terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

“O SEU CORPO É O TEMPLO DE DEUS. NÃO PROFANE NUNCA ESTE TEMPLO!”

Na seqüência de abertura do filme “Maurice” (1987, de James Ivory), um aluno e um professor caminham pela praia. O aluno estava prestes a viajar para outro colégio, ao passo em que o professor estava sobremaneira preocupado em explicar as “grandes modificações” por que passaria o corpo dele em alguns anos. “Que grandes modificações em emu corpo serão estas, professor?”, perguntou o menino, que obteve como resposta alguns desenhos de vulva na areia, desenhos estes que logo escandalizarão algumas uma garotinha que passeava com sua mãe pela mesma praia.

Anos depois, reencontramos o garoto protagonista já crescido e na universidade, sendo testemunha da repreensão do Reitor do lugar a um aluno quando este cita “uma típica inefabilidade dos gregos” numa leitura, inefabilidade esta que diz prontamente respeito à pederastia de alguns personagens, citada num livro. Anos depois, o próprio protagonista baixaria as suas calças numa consulta médica, enquanto repetia, aos prantos: “sou um inefável, tanto quanto Oscar Wilde”. E, aos poucos, esta quase obra-prima aristocrática me fisgava por seu registro precioso das relações e preconceitos humanos, na fria e severa Inglaterra da década de 1910.

Oficialmente, o filme centra se interesse inicial no relacionamento interdito entre o protagonista (vivido pelo loiro James Wilby) e um colega interpretado por Hugh Grant, que casa-se com uma mulher mais tarde e proclama que “o único relacionamento aceitável entre dois homens é aquele permeado pelo mais puro platonismo”. Não me contive ao término da sessão e direcionei imediatamente esta mensagem a um rapazola, que comentou que estava agora a se estabilizar no plano afetivo, enquanto que, no filme, o protagonista é levado a transmutar seus desmazelos românticos no enfrentamento da luta de classes. “O amor que não ousa dizer seu nome” é obrigado, por excelência, a ser demasiado ousado noutras áreas sociais. E, por algumas horas, eu fiquei tentado a crer que a perversão nata vinculada a este tipo de relacionamento fosse um detalhe secundário. Até que o insuspeito sexo penetra no filme, literalmente.

E, por mais indubitavelmente sexual que a comunhão erótica entre dois homens seja, no filme do pomposo (e outrora genial) James Ivory tudo foi tratado com tamanha graça, tamanha elegância, que até me foi permitido sonhar, até me foi permitido crer que o sexo não é o tabu violento que se mostra diante de mim, que ainda me encontro violentamente atrelado a uma noção de (não-)virgindade que fica mais difícil de ser definida, sentida ou explicada a cada dia...

O que me leva a pensar num episódio que me ocorreu ontem, enquanto caminhava para casa: um grupo de mulheres barrigudas zombava de uma dupla de homossexuais demasiadamente afetados que caminhavam à minha frente. Tachavam-nos de feios, enquanto eu testemunhava envergonhado tudo aquilo. De repente, um belíssimo rapaz sorridente olha para mim, enquanto caminhava em direção aos homossexuais, que sequer olharam para ele (sim, eu olhei insistentemente para trás para ver o que aconteceria, não resisti!). E eu fiquei pensando naquele sorriso estranho o restante da noite. Mas logo voltei para a realidade: adormeci sem escovar os dentes, sem tirar o lençol sujo de pêlos caninos do colchão, sem me cobrir adequadamente... Queria que (me) fosse possível!

Wesley PC>

Um comentário:

tatiana hora disse...

que belo texto sobre sua relação com o filme e otras cositas más!