sábado, 22 de janeiro de 2011

UM DOCUMENTO VISUAL E A PREVISÃO CERTEIRA DA ENXAQUECA OU DE COMO O AMOR PERMANECE VIVO E FORTE DENTRO DE MIM, HAJA O QUE HOUVER!

Depois que me repassaram as fotografias da comemoração praiana de meu aniversário de 30 anos, deparei-me com esta imagem, captada por volta das 22h do sábado, 08 de janeiro de 2011. Nela, vê-se claramente que algo em minha sobrancelha direita me afligia: era a dor, que me persegue inclementemente ao longo de semanas, uma enxaqueca ainda não devidamente diagnosticada pelos médicos, mas que me faz sentir debilitado física e socialmente nas últimas semanas. Não bastasse a dor forte (que abranda com a ingestão de analgésicos), incomoda-me mais ainda o medo das contrações doridas que me fazem sentir como se fosse parir algo. Uma dor que pulsa, que me faz quase querer vomitar, que me obriga a deitar no chão, onde quer que eu esteja... Mas eu enfrento (ou tento) – e, neste enfrentamento, deparei-me com o belo excerto literário a seguir:

“Os meninos quedos e taciturnos olhavam em derredor de si com tristeza. Pela primeira vez, cismas saudosas, anuviadas de um leve toque de melancolia, pairavam sobre aquelas frontes infantis. Dir-se-ia que, nos vagos rumores do fim do dia, estavam ouvindo o derradeiro adeus do gênio prazenteiro da meninice, e que, no dúbio clarão róseo que afogueava ainda a orla extrema do ocidente, entreviam o último sorriso da aurora da existência.” [O SEMINARISTA (1872), de Bernardo Guimarães, capítulo I]

Amo demais, amo. E sinto dor, sinto!

Wesley PC>

“TU QUERES NÃO FAZER PLANOS COMIGO?”

A pergunta acima está relacionada a um pedido disfarçado de casamento no interessante filme-chavão romântico hollywoodiano “Casa Comigo?” (2009, de Anand Tucker), visto na tarde de hoje. Apesar de ser protagonizado pela mais do que simpática Amy Adams, este filme foi demasiado subestimado nas bilheterias, creio, visto que eu não o conhecia ainda, e vi-o por mera casualidade, graças a uma colega de trabalho que o baixou há alguns meses. E gostei. Bem mais do que eu esperava, aliás!

Curiosamente, antes de ver este filme, eu estava a explicar a um colega de trabalho como se dá o sutil processo de contrabando de ideologias em filmes comerciais e clicherosos aparentemente inofensivos, acrescentando, porém, que isto não implica em deixar de ver este tipo de filmes, mas, pelo contrário, ser bem mais vigilante em relação a eles e ao que eles intentam transmitir. Em mais de um sentido, portanto, insatisfiz-me com o filme ora comentado, mas, no saldo geral, como ele me pareceu sincero em sua demonstração do que é o amor súbito. Quantos filmes similares não fizeram o mesmo, mas... Algo nesta tal de Amy Adams me encanta! Sem contar que o Matthew Goode, parceiro dela na produção, definitivamente, não é de se jogar fora!

Na trama, ela vive uma decoradora provisória de apartamentos à venda, que anseia para que seu namorado cardiologista há cerca de cinco anos a peça em casamento. Ele é o proprietário de um ‘pub’ irlandês, que se tornou potencialmente rabugento depois que foi traído por sua namorada e seu melhor amigo. Quando os dois personagens se encontram pela primeira vez, temos certeza de que eles estarão juntos até o final, mas, até lá, que belas surpresas preenchem este bom filme!

