sábado, 19 de novembro de 2011

CONTINUAÇÃO: “POSSUIR É VIVER COM MEDO; DESEJAR É VIVER COM DOR”...

Estou trancado no meu quarto, meia-noite, sem ninguém.
Eu não durmo, mas, prá mim, tá tudo bem.”

(Detonautas Roque Clube – álbum “Roque Marciano” – 2004 – Faixa 05: “Só Por Hoje”)

Ouvi esta mesma faixa diversas vezes antes de dormir. Ouvi esta canção na voz de um menino vigorosamente jovem na tarde de sexta-feira e algo me fez ficar com esta canção ‘pop’ na cabeça. Ao acordar, investiguei a programação de TV e percebi que o clássico “Pistoleiros do Entardecer” (1962), do genial Sam Peckinpah, seria exibido no canal TCM. Tratei de agendar este filme como parte das comemorações natalícias de uma grande amiga de infância, que envelheceu comigo, ao longo de 18 anos de experiências conjuntas. Motivos extemporâneos interromperam os meus planos de ver o filme conjuntamente. Mas eu não podia deixar de ver este magnífico petardo sobre amizades que envelhecem: um filme de faroeste em que, numa das cenas iniciais, uma corrida entre um cavalo e um camelo é o pivô de uma briga? Eu tinha de ver isto!

Em verdade, a filmografia integral do diretor Sam Peckinpah havia sido recentemente recomendada por um grande amigo, com quem convivo ao longo de 15 anos. Este, porém, pareceu que não gostava muito deste filme em particular. Eu achei um dos melhores do diretor: a suma coerência temática em relação ao universo de violência que transmuta seres vivos me fisgou pela alma. Tive medo de me identificar e de estar daquele jeito daqui a alguns anos. “Tu me pareces bem mais velho do que eu imaginava”, diz um personagem contratador. “Todo mundo envelhece em dia”, responde um dos protagonistas contratados.

A trama do fiz, conforme anunciado, é peckinpahniana por excelência: um velho xerife (ou algo parecido) é contratado por um banqueiro para transportar uma quantia em ouro extraída de uma mina e pede ajuda de um amigo longevo, que agora trabalha num circo, para acompanhá-lo nesta missão que, outrora simples, parece demasiado árdua para dois velhos. Ele aceita, mas, num dado ponto da jornada, os dois amigos possuirão divergências éticas acerca do que fazer com o ouro e com as memórias. O desfecho fatalista – num plano bem genérico acerca das mazelas no tempo – não poderia ser mais profético e doloroso: “a gente se vê”, diz um dos amigos ao outro, que fora cravejado de balas e não tardará a morrer. E eu em transe, emocionado!

Um detalhe: além dos dois amigos velhinhos, um rapaz estouvado é contratado por um deles para acompanhá-los na jornada. Este se apaixona pela filha de um viúvo deveras religioso, mas predestinada a se casar com um facínora juvenil. Várias mazelas e pugnas acontecem antes que a rapariga perceba que o seu noivo é um descarado e se interesse pelo rapazinho apaixonado por ela. Numa das cenas mais geniais e inesperadas do filme, uma cerimônia legítima de casamento civil acontece no interior de um bordel. E, enquanto eu prestava atenção ao filme, um amigo recém-divorciado conversava comigo sobre os efeitos colaterais da impavidez desejosa do órgão de seu corpo que pode ser apelidado como “caralho”. E, em duas cenas diametralmente opostas em seu efeito de cinismo, os dois velhos dizem um para o outro, em tom de condenação no que tange ao modo como admoestam repressivamente os anseios sexuais do pistoleiro mais jovem: “não demonstre a sua idade, interferindo nos comportamentos sexuais do menino”. Eu ri, de nervoso. E, na foto, a breve cena – de altíssima relevância discursiva – em que um automóvel aparece no filme, logo no começo, na cena em que cavalo e camelo estão disputando a tão corrida que acaba em briga. Eu não prestei atenção a esta cena. Talvez eu tenha levantado para ir ao banheiro ou para ler uma das várias mensagens de celular que recebi durante a sessão, mas fiquei emocionadíssimo mesmo assim: é incrível o quanto este filme é ideal para se ver ao lado de amigos que envelhecem! Glupt!

Após a sessão, adormeci. Estava cansado e lancinado emocionalmente. Despertei com o toque insistente de meu celular, decorrente do desrespeito lamentoso da namorada lésbica de uma amiga de trabalho, que, mais uma vez, acabara de brigar com sua companheira e ignora que eu não tenho nada a ver com este relacionamento, que eu estou pouco me lixando para as brigas com suas cinco ex-namoradas. Conclusão: fiquei um tantinho irritado, mas, nem bem me sentei diante do computador, toda a magia amarga do filme voltou à tona. Ave, Sam Peckinpah!

Wesley PC>

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