sábado, 26 de março de 2011

COMO TRANSFORMAR UMA MERCADORIA BARATA NUM REFINADO CANAPÉ:

A resposta pode ser induzida a partir de uma cena primorosa do filme pornográfico “The Opening of Misty Beethoven” (1976), dirigida por Radley Metzger, na época em que ele ainda assinava como Henry Paris. Na cena em pauta, a prostituta de beira de esquina Dolores Beethoven, treinada para se tornar a sedutora Misty Beethoven do título por um sexólogo esnobe e um tanto entediado, atira-se sobre um artista homossexual numa galeria. Seguindo passo a passo os conselhos de seu instrutor, ela arremessa seu corpo contra o do homossexual e, na escuridão proposital de uma galeria, ela fala: “tem algo no seu olho”, ao que ele retruca: “como tu podes enxergar se está tudo escuro aqui?”. Ela insiste: “eu vi antes que as luzes se apagassem” e, no momento seguinte, o plano foi exitoso: ela consegue fazer com que ele a penetre. Ela está preparada para ser a diva sexual que seu mentor pretendia!

Não é difícil constatar nesta curta descrição que o filme é uma adaptação muito inteligente e divertida da peça “Pigmalião”, de George Bernard Shaw, já levada ao cinema diversas vezes, sendo a melhor e mais conhecida uma dirigida por George Cukor e protagonizada por Audrey Hepburn. Nesta versão, a protagonista é Constance Money, linda, espirituosa e bastante expressiva, consagrada por ser uma pioneira cinematográfica no uso do ‘pegging’ (sem tradução imediata em português, mas que significa algo como “cavilha”), que diz respeito à prática feminina de utilizar dildos atrelados às suas calcinhas para, assim, sodomizarem seus parceiros sexuais masculinos. A cena em pauta é tão genial e inspirada quanto aquela que foi anteriormente descrita!

Não obstante Constance Money brilhar sempre que está em cena, ela não é o único atributo sustentacular deste ótimo filme: o uso da trilha sonora composta por George Craig (que faz uso inteligente e satírico de uma ópera de Giacomo Rossini) e os diálogos mais do que hilários do roteirista Jake Barns me fizeram gargalhar: numa seqüência, uma aeromoça pergunta a um usuário de sua companhia aérea qual tipo de passagem ele quer comprar (“primeira classe ou econômica? Fumante ou não-fumante? Com sexo ou sem sexo? Vegetariano ou onívoro? Com ou sem filmes pornográficos em exibição?” e as opções não paravam de se acumular...); noutra seqüência, uma tutora de Misty Beethoven ensina como uma mulher deve “engolir o seu orgulho”, referindo-se ao triunfo de causar uma ereção demorada num amante; numa seqüência derradeira, quiçá a melhor de todas, a protagonista volta-se para o seu mentor, por quem está apaixonada, e, enquanto ele a destrata sem perceber, ela destila sua experiência recém-adquirida: sabe por que as pessoas têm problemas sexuais? Porque elas falam prá caralho!”. E, mesmo concordando, não pude deixar de me papocar de rir!

Definitivamente, este filme é relevante não apenas enquanto exemplar luxuoso de pornografia, mas enquanto cinema cômico de inteiriça validade no que tange a suas perspicazes observações sobre a luta de classes aplicada ao panorama erotógeno. As diversas situações incidentais em que homens e mulheres vestidos de serviçais são lambidos por outros homens ou mulheres luxuosamente trajados só confirmam a minha empolgação sociológica, bem como as seqüências definitivas que se passam no interior de um cinema sexual francês, em que uma prostituta vulgar masturba um velho vestido como Napoleão Bonaparte, no exato momento em que alguém ejacula na tela.

Não deve ser redundante acrescentar aqui que o filme também me tocou pessoalmente enquanto sujeito talhado instintivamente para o sexo. Nas diversas seqüências em que Misty Beethoven é doutrinada na nobre arte da felação, eu imaginei a mim mesmo em situações semelhantes, e exultei com um conselho cabal do sexólogo Seymour Love (Jamie Gillis), que lança o seguinte petardo: “a maioria das mulheres param de lamber o pênis quando o homem está próximo do orgasmo, quando é justamente neste momento que uma mulher de verdade deve começar a chupar”. Mesmo não sendo mulher, eu ponho este conselho em prática faz tempo (risos)... Por isso, digo: muito divertido e recompensador enquanto filme, “The Opening of Misty Beethoven” também pode ser utilizado como acessório didático para aqueles que têm problemas sexuais por “falarem prá caralho”. Vou rever uma vez por ano, por precaução!