As surpresas: o título original do filme (“Ano Bissexto”) refere-se a uma tradição local irlandesa, em que, uma vez a cada quatro anos, as mulheres é que pedem seus noivos em casamento, e não o inverso. Este é o ponto de partida para que a protagonista viaje até a Irlanda, onde é questionada pelo motorista que contrata (e pelo qual obviamente se apaixona) acerca do que salvaria de sua casa se tivesse apenas 60 segundos para fugir de um incêndio. Incapaz de responder imediatamente, ela constata ‘a posteriori’ que tem “tudo aquilo com o que sempre sonhou, mas não o que realmente necessita” e, não por coincidência, foi justamente sobre isso que eu conversei hoje, primeiro com o supracitado colega de trabalho e, em seguida, com um amigo casado com quem encontrei no trajeto para casa. Com o primeiro, assumi que a evasão romântica através de filmes hollywoodianos é deveras perdoável e que não é estranho que eu me submeta a ela de vez em quando. Com o segundo, eu fiquei a me perguntar se sou realmente uma boa influência para outrem, considerando a falta de planejamento em longo prazo com que eu conduzo a minha vida. Ao final, eu estou aqui. Gostei do filme: simples, capitalista, defeituoso, prioritariamente venal, porém encantador!

Wesley PC>

OS DISCOS QUE EU COMPREI PELA CAPA #4:

A cada novo dia, constato que estou mais compulsivo no que tange à obtenção de arquivos musicais, ao passo em que devolvo ao mundo (e a mim mesmo) a extrema satisfação que estes arquivos me causam. Nos últimos meses, dentre os trocentos discos novos que ouvi, volta e meia vejo-me postando sobre afetações mui particulares que estes discos me causam, mas cabe aqui destacar alguns dos receptáculos sonoros que mais foram executados por mim nos últimos dias:

“Bande Sonore de ‘La Double Vie de Veronique’” (1991), de Zbigniew Preisner: em verdade, não posso tachar este disco de “novo”, visto que o reverencio desde pequeno, dado que o filme musicado por este polonês demasiado sensível e genial é um dos preferidos e mais marcantes de minha pré-adolescência. Não sei quantas vezes eu já vi “A Dupla Vida de Veronique” (1991, de Krzysztof Kieslowski), mas, a cada nova sessão, uma nova descoberta. E muitas destas descobertas devem-se à beleza inebriante dos acompanhamentos sonoros operísticos que compõem este disco precioso. Um dos detalhes mais inventivos sobre ele, aliás, é que o músico Zbigniew Preisner inventou um ‘alter-ego’ erudito para si mesmo, o ficcional Van den Budenmayer, compositor holandês que reaparece em diversos clássicos kieslowskianos. Cada uma de suas composições é uma obra-prima e, como tal, não destacarei nenhuma faixa: os trinta minutos de duração deste disco são tão impecáveis quanto uma verdadeira sinfonia!;

• “Youth” (2006), de Matisyahu: em verdade, ainda não ouvi o suficiente deste disco para resenhá-lo com propriedade, mas o inusitado de sua combinação “religião + indústria cultural” é que me serve de chamariz. Para quem não associou o nome à esquisita pessoa ou ao famoso videoclipe da canção-título, Matisyahu é um judeu norte-americano que canta uma variação de ‘reggae’ com fundos hebraicos, letras um tanto ritualísticas e sonoridade múltipla. Vale mais pelo exotismo do que necessariamente pela qualidade sonora (que, afinal de contas, é mediana), mas possui bons refrões e sinceridade em suas preces. Para mim, isto conta muito!;

“Sweet Jardim” (2009), de Tiê: este pequeno disco independente brasileiro é uma verdadeira preciosidade melancólica. A voz da cantora paulistana é de uma suavidade encantadora (lembra bastante uma versão tupiniquim da lancinante Cat Power ou da canadense Feist), suas letras são dotadas de sinceridade autobiográfica e os acordes delicados grudam em nosso cérebro. O disco é uma delícia de ser ouvido, de ser assobiado, de ser sentido. Dentre as belíssimas faixas, a canção de abertura (“Assinado Eu”), o percurso poético-narrativo de “A Bailarina e o Astronauta”, a anglofilia suave de “Gold Fish” e as memórias pessoais emuladas em “Passarinho” são as minhas favoritas, mas o disco todo é um primor! Acho difícil que alguém não o aprecie...

