sábado, 29 de janeiro de 2011

“QUANDO SE ACEITA DINHEIRO POR ALGO, ISTO NÃO É MAIS UM PRESENTE”...

Quando eu era pequeno, havia um programa de filmes na TV Bandeirantes chamado “Força Total”, que exibia filmes de ação e/ou artes marciais todas as terças-feiras, gênero que parecia em franca dominância e ascensão à época. A maioria dos filmes era ruim e eu não gostava de assisti-los, mas era um programa tão conceituado entre meus colegas, vizinhos e familiares que, volta e meia, eu me via diante de filmes protagonizados por canastrões como Bolo Yeung, Mark Dacascos, Cynthia Rothrock ou congêneres. Mas quando alguém locava algo com o Bruce Lee, eu gostava. Ou seja, meu problema não era com o gênero!

Na época em pauta, Sylvester Stallone era um brucutu muito valorizado pelas mesmas pessoas, mas eu gostava dele menos ainda. Ainda não tinha sacado o discurso fatalista e/ou de consciência fracassada nos filmes que ele protagonizava ou dirigia, até que amadureci e fui além deste preconceito actancial (quase) justificado. Tanto que, hoje, mesmo admitindo que ele é um intérprete mais do que limitado (se é que se pode dizer isso para quem parece sempre interpretar o mesmo papel), interesso-me deveras pelos filmes que ele dirige, em que a violência aparece menos como algo a ser desejado enquanto catarse do que como um sintoma estrondoso de um mundo em perene declínio. Como tal, sentia vontade de ver “Os Mercenários” (2010). Intuía que fosse um filme bom, discursivo, equivocadamente político até. Dito e feito (mais feito do que dito – risos)!

No filme em pauta, o roteiro poderia ser resumido em pouquíssimas linhas: um grupo de homens brutos e armados são convocados para matar o assistente norte-americano dum ditador latino-americano, desde que recebam muito dinheiro por isso, mas eles ficam atraídos pela beleza da filha do ditador. Ponto. Entretanto, por detrás deste entrecho esperadamente simplista, uma radiografia contemporânea do macho cansado contemporâneo é traçada, graças à colaboração de vários dos artistas de ação a que cresci desgostando: o troncudo Jason Statham vivifica um especialista em facas que é abandonado pela namorada e carrega o peso do abandono para suas atividades assassinas contratadas; Jet Li reclama o tempo inteiro que sua vida é mais difícil porque ele é baixinho e, como tal, exige mais dinheiro, pois deseja constituir família; Bruce Willis faz pose de sério e intimidador, mas só porque está a serviço de uma conceituada equipe de inteligência norte-americana; Arnold Schwarzenegger faz um minúscula participação auto-promocional enquanto futuro candidato à presidência do país em que vive; Dolph Lundren interpreta um atormentado matador, que sente um prazer sádico ao enforcar os homens que persegue, mas se vê tentado a lutar contra aqueles que o receberam como amigo; e o deformado Mickey Rourke, meu personagem favorito no filme, interpreta um tatuador melancólico que explica ao protagonista o porquê de ele carecer tanto de uma companheira romântica ao seu lado: ficar sozinho é algo triste, concluir ao relembrar um resgaste malogrado numa antiga missão na Bósnia-Herzegovina.

Aliás, no compêndio de personagens acima relatado, percebi que não destaquei justamente o protagonista vivido por Sylvester Stallone. Motivo: ele é um canastrão deveras incômodo como ator, apesar de sua sagacidade perturbadora enquanto argumentista calejado, infelizmente inconvincente quando ele atola o roteiro de seu filme com piadinhas em graça sobre hombridade, paradoxalmente muito relevantes no que tange à composição psicológica dos tipos descritos no parágrafo anterior. Gostei muito do filme!

Chegando a este ponto da postagem, pergunto a um eventual leitor: é surpresa que eu tenha gostado tanto deste filme? Não, não é! Quem me conhece (e sabe do interesse que nutro e alimento pela alma/psique masculina), sabe que não é, apesar de ser demasiadamente engraçado (ou previsível) como a personagem não necessariamente frágil de Giselle Itié funciona enquanto catalisadora de muitas das boas percepções que este filme tão defeituoso nos leva a proferir: numa dada cena, quando estava sendo raptada pelos legítimos vilões do filme, que atiram no mercenário vivido por Sylvester Stallone, ela grita “soltem-me, seus mercenários”, numa antecipação bem-vinda da crise de igualdade de princípios destruídos/destrutivos que o janota malévolo interpretado por Eric Roberts direciona aos supostos “mocinhos” violentos desta obra; e, em momentos anteriores, o esquisito sentimento que o protagonista percebe que direciona a ela rende um ótimo e longo diálogo lacrimal com o tatuador anteriormente elogiado, apenas para ficar em exemplos positivos de caricaturização atrativa entre sexos opostos que não são comprometidos pela atuação desenxabida da atriz mexicana radicada no Brasil.

Digo mais: apesar de ter desgostado do roteiro, alguns diálogos são muito bons. Aquele que particularmente mais me trouxe boas recordações à mente: depois que volta de uma missão na Somália, o personagem de Jason Statham (pitorescamente chamado Lee Christmas) percebe que sua namorada está vivendo com outro homem. Depois que viaja ao país latino-americano fictício e resolve reencontrá-la, percebe que ela foi espancada pelo novo namorado, de maneira que ele o espanca vingativamente em público (numa quadra de basquetebol) e depois de enfiar uma faca na bola com que o espancado jogava, lança a seguinte sentença: "da próxima vez, eu furo as tuas bolas". Em seguida, ele dá carona a sua namorada e proclama, apaixonadamente: “eu sei que não sou perfeito, mas bem que tu poderias ter me esperado: eu valho a pena!”. Só por esta cena, eu deixo aqui a certeza de que este filme deve ser visto com muito mais cuidado e atenção do que pressupõem os seus divulgadores. Muito bom mesmo!

Wesley PC>

Nenhum comentário: