sábado, 15 de outubro de 2011

A DIGNIDADE DE UMA “RAÇA” HUMANA:

Na noite de sexta-feira, após uma árdua jornada de trabalho burocrático, dediquei-me à leitura de um ótimo artigo do filósofo esloveno Slavoj Zizek sobre o cineasta polonês Krzysztof Kieslowski. Já havia me programado para ler este artigo, de maneira que foi quase uma coincidência ter assistido ao curta-metragem do diretor “Sete Mulheres de Diferentes Idades” (1979) minutos antes. E, para acentuar ainda mais o caráter válido desta coincidência, eu havia chegado em casa um tanto preocupado por ter me rendido humoristicamente a algumas piadas inocentemente misóginas (mas, ainda assim, inaceitáveis) provindas de um colega de trabalho homossexual. Este, francamente enojado quando se imagina diante de uma vagina, costuma referir-se às mulheres como sendo “uma raça ruim” e, depois de termos discutido com uma loira bonita e incompreensível, ele pronunciou novamente esta expressão pejorativa, o que chateou uma lésbica que trabalha conosco. No ato, quando me percebi rindo deste tipo de piada, senti-me incomodado também: misoginia é algo vergonhoso, mesmo que seja disseminada através de simples piadinhas para-heterofóbicas. Senti vergonha de mima mesmo, portanto.

Quando entrei na sala de minha casa, ainda com o bornal em minhas costas, alisei os meus três cães e sentei-me no sofá, levemente perturbado por um indício renitente de enxaqueca. Meu irmão assistia a uma partida de futebol na TV e minha mãe lavava os pratos na cozinha. Resolvi assistir a um curta-metragem enquanto jantava alguma coisa. Minha mãe pôs panqueca de queijo e bolo de ovos num mesmo prato, acompanhados por um copo largo de café. Liguei a TV. As legendas do filme estavam dessincronizadas e incompletas, mas isso não me incomodou: o filme é dramático, íntimo e genial. Tratava-se de um documentário, mas o brilhantismo “teológico materialista” (como diria o Slavoj Zizek) do cineasta estava lá. E eu me emocionei deveras, é claro!

No filme, como o título é bastante claro em antecipar, acompanhamos o cotidiano de sete bailarinas de diferentes faixas etárias, em diferentes dias da semana. A primeira delas é uma garotinha ensaiando os primeiros passos numa escola de balé. A segunda é um tanto mais crescida e ainda mais pressionada. Uma terceira é quase profissional. Uma outra já se apresenta nos palcos como aprendiz de estrela, até que, quando chegamos à sétima bailarina, é como se um ciclo vital se fechasse (ou melhor, se abrisse ‘ad infinitum’), posto que estamos de volta ao terreno da escola de balé, onde a bailarina mais velha é uma mulher aposentada, que se dedica a transmitir seu entusiasmo pelos passos graciosos desta dança a pequenas garotinhas despreparadas. Mas documental e concomitantemente emocionante é difícil. Incrível como o Krzysztof Kieslowski possuía este magistral talento para captar as manifestações teológicas do acaso até mesmo em retratos não- ficcionais da realidade. Gênio!

Sentando em frente à minha casa, eu aguardava a visita de um amigo, que disse que precisava conversar comigo. Alguns minuto depois, ele me envia uma mensagem, dizendo que estava caindo de sono e que conversaríamos noutro dia. Eu também estava muito sonolento (e/ou cansado), mas queria conversar com ele, gosto de conversar com ele... Para compensar esta leve mudança de planos, direcionei a este amigo, a outras pessoas queridas em minha vida e à lésbica que me mostrou que eu estava errado ao rir de uma piada misógina tão vergonhosa quando aquela a citação do psicólogo Otto Weininger que estava contida no artigo de Slavoj Zizek que eu lia naquele momento: “o amor por uma mulher só é possível quando não leva em conta as qualidades reais desta, sendo capaz, portanto, de substituir a realidade física efetiva por uma realidade diferente e absolutamente imaginária. A tentativa de realizar nosso ideal numa mulher, em vez de enxergá-la tal como ela é, implica necessariamente destruir a personalidade empírica da mesma. Desse modo, essa tentativa é cruel para a mulher; é o egoísmo do amor que a ignora, e menospreza sua verdadeira vida interior. [...] O amor é assassinato”. Glupt!

Ciente de que, pelo menos o meu amigo sonolento, a minha companheira lésbica de trabalho e o meu melhor amigo filosófico emocionar-se-iam deveras com esta citação, resolvi direcionar-lhes mais um trecho genial do artigo, desta vez redigido diretamente pelo autor esloveno, que resumir assim a moral da estória do esplêndido filme “Decálogo 6/ Não Amarás” (1988): “não há amor (total, recíproco), existe apenas uma imensa necessidade de amor – todo encontro amoroso real falha e nos faz regressar à nossa solidão. Talvez apenas quando estamos apaixonados é que podemos nos confrontar completamente com a nossa solidão fundamental”. E, mais do que estar apaixonado, eu sou apaixonado. Tanto que, por volta das 3h30’ da madrugada, despertei apavorado de um sono, por sentir morto um rapaz que, na infância, fora um dos meus principais interesses amorosos. Mas isso já é outra história. Por ora, desejo pedir aqui desculpas às mulheres em geral por ter duvidado genericamente, por alguns minutos e através de chistes, de sua dignidade genérica. E o ciclo se reabre...

Wesley PC>

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