De resto, é isso: música salva vidas!

Wesley PC>

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

PESSOAS VELHAS NÃO SE SEPARAM?!

A pergunta fará muito sentido para quem ver “Minhas Mães e Meu Pai” (2010, de Lisa Cholodenko), filme a que eu assisti meio que por acaso e que me encantou fortemente. Numa leitura superficial do enredo, talvez eu não suspeitasse do quanto ele seria pungente: a filha mais velha de duas mulheres bem-casadas (interpretadas por Anette Bening e Julianne Moore, magníficas) completa 18 anos e decide conhecer o homem que doou o esperma através do qual ela foi concebida. Uma situação familiar deveras corriqueira, no patamar contemporâneo, mas que se desdobra em situações encantadoras no plano dramatúrgico.

Numa das minhas seqüências favoritas, os filhos do casal de lésbicas interrogam-nas acerca do porquê de as mesmas apreciarem filmes pornográficos homossexuais masculinos, ao que uma delas responde: “nós, mulheres, temos uma sexualidade de caráter internalizado. Por isso, eventualmente gostamos de vê-la manifesta em algo externo, como um pênis”. Noutra situação, uma das mães pensa que seu filho de 15 anos é ‘gay’ e, não o sendo, ela lamenta que ele seja tão insensível. Num terceiro momento, a mais sisuda das mães, que é médica, percebe que possui um gosto musical similar ao seu doador de esperma e começa a cantarolar, emocionadamente, “A Case of You”, clássico interpretado pela canadense Joni Mitchell, cujo talento inspirou o nome de batismo da filha dela. Em mais de um momento, beirei o choro durante a projeção: o filme é de uma beleza surpreendente, magnificamente interpretado e com um roteiro que tem muito a dizer sobre as novas configurações e, quiçá, contradições da família hodierna. Recomendo!

Quanto à pergunta do título: ai, ai...

Wesley PC>

UM BANHO DE AMOR E CARINHO...

Na tarde de ontem, fui afligido por lembranças intensas das campanhas publicitárias do amaciante Fofo, cujo ursinho que servia de mascote encantava-me por sua graça, por seu charme, por seu encanto, por sua beleza vendável. Tentei encontrar uma imagem que justificasse o quanto este animalzinho de pelúcia era encantador, mas não encontrei. Por outro lado, recebi de um amigo uma cópia do ótimo filme “Vida Sem Destino” (1997, de Harmony Korine), cujo clímax é a cena postada na imagem, em que o rapaz protagonista Solomon (Jacob Reynolds) passa um longo tempo imerso numa banheira com água suja, enquanto lava seus cabelos com xampu e come espaguete com leite e uma barra de chocolate. Esta imagem icônica, aliás, tornou-se o meu correspondente da campanha publicitária do Fofo na adolescência (risos). Na idade adulta, a pletora de imagens canônicas perpassa pela obra do Apichatpong Weerasethakul... Só avisando!

Wesley PC>

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

MAIS DO QUE NUNCA, HOJE EU TE AMO, APICHATPONG WEERASETHAKUL!

Não existe outra expressão interjetiva que possa resumir o que sinto neste exato instante: acabo de ver “Tio Boonmee, que Pode Recordar Suas Vidas Passadas” (2010) e ainda estou perplexo com a genialidade, inventividade, ousadia, potencial crítico, beleza, supremacia desta mais recente obra-prima do diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul. O filme não somente é supremo como também me demonstra a doce falência de um teorema: quando um artista realiza obras que costumam superar, uma após outra, os nossos paradigmas de perfeição consensual, como se falar em evolução de estilo ou maturidade conceptual? Parece que este gênio já nasceu mais do que pronto desde o seu primeiro longa-metragem e só se reinventa e nos escandaliza a cada novo petardo artístico. Gênio, gênio, gênio! Aliás, creio que já elogiei este mestre em diversas oportunidades aqui no blog, mas cabe uma breve retrospectiva de seus quatro magistrais longas-metragens antes de eu tentar esboçar quaisquer palavras empolgadas sobre o seu mais recente filme, premiado com louvor no Festival Internacional de Cinema de Cannes:

