genial, genial!

Por mais de um motivo, portanto, “Providence” foi o meu auto-presente ideal de aniversário. No filme, passado, tempo atual e imaginação se confundem. Eventos reais e imaginários, eventos surreais e eventos possíveis, situações de ódio e situações de amor, tudo se confunde... Um escritor moribundo imagina a sua derradeira estória, envolvendo um advogado ciumento e afetado, cuja esposa se envolve com um réu, um militar traumatizado pela guerra, que executa um velho que desejava morrer e é julgado inocente por tal. Seu irmão é futebolista e ele se torna um astronauta frustrado, enquanto o esposo de sua amante envolve-se com uma mulher mais velha e cancerosa, que se parece deveras com sua mãe, que se suicidou ao adoecer, fazendo com que seu velho marido se sentisse culpado. Sim, parece um pouco complicado de entender, mas a inebriante trilha sonora de Miklós Rózsa, o divino roteiro de David Mercer, a direção segura, as atuações dúbias e o final que sintetiza tudo numa mistureba de impressões que não se explicam, de amor que se sente e não se compreende. “Deixem-me sozinho”, diz o velho. Mas nós ficamos com ele, até o final. Obra-prima!

Wesley PC>

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