sábado, 12 de novembro de 2011

“A VAGA TRISTEZA, QUE O MORRER DO DIA SEMPRE TRAZ, SE APODERAVA DAS COISAS”.

No último fim de semana, precisei viajar para uma cidade do interior do Estado em que vivo, a trabalho. Aproveitei a oportunidade para pôr em prática a leitura de um dos romances clássicos nordestinos pelo qual eu mais ansiava. Não o tendo encontrado na biblioteca, aceitei a sugestão de um rapaz que trabalha comigo e me deixei levar pela torrente de lágrimas que atende pelo nome de “os Corumbas” (1933), obra-prima do sergipano Amando Fontes, sobre o qual já foi escrito:

“Tudo é belo neste livro, os personagens, a alma que os aviventa, o céu, a terra, os campos, as árvores e o rio que sussurra levando para o mar as lágrimas dos homens e das coisas. Sergipe é uma terra esquecida, pequenina. Amando Fontes fá-la viver e amar na sua tragédia íntima e a sua terra deve-lhe esta maravilhosa evocação, uma das mais impressionantes que conhecemos.” (João Ribeiro, Suplemento Literário do Jornal do Brasil, 03/08/1933)

Assim, para falar a verdade, o autor da crítica citada acima cometeu um equivoco em sua resenha do livro. Destacou como sendo três as filhas desgraçadas pela miséria do casal Geraldo e Sá Josefa Corumba. Eram, na verdade, quatro: Rosenda, a mais velha de todas, que, apaixonada por um malandro, sucumbe à prostituição; Albertina, a que vem em seguida, era trabalhadeira, mas, enganada por um médico mulherengo que a corteja e, em seguida, a abandona, também sucumbe à prostituição; Bela, frágil, mas também trabalhadeira, quando a sua saúde frágil permitia, logo morre; e havia, por fim, Caçulinha, apelido carinhoso para Joana, a mais bela das filhas, encantadora e graciosa, que, afinal, por ter sido deflorada por um homem que, de fato, parecia apaixonada por si, finda solitária, numa casa de meretrício luxuoso. Dentre os varões, apenas um sobrevive: Pedro, loiro, impávido, dentro em pouco apaixonado pelos ideais comunistas. Aos pais, restava lamentar os infortúnios que os afligiram depois que migraram para a capital sergipana, Aracaju, e, após ficarem novamente sozinhos, voltaram para a cidade do interior em que se conheceram e na qual, um dia, o patriarca pôs sua mão sobre a da futura mãe desgraçada de família e “a amou por toda a vida”. E, desde logo, eu me vi apaixonado por este livro...

À medida que a minha leitura evoluía, o livro me atraía mais e mais pela leveza com que o realismo da trama se deslindava. Trazendo em seu bojo todas as virtudes de uma literatura regional que se fazia tradicional no Brasil da época em que foi escrito, “Os Corumbas” conquistava-me não apenas por sua escrita fluída, por seus personagens interessantemente compostos, mas também pelos temas enredísticos que me são tão caros: a miséria decorrente da exploração do homem pelo homem, manifesta no livro principalmente pelas duas imperiosas fábricas têxteis concorrentes onde os filhos do casal protagonista trabalhavam; os infortúnios decorrentes da má administração dos desejos eróticos e exacerbados lampejos passionais; as incompreensões da luta política; os desentendimentos decorrentes das diferenças de geração entre pais e filhos... Tudo neste livro era simples e encantador. É um romance daqueles que fica cravado para sempre em nossos afetos.

Dentre todos os personagens, porém, o que mais me encantou não possui o sobrenome Corumba. Tratava-se do advogado aposentado Dr. Barros, que, depois de ter acumulado fortuna, resolve se estabelecer na capital do menor Estado do país e dedicar-se à atividade filantrópica corriqueira. Vi neste personagem um ideal de vida futura, a vontade de fazer algo pelos semelhantes num patamar que justificasse bem a emocionada descrição de princípios do personagem: “gênio um tanto esquisito, amigo da solidão e dos livros, fugira sempre ao casamento. (...) Não era uma grande inteligência. Mas estudara muito. Conseguira, mesmo, formar uma cultura sólida e variada. Tinha a prosa fluente e colorida”. Sei que já havia destacado este trecho do romance, mas repito-o orgulhosamente, de tão encantatório e sincero que ele me pareceu. Queria ser como o Dr. Barros algum dia...

Mas, por ora, creio que eu esteja mesmo ao lado dos Corumbas em nossa similaridade de destinos proletários. Trabalhar da hora que acorda à hora que dorme, lidar problematicamente com a vontade de se entregar em paixão a outrem, brigar com quem se ama pelos motivos mais tolos e incompreendidos, nos perceber esmagados pelo capitalismo implacável e circundante, estes são os imperativos verbais que cimentam a comunhão entre minha própria saga e a biografia dos Corumbas. Maravilha de romance. Obrigado, Brunno, por teres me apresentado a ele!

Wesley PC>

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