Há mais ou menos dois meses que eu pelejo para assistir ao clássico menos conhecido do genial diretor francês Alain Resnais, “Providence” (1977). Nestes quase dois meses, aliás, decepcionei-me um pouco – ou pensava que tinha me decepcionado, mas era uma mera impressão de quem põe as expectativas à frente da realidade – com o estilo do diretor, no sentido de que seus filmes mais recentes são preenchidos por uma noção amorosa demasiado burguesa, mui diferente daquela que saturava seus longas-metragens iniciais, mais particularmente a desnorteadora e genial trilogia emotivo-mnemônica composta por “Hiroshima, Mon Amour” (1959), “O Ano Passado em Marienbad” (1961) e “Muriel” (1963). Se, naqueles filmes, uma montagem absolutamente não-linear confunde perpetuamente o espectador ao apresentar-lhe fatos que podem ou não ter existido, que podem ou não ser frutos da imaginação de um narrador apaixonado, nos filmes mais hodiernos [particularmente, “Medos Privados em Lugares Públicos” (2006) e “Ervas Daninhas” (2009)], a montagem é paralela, no sentido novelesco do termo, e acompanha as ações de personagens riquíssimos, no sentido aquisitivo do termo, cujos amores são minuciosamente atrelados aos seus hábitos pequeno-burgueses.
Numa tarde bonita, um rapaz ainda mais belo perguntou-me que cineasta eu lamentava com mais intensidade no que diz respeito à venalidade de seus caracteres geniais. Por um momento, pensei em Alain Resnais, mas foi um engano de minha parte, logo corrigido: Alain Resnais não vendeu a sua genialidade, mas, ao contrário, aperfeiçoou-a em nível pessoal, direcionou-a em fervor próprio, e, diante do magnânimo “Providence”, visto finalmente na manhã de hoje, fiquei chocado num diálogo conclusivo, em que o protagonista envelhecido, na cerimônia de aniversário de seus 78 anos de idade, comenta que entende a burguesia como sendo “a rejeição veemente de ideologias contemporâneas”, ao que seu filho mais velho logo acrescenta: “não somente a rejeição, mas sim o temor de que estas ideologias contemporâneas possam destruir seu modo de vida”. E, neste sentido, acho que eu próprio sou burguês e, como tal, tenho mais é que desculpar e pedir desculpas ao genial Alain Resnais: ele é genial, firme, consistente, coerente e, acima de tudo, genial, genial, genial!
Por mais de um motivo, portanto, “Providence” foi o meu auto-presente ideal de aniversário. No filme, passado, tempo atual e imaginação se confundem. Eventos reais e imaginários, eventos surreais e eventos possíveis, situações de ódio e situações de amor, tudo se confunde... Um escritor moribundo imagina a sua derradeira estória, envolvendo um advogado ciumento e afetado, cuja esposa se envolve com um réu, um militar traumatizado pela guerra, que executa um velho que desejava morrer e é julgado inocente por tal. Seu irmão é futebolista e ele se torna um astronauta frustrado, enquanto o esposo de sua amante envolve-se com uma mulher mais velha e cancerosa, que se parece deveras com sua mãe, que se suicidou ao adoecer, fazendo com que seu velho marido se sentisse culpado. Sim, parece um pouco complicado de entender, mas a inebriante trilha sonora de Miklós Rózsa, o divino roteiro de David Mercer, a direção segura, as atuações dúbias e o final que sintetiza tudo numa mistureba de impressões que não se explicam, de amor que se sente e não se compreende. “Deixem-me sozinho”, diz o velho. Mas nós ficamos com ele, até o final. Obra-prima!
Wesley PC>
sábado, 8 de janeiro de 2011
OU EU VIA “PROVIDENCE” (1977, DE ALAIN RESNAIS) HOJE OU EU NÃO ME CHAMAVA WESLEY!
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