terça-feira, 12 de julho de 2011

A CULTURA MORIBUNDA, O COLUNISMO SOCIAL COMO AGENTE FUNERÁRIO...

Quem ainda não tiver visto “O Príncipe” (2002, de Ugo Giorgetti) e que, como eu, não sabe o quanto este filme é genial, talvez não deva ler esta crônica agora: começarei o texto pela magnífica dose de sarcasmo emulada na seqüência final. Aguardando placidamente a sua vez de embarcar para Paris, onde vive há mais de 20 anos, o intelectual que protagoniza este filme é interpelado por uma ‘socialite’, que começa a se gabar da viagem. Quando ela descobre que ele passou apenas a última semana de passagem pelo Brasil, tasca uma pergunta providencial: “vieste por causa de negócios ou prazer?”. Ele, seco: como a senhora classificaria um funeral?”.Glupt!”: eis a resposta, em uníssono, da platéia!

Tinha esquecido que este filme seria exibido na TV hoje à tarde. Era um plano secundário ou terciário, aliás. Divertir-me-ia com amigos, mas um atraso de meu irmão impediu a minha sápida. Eu estava sem dinheiro para a passagem de ônibus e ele estava com a minha careteirinha de passes. Comentei o assunto com um dos amigos que planejava encontrar, pedindo para protelar o nosso encontro. Ele: “estou feliz pelas escolhas que tu fizeste”. Respondi-lhe com uma paráfrase do teórico búlgaro Tzvetan Todorov, que comentou que considera a disseminação “democrática” do não-racismo uma imposição contra o livre-arbítrio dos indivíduos. Não fui cínico: de fato, eu havia me identificado deveras com o que havia lido horas antes desta resposta. Numa das cenas do filme, o intelectual, especializado em exegeses sobre Maquiavel, reencontra, depois de muito tempo, a mulher que tanto amou. Antes, “ela interrompia qualquer reunião de grêmio estudantil com a mais leve cruzada de suas belas pernas socialistas” e gostava de poesia. Hoje, ele é uma burocrática promotora cultural. Quando eles se vêem na mesma sala, falta energia. Ela: “não há perguntas?”. Ele: “até porque não existem respostas”... Glupt, mais uma vez!

Numa cena anterior, o intelectual conversa com um escroque numa academia de ginástica. Ele alega que, para entender de cultura, a atividade física deve também ser valorizada. Roçam de roupa e, momentos depois, o primeiro encontrará um amigo outrora escritor servindo sopa para mendigos. Entre um e outro reencontro de amigos, um jornalista agora paraplégico se embebeda ao comentar que no estado em que ele se encontra, uma trepada com ele “não seria uma trepada, mas sim uma aula de Zoologia”. E eu exultava e gritava a cada seqüência, enviava dezenas de mensagens de celular a meus amigos, identificava-me por completo com este ótimo filme. “Como eu pude não ter visto isto antes?!”, pensava eu comigo mesmo. Apesar de não haverem respostas, muitas perguntas essenciais estão espalhadas por este filme. Quem diria? Tornei-me mais do que fã da racionalidade crítica (acerca da própria racionalidade crítica, inclusive) de Ugo Giorgetti agora!

Observação: como se todo o cinismo e, quiçá, pessimismo do filme não fossem suficientes, ainda me deparo com uma reportagem ridícula (na revista Caras, logicamente, uma das maiores inimigas midiáticas do próprio filme), deturpando – de propósito? – tudo aquilo que o filme apregoa, filmes este que, nas páginas da revista, é vendido como “uma história de amor que não chegou a se concretizar”. Deus do céu, que obra voluntária e involuntariamente urgente! Se já fazia sentido antes, agora é uma obrigação moral inalienável!

Wesley PC>

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