domingo, 27 de março de 2011

“POR QUE É TÃO INJUSTO?”

Quando estava prestes a redigir uma elegia familiar acerca do dilema que é padecer de diarréia quando o irmão caçula tranca o banheiro para fumar ‘crack’, descubro que o canal fechado TCM está a realizar uma loa à atriz recém-falecida Elizabeth Taylor. Havia acabado de acordar, eram quase 22h, e faltavam poucos minutos para “Gata em Teto de Zinco Quente” (1958, de Richard Brooks) ser exibido na TV, um filme que sempre quis ver. Não sabia que ele seria exibido hoje, modificaram a programação no último instante...

Baseado em peça do homossexual Tennessee Williams, este filme carrega em seus diálogos fortes toda a derruição dos valores familiares a que este celebre autor nos acostumou a esperar de suas obras de arte tão impregnadas de angústia. Os protagonistas são Elizabeth Taylor e Paul Newman. Ele bebe para esquecer. Ela lamenta que ele não tenha engordado depois que se tornou alcoólatra. Ela o ama, ele se autodestrói. Seu pai rico está à beira da morte por causa de um câncer em estágio terminal, apelidado apenas de “colón irritadiço” para não antecipar a dor da família, que em breve perderá seu patriarca. A briga pela herança iniciará antes que ele tombe morto, mas segredos precisam ser desvendados antes que os detalhes burocráticos do testamento sejam discutidos e assinados. Impossível não se identificar com isso!

Apesar de ser um filme extraordinário, “Gata em Teto de Zinco Quente” é afetado por um problema comum às obras que estão à frente de seu tempo: o envelhecimento latente. Em diversos momentos, os tabus apenas suscitados pelo magnífico roteiro incomodam por estarem demasiadamente obscuros, mas, contextualizando-se o filme enquanto produção hollywoodiana de 1958, ele cala a nossa boca, ele estapeia a nossa consciência, ele nos fazer querer torcer por um final feliz, por mais que ele seja tão mendaz quanto os personagens condenavam. Mas, afinal de contas, se “as verdades são tão sujas quanto as mentiras”, de que adianta saber que, quando se vive de verdade, o que se sente é dor e suor, pagar as contas e fazer amor com uma mulher que não se ama mais? Em muitos sentidos, fiquei imaginando a mim mesmo no lugar de Elizabeth Taylor, choramingando amor para um homem que desdenha de sua beleza iridescente. Não que eu queria ou almeje ser bonito, mas pressinto que, numa vida futura hipoteticamente atrelada à sustentação de um gigolô, enfrentarei agruras semelhantes às que ela sofre neste filme impactante. E, de repente, a minha diarréia foi o menor dos meus problemas. Tinha que cuidar do meu irmão doente, tinha que demonstrar que estou ao lado dele. Abri a porta, puxei assunto, aguardei que ele dormisse para sentar diante do computador e desabafar. Numa família, amar é muito mais do que um simples verbo ou uma palavra de quatro letras!

Wesley PC>

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