• “Objeto Misterioso ao Meio-Dia” (2000): como classificar este filme? Documentário? Pseudo-documentário? Documentário sobre um documentário? Documentário ficcional? Ficção neo-documental? Um dos mais belos libelos à palavra narrada (por vias orais) já filmados (traduzindo o tipo de roteiro caro ao norte-americano John Sayles para as florestas tropicais da Tailândia), este filme antecipa muitos dos personagens e situações que veríamos nos filmes posteriores. É como se fosse um ensaio, mas tão brilhante e espetaculoso quanto os resultados. A ser revisto sempre, com um caderninho de anotações debaixo do braço;

• “Eternamente Sua” (2002): faço minhas as minhas palavras, pura e simplesmente;

“Mal dos Trópicos” (2004): em mais de uma situação, fui (e sou ainda) tentado a apelidar esta peça cinematográfica do “o melhor filme que eu já vi em vida”. O roteiro repleto de reviravoltas existenciais e fantasmáticas, o romance homoerótico que vai além de qualquer convenção ou tabu, as críticas ao poderio militar desordenado, o apelo à religiosidade primitiva... Tudo neste filme beira o teológico, obra-prima do começo ao fim, revisto N vezes e sempre me causando o mesmo espanto, o mesmo choque, o mesmo gozo, o mesmo deleite!;

“Síndromes e um Século” (2006): filme bem mais pessoal do diretor, que aqui intenta biografar um excerto das vidas de seus pais médicos. Porém, quem acompanhou os arroubos de criatividade do cineasta logo percebe que o filme não ficará contido à narrativa ou a uma forma já patenteada. É algo tão transcendental e magnífico como qualquer pedaço de película sobre o qual o famoso “Joe” já tenha posto as suas mãos!;

“Tio Boonmee, que Pode Recordar Suas Vidas Passadas” (2010): por um breve momento, pensei/temi que o diretor tivesse desgastado seu próprio estilo, mas, diante do filme, visto numa sessão empolgante, compartilhada com alguns de meus melhores amigos, o meu queixo cerebral quedou-se caído com fervor, mais uma vez: mesmo que o roteiro fiasse-se à trama básica do velho com insuficiência renal que recebe a visita dos avantesmas de seus parentes falecidos, já seria validada a minha prostração espectatorial diante da supremacia da produção, mas Apichatpong Weerasethakul não se conforma em nos gritar de estupor frente à seqüência em que uma princesa que reclama da ausência de amor é penetrada vaginalmente por um bagre ou ao escandaloso momento em que um monge budista reclama que não consegue dormir em seu quarto porque lá não há sequer um aparelho de rádio. E aquele rapaz convertido em macaco? E aquela anedota sobre o futuro que persegue os “homens que viajam do passado”? E aquele pisca-pisca natalino no mosteiro fúnebre? E aquele choque de ‘faux raccords’ no desfecho? E aquela vaca que foge? E aqueles olhos vermelhos na escuridão da floresta? E aquele esmagador elétrico de moscas no mais recôndito rincão tailandês? Se eu fosse enumerar tudo o que este filme tem de inovador e egrégio, não haveria sequer espaço neste emaranhado de redes virtuais. Genial demais, preciso rever este filme o quanto antes!

Wesley PC>

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

“THE DIVISION BELL” (1994), DO PINK FLOYD, OU CORAÇÕES PARTIDOS AJUDAM-NOS DURANTE DIFÍCEIS DECISÕES...

Em outras palavras: não poderia começar esta pretensa avaliação subjetiva de um grande disco percebido ‘a posteriori’ sem agradecer de coração a meu amigo Renison pela indicação: Obrigado, Renison!