Wesley PC>

“A GREVE É A FESTA DOS POBRES”...

Em meados de 2011, o filme “Capitães da Areia” chegará aos cinemas. Dirigido por Cecília Amado & Guy Gonçalves, sendo a primeira neta do escritor Jorge Amado (1912-2001), o filme transporá as ações do romance em que se baseia para a década de 1950. Além disso, como pode ser facilmente constatado através da audiência a qualquer um dos materiais publicitários já disponíveis sobre o filme, pode-se intuir que os detalhes românticos e aventurescos do livro sobrepor-se-ão aos elementos poéticos e dramáticos tão minuciosamente descritos pelo autor desta verdadeira obra-prima da literatura brasileira.

Publicado em 1937 e compreensivamente perseguido pela Censura estatal do País, “Capitães da Areia” é ainda demasiadamente subestimado em relação a sua qualidade superlativa. Não é um livro longo (pouco mais de 215 páginas, na edição de que dispunha), mas que demorei mais de uma semana para ler. Graças ao uso preciso da comunhão dramática por parte do autor, sentia-me como um cúmplice dos personagens, como um companheiro, palavra tão bela que os encantava sempre que pronunciada... É um livro forte, intenso, realista, tão realista a ponto de ser aberto e entrecortado por recortes de notícias de jornais, que descreviam o espanto da população baiana diante dos crimes perpetrados pelos meninos do título, quando o espanto verdadeiro diz respeito às condições de vida e ódio perpétuo em que eles se encontravam... Abandonados, dormiam juntos num trapiche abandonado. Como muitos o odiavam, eles odiavam a muitos, mas não a si mesmos. Os Capitães da Areia protegiam e amavam a si mesmos.

Apesar de dedicar muitas das páginas do livro à exaltação coletiva das virtudes do bando de garotos, o autor faz com que mais ou menos sete personagens brilhem com ainda mais vigor: o chefe Pedro bala, loiro e filho de um militante grevista assassino em pelo ápice revolucionário, que, aos poucos, se vê atraído pelas manifestações grevistas; o menino Pirulito, que é chamado por Deus a ser padre; o negro João Grande, que tem vocação para marinheiro; o supra-alfabetizado Professor, que chama a atenção de um descobridor de talentos artísticos; a órfã Dora, que se torna “uma estrela de loira cabeleira”, em razão de sua extrema coragem enquanto irmã, noiva e mãe dos Capitães da Areia; o afilhado de lampião Volta Seca, que termina seus dias como cangaceiro sanguinário; o coxo Sem-Pernas, que chega a ser adotado por uma rica mulher triste e conforta-se nas pernas bonitas de uma vitalina de rosto gasto; o mulato Boa-Vida, que dá vazão a seu apelido pelas noites baianas; o elegante Gato, que não se deita apenas com as negrinhas do areal, mas ama o próprio ato do amor; e muitos outros...

O que me surpreendeu particularmente é que o autor não retrata os garotos fazendo uso de drogas, conforme sói acontecer com os delinqüentes infantis de hoje: todos eles eram meninos que se tornavam homens muito cedo, descobriam o sexo por volta dos 13 anos de idade (chegavam a existir atividades pederásticas entre eles, desde que não acentuassem a passividade do coito), precisavam roubar para comer, brigavam para sobreviver, sentiam ódio do mundo porque isto fora o que o próprio mundo lhes ensinara. E, aos poucos, eles, que já eram como se fossem crescidos, crescem efetivamente e não são abandonados pelo autor em nenhum momento. Jorge Amado os ama como filhos e, neste sentido, a foto acostada a esta postagem me emocionou, quando o autor supervisionava a escolha do elenco juvenil numa adaptação teatral de sua obra mestra...

Por dentro, intimamente, ao mesmo tempo em que estou um tantinho ansioso em ver o filme, em descobrir que rostos emprestarão vida de celulóide àquelas crianças tão violentas quanto encantadoras, presumo que os vieses enredísticos desta versão cinematográfica trairão deveras os intentos do autor quando escreveu esta peça brilhante de literatura. Para minha sorte, comemoro o fato de ter lido o livro antes de ter visto o filme, a fim de conservar incólume em minha memória o frescor daqueles personagens impávidos, que apanham em delegacias, que são tachados de criminosos natos (um bedel de reformatório chega ao cúmulo de alegar que eles são excelentes demonstrações da certeza das alegações de Cesare Lombroso!), que são rechaçados por empregadas e donas-de-casa, que são amparados por um padre suspeito de ser comunista, que só querem a alegria e o conforto de uma Pátria e uma Família como cada um de nós... Obra-prima!

