sábado, 24 de setembro de 2011

‘HABEMUS TESTÍCULOS!’ (ou “O CONHECIMENTO NASCE DA DOR”)

Recentemente, eu e uma amiga conversávamos sobre o seriado de TV “Os Bórgia”, produzido por Neil Jordan, mas que me desagradou, por seu tom de crítica forçada e mui chavonada à tal da Igreja Católica. Esta amiga explicou-me o sentido de uma cena do primeiro episódio do seriado que eu não havia entendido aprioristicamente: quando os representantes clericais enfiam a mão por debaixo da manta do papa eleito e fazem menção sobre a existência de testículos em seu corpo. Segundo esta amiga, tal prática diz respeito à precaução em identificar se o novo papa é, de fato, um homem, pois, segundo ela, houve uma época em que, disfarçada de homem, uma mulher conseguiu atingir este altíssimo posto clerical. Na manhã de hoje, averiguo a programação televisiva e descubro que o canal fechado Telecine Touch exibiria um filme de nome “A Papisa Joana” (2009, de Sönke Wortmann). Faltei à minha aula matinal de sábado, convoquei minha mãe para me acompanhar na sessão e não pensei duas vezes em sentar-me diante da TV para ver o filme. Para além de seu convencionalismo narrativo, não é que eu gostei muito do mesmo?

Como era de se esperar nalgo do gênero, a direção é acadêmica, o roteiro é convencional em sua higienização biográfica e as interpretações são muito boas, mas sem arroubos. Ainda assim, a trama é convincente e a história da tal Joana Anglicus, seja verdadeira ou não, é tocante, emocionou tanto a mim quanto à minha mãe. Para quem se interessar pelo filme, bastante recomendável, afinal de contas, a trama se passa no século XIX d.C., quando um dado narrador descobre que a vida da tal Joana é considerada apócrifa. Acompanhamos, em seguida, o nascimento da personagem, filha de um padre muito rígido e cruel na difusão de suas mentiras religiosas. Ela cresce motivada por uma sede inata de conhecimento e, quando seu irmão mais velho morre de pneumonia, ela clama para ser enviada a uma escola de padres, negada para meninas. Seu pai nega terminantemente, mas ela foge, se apaixona por um Conde casado, escapa de um massacre promovido por invasores escandinavos, disfarça-se de homem e, após uma série de percalços (e de uma bem-humorada participação do veterano John Goodman com um papa bonachão que sofre de gôta), ela torna-se, finalmente papa (não papisa, mas papa mesmo, na flexão masculina do vocábulo), até que... Bom, o resto deve ser visto no filme!

Após a sessão, tive plena ciência de que fui manipulado enquanto espectador, de que o modo como a estória (real?) é contada exagera na edulcoração personalística dos biografados ou nas oposições maniqueístas de poder e autoridade com que a protagonista se depara em mais de uma situação. Seja como for, me senti questionadamente religioso durante a sessão, o que foi deveras positivo para a apreciação benévola do filme. Minha mãe, obviamente, ficou assaz emocionada com o filme, posto que ambos estamos emocionalmente frágeis, em decorrência do sofrimento enfrentado por nossa cachorrinha, que jazia na sala onde víamos o filme. Num dado momento da sessão, a cadelinha fez xixi, o que foi esperançoso e empolgante, já que isso indica que talvez seus órgãos internos ainda estejam funcionando, não tendo sido completamente destroçado pela violência do atropelamento por ela sofrido. Apesar de nossas veementes críticas e insatisfações contra a Igreja, eu e minha mãe somos teístas e temos fé, de maneira que foi interessante questionarmos os fundamentos ideológicos de tal fé durante a sessão do filme. Digo mais: ele é tão hollywoodiano em forma e conteúdo que estranhei demasiado que ele não seja mais conhecido pelo público em geral. No que depender de mim...

Wesley PC>

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