Explicando o processo: não sei bem quem me passou a discografia completa do Pink Floyd, mas a necessidade perene de eliminação de arquivos sobressalentes em meu computador fez com que eu precisasse apagar discos que ainda não tive a oportunidade de ouvir. “The Division Bell” (1994) estava prestes a ser apagado, quando vi uma postagem emocionada de Renison, em seu Orkut, da capa do referido disco num álbum de fotos com o título “Discos que Mudaram a Minha Vida”. Conclusão: tinha que dar uma chance àquele álbum que eu não conhecia e, por acidente, ouvi justamente a faixa mais famosa, “Take it Back”. Ainda assim, não me empolgara por completo em relação à audição integral do disco: a faixa inicial, “Cluster One” demora em iniciar, as faixas longas me impacientavam, tudo parecia contribuir para um funcionamento parcial do disco em relação às minhas pulsões subjetivas...

Numa dessas manhãs, acordei com minha enxaqueca hodierna e costumeira, mas disposto a enfrentar o dia. Pus o conteúdo de um ‘pen-drive’ com mais de 400 canções para ser executado randomicamente e deparei-me com uma canção triste que parecia composta e interpretada por Leonard Cohen. Não é que calhava de ser uma faixa de “The Division Bell”? Algo me tocou profundamente naquele instante: “este disco é muito bom!” – e, na terceira audição do mesmo, vi-me completamente apaixonado por faixas demoradas e belamente desoladoras como “What Do You Want From Me?” (faixa 02), “Wearing the Inside Out” (faixa 06, com visível inspiração do bardo canadense) e “High Hopes” (faixa 11, última e mais longa do disco, perfeita!). Estou encantado, lindo disco. Obrigado, Renison!

E, sobre o livro anteriormente citado, um golpe fatal nas últimas linhas: “ainda mergulhado em seu sonho, bebeu o chá quente. Tinha o gosto amargo. A glória, como todos sabem, é amarga”. E hoje, esta amargura soa como decisão para mim: é hora de fazer algo!

Wesley PC>

A VELHA MANIA DE DEIXAR O CAPÍTULO FINAL PARA O FINAL:

Não fui eu quem tirou esta foto, mas este é o livro que estou terminando de ler hoje: “O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar” (1963), segunda obra do japonês Yukio Mishima que um mesmo rapaz me empresta. Da mesma forma que ocorreu com “Confissões de uma Máscara” (1948), surpreendo-me a cada página com as cortantes revelações do autor, sempre atreladas a uma crueldade e uma sensualidade de caracteres igualmente infantis. Que o diga a passagem a seguir:

“Os pais são as moscas deste mundo. Eles voam por sobre as nossas cabeças, esperando uma oportunidade, e quando vêem alguma coisa podre, vêm zumbindo e mergulham nela. Moscas sujas e asquerosas, anunciando para todo o mundo que treparam com as nossas mães. E não há nada que não façam para contaminar nossa liberdade e nossa capacidade. Nada que não façam para proteger as imundas cidades que construíram para si.” (p.120)

O discurso não é do rapaz protagonista, Noboru, de 13 anos, que observa sua mãe se entregando sexualmente ao marinheiro do título, mas do líder de um grupo formado por cinco rapazolas de 13 anos, que praticam dia a dia a “arte da indiferença”, seja matando gatos a sangue frio, seja detestando pessoas que, em sua naturalidade, apenas se esforçam para serem gentis. E, aos poucos, Noboru é quem perde as graças do mar, mesmo que apenas vislumbre a possibilidade de um dia ser estivador.