Ah, sim, sobre o estilo literário do autor – pelo qual já me apaixonara perdidamente em “A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água” (1961), a despeito de meus injustificados preconceitos de adolescência contra o autor – o que atraiu particular atenção foi o modo como ele repetia determinados termos e expressões repetidas vezes numa mesma frase, num mesmo parágrafo, numa mesma página, para destacar o que os personagens sentiam, para nos contaminar com o que eles sentiam. Lendo aquelas páginas, portanto, os atabaques soavam como clarins de guerra também no interior do meu coração...

Wesley PC>

sexta-feira, 25 de março de 2011

ACABANDO COM A ABSTINÊNCIA FÍLMICA DE 3 DIAS!

Ufa, acabou! Por causa do sobejo de trabalho no DAA estes dias, estava desmaiando de cansaço quando chegava em casa. Por causa disso, nos últimos três dias, não vi sequer um filme: adormeci tentando! O filme mostrado em foto acabou com o meu jejum e, por pior que ele seja, como me foi válido! Havia um garoto sensual ao meu lado, gargalhando enquanto o via, enquanto eu ficava perguntando a mim mesmo porque encasquetei porque quis comprar o DVD deste filme... É ruim, muito ruim, mas tão nostálgico... E, não, não direi seu nome: prefiro antecipar que, após esta sessão emergencial, assisti ao clássico “A Vida é um Romance” (1983), de Alain Resnais, uma maravilha musical em que diversos personagens buscavam e conclamavam o amor e a felicidade – às vezes, enquanto sinônimos – em diversos contextos temporais, coligados por um espaço comum: a mansão que um aristocrata constrói para sua amada, que, afinal, escolhe outro homem par se casar... Como Alain Resnais faz bem!

Wesley PC>

quinta-feira, 24 de março de 2011

“COISAS GRANDES, PEQUENINAS... BICICLETAS, BAILARINAS”...

Não é segredo para ninguém que eu considero o comediante mexicano Roberto Gomez Bolaños muito inteligente e que, por mais que eu reveja à exaustão os mesmos episódios dos seriados “Chaves” e “Chapolin”, eu ainda emito gargalhadas altissonantes diante deles. Foi o que aconteceu novamente na noite desta quinta-feira, quando um vizinho me convidou para assistir ao episódio “O Menino que Jogou seus Brinquedos Fora – Parte 1” (datado de 1977) ao lado de sua família. Tratava-se de uma adaptação mais branda da famosa estória infantil “Pedro e o Lobo”, sendo que o personagem Chapolin intervém a fim de ensinar a um garotinho mitômano (vivido pela hilária Maria Antonieta de las Nieves) que mentir é não somente errado como também perigoso. O que me surpreendeu, porém, é que, no meio do episódio, há um dramático recorte metalingüístico em que o personagem Chaves, ao lado de duas amiguinhas, interpreta uma canção deveras graciosa acerca do quão bom é estar num lugar cheio de brinquedos. E, em meio às gargalhadas, aquilo me emocionou bastante:

“Toda criança adoraria,viver brincando, todo dia,
Brincar a noite, em cada sonho, de mil brinquedos seria o dono
Velocípedes patins e patinetes,tamborins e marionetes,
Uma caixa de lápis colorido e um ursinho lindo,
Uma casa de boneca só platina e um avião para voar.
Coisas grandes, pequeninas, bicicletas, bailarinas,
Todos sabem quando é hora de brincar!
A brincar, a brincar,Brincaremos, brincaremos sem parar!”


Lindo ter sido pego de surpresa desse jeito...

Wesley PC>

quarta-feira, 23 de março de 2011

QUANDO EU ESTIVER VENDENDO MACONHA, EU AVISO, VISSE?