Como é hábito de minha parte, li o livro com avidez até o penúltimo capítulo, de maneira que lerei as 10 páginas que ainda restam quando eu voltar do trabalho, mais tarde. Ainda que este livro seja conteudisticamente mais brando que a obra-prima anterior de Yukio Mishima (não há homoerotismo explícito, por exemplo, apesar de o modo como o autor descreve a “torre lustrosa” do marinheiro excita a qualquer um!), a genialidade do escritor perpassa cada linha: o modo como ele escancara a crise familiar que atravessa Noboru e sua mãe viúva; a preocupação minuciosa em detalhar os hábitos ocidentais desta mulher, Fusako; o modo como os colegas de Noboru decoram as incongruências hermenêuticas do Código Jurídico Japonês, antevendo uma perversão criminal infantil tão vigorosa quanto aquela que se destaca em filmes famosos do Shuji Terayama... Tudo nesta narrativa é demasiado grave, tão ferrenho quanto as injustiças de julgamento que trespassam o nobiliárquico e sensual marinheiro Ryuji Tsukazaki. Estou ansioso para consumir o final deste livro, deitado na minha cama, como se estive compactuando com os personagens numa cerimônia ritualística de ‘ménage à trois’ familiar!

Wesley PC>

“TUDO ISTO É PARA MATAR UM COELHO?”, PERGUNTOU MEU IRMÃO – E EU OUSEI RESPONDER “SIM” COM UMA NATURALIDADE TÃO GRANDE...!

Quando eu comecei a ver “A Caça” (1965, de Carlos Saura), em minha manhã de folga, não imaginei que este filme seria tão perturbador. Deveria ter suspeitado em razão do título, esporte que sempre causa desconforto aos vegetarianos, mas cria que a caça de que o roteirista falava era de cunho metafórico. Na verdade, sim o era, mas Carlos Saura – em seus filmes surreais de outrora – tinha esta capacidade genial de ser literal e metafórico ao mesmo tempo. E, com “A Caça” não foi diferente!

No filme, três amigos se reencontram depois de muito tempo. Se um amigo em comum não tivesse se suicidado, seriam quatro. Voltaram a ser quatro graças a uma contingência: o jovem cunhado de um deles, que carrega uma revista de mulheres nuas a tiracolo, desordenando os pensamentos dos mais velhos. O pretexto do reencontro era caçar coelhos, mas estes se encontram pestilentos. O pseudo-instinto esportivo é mais forte: cacemo-los assim mesmo! E um velho manco e uma jovem desgrenhada ajudam-nos na caçada. Ao final, estarão atirando uns contra os outros.

O roteiro é de uma simplicidade atroz e, como moral da estória está a defesa de que “amizade não é uma mercadoria”, mas os brilhantes recursos poéticos, cinematográficos e pensamentais de que Carlos Saura se vale para realizar este filme, que é, ainda, um dos seus primeiros longas-metragens, é tão intenso, tão pungente, que eu me imaginei no interior do filme, e não somente porque a direção de fotografia realça em detalhe a sensualidade da silhueta de Emilio Gutiérrez Caba ou porque a câmera não se furta sequer de flagra um furão mordiscando um apavorado leporídeo no interior de uma toca, mas porque o discurso zombeteiro dos amigos acerca da desaforada “luta de classes” me dizia respeito pessoal. E, na cozinha, minha mãe preparava suco de maracujá com talos de couve, enquanto comentava a suposta enurese de minha cadelinha...

Wesley PC>

COM OU SEM AS INTERVENÇÕES DA BURGUESIA COMPORTAMENTAL, FAMÍLIA É AINDA FAMÍLIA!

Na manhã do último domingo, minha mãe telefonou ao meu irmão mais velho, caminhoneiro, para lhe dizer que, por algum motivo estranho, nossa cabrita berrou a madrugada inteira e, como tal, ela estava preocupada que nossos vizinhos reclamassem. Sob o meu olhar distante de despedida, Rosane pedia a meu irmão mais velho que levasse a nossa cabrita para outro lugar, de maneira que, algumas horas depois, meu irmão estava em nossa casa, dirigindo um automóvel de grande porte. Sorridente, perguntou por minha saúde ocular e retirou um bode pequeno de seu carro, que logo foi solto no quintal, demonstrando que estava faminto, muito faminto. Ao invés de perdermos uma cabrita, ganhamos um bode (risos). Minha mãe pareceu satisfeita com o investimento...

Antes de ir embora, porém, meu irmão mais velho, despertou o irmão mais novo, para saber como ele estava. Conversaram um pouco sobre ressaca e outras conseqüências do uso de substancias alucinógenas e, algumas horas depois, meu irmão chega em casa atordoado, dizendo que presenciara um triplo homicídio na esquina da rua em que moramos. Minha mãe ficou nervosa, mas não percebemos nenhuma movimentação anormal na vizinhança. Meu irmão mais novo dormiu, minha mãe preparou minha comida e eu liguei a TV. Assisti a um seriado televisivo sobre famílias ricas norte-americanas tipicamente disfuncionais: “The Big C”, produzido e protagonizado pela ótima atriz dramática Laura Linney, que vivifica uma professora que descobre estar com câncer e, como tal, tenciona libertar-se de seus vícios burgueses e dar mais valor a ações simples, como deitar-se nua no quintal ou pagar para que uma aluna obesa perca peso. Minha mãe achou o episódio estranho, mas estava com sono. Foi dormir. Meu irmão mais novo jazia noutro cômodo, ao passo em que meu irmão mais velho só poderia cochilar quando chegasse em Alagoinhas – BA. Viver não tem preço!

Wesley PC>

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

ALGUMAS OBVIEDADES SOBRE A PREMIAÇÃO DO GLOBO DE OURO, ANTES DE DORMIR (COMEÇA OFICIALMENTE A TEMPORADA HOLLYWOODIANA DE PREMIAÇÕES):

Durante a divertida cerimônia de entrega dos prêmios da imprensa internacional de Hollywood neste domingo à noite, algumas constatações recentes vieram à tona, sendo esta a mais determinante: a qualidade da safra estadunidense cinematográfica 2010 não é das melhores, ao contrário do que se manifesta na tela pequena. De 10 em 10 segundos, os apresentadores da premiação confirmavam-me isto, através de trechos e da recepção calorosa a obras televisivas elogiadas como “The Boardwalk Empire” (à qual ainda não tive a oportunidade de assistir), “The Big Bang Theory” (“bazinga!” – kkkkkk), “The Big C” (cujos dois primeiros episódios eu vi ontem, na HBO) e, principalmente, “Glee”, que recebeu três prêmios importantíssimos e mais do que merecidos, em minha opinião.

Porém, como o assunto principal do evento é mesmo Cinema, conformamo-nos com o brilho sorridente de Anette Bening, sendo premiada por um filme a que eu ainda não assisti [“Minhas Mães e Meu Pai” (2010, de Lisa Cholodenko), sobre um casal de lésbicas que recebe a visita súbita e exigente do doador de sêmen de seus filhos], mas que acredito ser muito bom; com a subestimação compreensível de “Cisne Negro” (2010, de Darren Aronofsky – vencedor do arrasador prêmio de Melhor Atriz para a fabulosa Natalie Portman) e “127 Horas” (2010, de Danny Boyle), dois dos melhores e mais intensos filmes norte-americanos do ano, sou obrigado e voluntário a admitir; com a merecida homenagem ao veterano Robert De Niro, aplaudido de pé por muitos minutos; e com as menções a outras obras que não são totalmente conhecidas do grande público, como “Carlos” (2010, de Olivier Assayas), originalmente concebido – e premiado – enquanto minissérie de TV.

Por outro lado, apesar de eu ser um fã particular de “A Rede Social” (2010, de David Fincher), não acho que ele mereça algumas das láureas que vem alavancando ao redor do mundo: a trilha sonora é ótima, mas não funciona tão bem incidentalmente; as atuações são irregulares, ora brilhantes, ora ofuscadas; e o roteiro e a direção são extraordinários, mas difíceis, árduos, de maneira que eu quase deixo de entender o porquê de este filme está fazendo tanto sucesso popular e entre os críticos. Mas, ainda sendo obrigado e voluntário a admitir, o melhor filme estadunidense do ano passado até então é mesmo “Toy Story 3” (2010, de Lee Unkrich), concorrente imbatível nas categorias animadas. Cômico e melancólico nas medidas certas!

De resto, é isso: que venha o Oscar, dia 27 de fevereiro de 2011, a publicidade a ele atrelada, a valorização de filmes que, de outra forma não seriam tão conhecidos [“O Vencedor” (2010, de David O. Russell), superestimado; e “O Discurso do Rei” (2010, de Tom Hooper), ainda não visto, por exemplo] e tudo isto que faz com que consumidores de cinema comercial confundam-se com apreciadores contumazes de cinema numa temporada de premiações muito divertida e amplamente benéfica no plano da difusão hollywoodiana. Para mim, é um bom começo. Costuma(va) ser, aliás!

Wesley PC>

domingo, 16 de janeiro de 2011

“É NATURAL QUE AS PESSOAS SE CONHEÇAM, SE APAIXONEM, FAÇAM AMOR... EU SÓ NÃO QUERO MAIS CORRER ESTE RISCO!”

Mais uma vez, vou eu a discorrer acerca dos sentimentos mais básicos dos indivíduos, aqueles que são agrupados sobre o coletivo “pecados capitais”, apenas porque senti uma “invejinha branca” depois que li um belo comentário de uma amiga sobre um filme primevo do Claude Chabrol e quis fazer o mesmo. Assisti a “O Açougueiro” (1970) na manhã de hoje e a extrema qualidade do filme só me deixou mais chateado quando lembro que, para muita gente, Claude Chabrol é lembrado como um mero diluidor do estilo de suspense teórico patenteado pelo cineasta Alfred Hitchcock, quando ele é bem mais do que isso: é um autor de cinema, é um manifestante contumaz contra as divisões sociais de poder, contra a hipocrisia das pessoas que vestem papéis sociais como se fossem complementações anímicas. E a extrema sutileza do roteiro do filme ora visto só me comprova isto de forma positivamente chocante!

Oficialmente, o que pode ser dito sobre a trama deste filme? Digamos que ela esteja centrada em dois excelentes atores: Jean Yanne e Stéphane Audran. O primeiro interpreta o açougueiro do título, um homem um tanto amargurado que gastara 15 anos de sua vida no Exército e, como tal, aprendera a valorizar sobremaneira duas palavras, laureadas verbalmente de 5 em 5 minutos, Lógica e Liberdade; a segunda interpreta uma professora mui competente, que logo ascende ao posto de diretora do colégio, mas, devido a uma decepção amorosa lancinante, evita relacionamentos interpessoais mais íntimos, a ponto de cunhar a declaração temerosa que intitula esta postagem. E, se se pode falar num clímax emocional neste filme, tão cravado de sentimentos doridos à flor da pele, este se dá num passeio que a professora promove com seus alunos a uma caverna pré-histórica, a mesma que surge nos créditos de abertura, onde ela explica que os desenhos na parede correspondem às “aspirações” dos homens primitivos, para, logo em seguida, encontrar a esposa de um colega de escola esfaqueada na relva. Não se precisa dizer mais nada!

Se, antes deste filme, eu ainda tinha qualquer reserva ao talento mui sutil do genial Claude Chabrol, agora me rendo totalmente à sua argúcia analítica do ser humano e, antes de tudo, devo agradecer à minha amiga por ter escrito aquele texto curto tão belo sobre outro filme deste cineasta, ainda não visto por mim. Sou fã do Claude Chabrol e, como tal, defendo “O Açougueiro” como um dos melhores filmes que ele já fez. Que tétrica beleza, meu Deus! Jamais me esquecerei do olhar de Stéphane Audran ao final...

Wesley PC>