Fato pitoresco da vida real: estava eu numa fila de fotocopiadora, aguardando a minha vez de ser atendido. De repente, percebo que alguém tocava com insistência em meu ombro. Desdenhei a princípio, suspeitando que fosse alguém querendo me fazer aquelas impertinentes questões de trabalho. Então o cara começou a falar: “Nino... Nino... Como é que vai?”. Eu percebi logo que ele me confundiu com alguém, mas respondi com uma expressão facial evasiva. Ele insistiu, perguntou o que eu estava a fazer ali, como estava meu curso, etc.. Neste momento, constatei que ou ele me confundia com alguém ou ele estava querendo me distrair para me assaltar. Comecei a sair de perto dele indisfarcadamente, mas ele me seguiu e perguntou o que eu tinha na bolsa. Eu respondi que eram os recipientes em que carrego comida – não vi razão para mentir! – ao que ele insinuou que eu estivesse a vender maconha. Eu ri por dentro, mas mantive-me sério por fora: “não, não é maconha. Eu sequer uso!”. Ele fingiu que não acreditou e saiu de perto de mim, percebendo que eu estava incomodado com a sua presença inconveniente. Não consegui fotocopiar o material que pretendia e, quando cheguei em casa, percebi que minha mãe havia comprado uma cadeira de balanço, cujo primeiro pagamento só será realizado no mês de maio. Vai que seja um sinal (risos)...

Wesley PC>

SE HOJE ME PERGUNTAREM, A RESPOSTA É ‘SIM’!

Quando eu inventei de ver “A Princesa de Nebraska” (2007, de Wayne Wang), as principais motivações eram o currículo dramático do diretor sino-americano e a curta duração do filme, que permitia que eu adiantasse os compromissos pendentes quando ele foi exibido. Apesar de ser um filme curto, porém, isto não o impediu de ser denso e, em mais de um sentido, vazio. Mas vazio é algo que pode (e, nalguns casos, deve) ser preenchido. E, no caso de “A Princesa de Nebraska”, o vazio foi preenchido com violência na seqüência final, que permite que a extraordinária canção de Antony and the Johnsons “Hope’s There Someone” seja executada na íntegra e atinja tanto a protagonista quanto os espectadores em cheio: e, como de praxe, eu não saí da sessão incólume...

Mais do que vazio, eu poderia tachar o referido filme de auto-vitimizador e deslumbrado, no sentido de que eu não compactuei necessariamente da angústia da imigrante chinesa que se vê obrigada a se prostituir depois que é rejeitada por uma companhia de balé e descobre que está grávida. Desesperada e sem dinheiro, ela mendiga atenção de empresários ricos em bares de ‘karaokê’, mas, quanto mais se embrenha na multidão, mas constata que é sozinha, que precisará ser completamente honesta e corajosamente sincera se quiser que alguém a ampare... E, numa cena belíssima, ela alisa a sua própria barriga quando adentra na cabine provadora de uma loja de roupas em que diversas fotografias de filmes clássicos de Jean-Luc Godard estão coladas na parede... E ela chora mais uma vez...

“There's a ghost on the horizon when I go to bed
How can I fall asleep at night how will I rest my head
Oh I'm scared of the middle place between light and nowhere
I don't want to be the one left in there, left in there”


Em outras palavras: andaram dizendo por aí que eu estava triste. A minha incapacidade física de ficar acordado quando chego em casa depois de árduas jornadas de mais de 10 horas de trabalho insiste em não me permitir demonstrar o contrário... Por isso, eu caminho. Acima de tudo, eu caminho!

Wesley PC>

terça-feira, 22 de março de 2011

TEM QUEM SINTA DOR CALADO, TEM QUEM SINTA DOR GEMENDO...


Há quem gema sem sentir dor?
Enquanto eu me deitava e lia, um animal mordia minha mãe.
2h da madrugada, a luz acesa...
Mão inchada, ferimento sangrando...
E é como se eu fosse invisível de novo...

Na foto, “Bad Guy” (2001, de Kim Ki-Duk): o nome disso é metonímia!

Wesley PC>

segunda-feira, 21 de março de 2011

DE VEZ EM QUANDO, É COMO SE EU FOSSE INVISÍVEL (POR MAIS PRESENTE E ATIVO QUE EU ESTEJA)!

Ainda sobre “As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant” (1972, de Rainer Werner Fassbinder): neste maravilhoso filme, Irm Hermann interpreta uma secretária que está onipresente em toda a duração do mesmo. Quando não é vista paralisada diante de alguma atitude injusta proclamada por sua amada chefa Petra Von Kant (Margit Carstensen) ou diretamente relacionada a ela, ouvimo-la digitando algo, correndo para atender algo que lhe foi solicitado. Mesmo quando não está em cena, portanto, é ela quem comanda os títeres dramatúrgicos do roteiro, conforme se demonstra na exuberante seqüência final, ao som de “The Great Pretender”, na conhecida interpretação de The Platters. Mas, com Hanna Schygulla brilhando em cena, quem olha para ela? De minha parte, confesso que não consegui despregar os olhos e ouvidos de sua magnífica interpretação. Ela é como se fosse eu...

“Como se fosse eu”: mais de meio-dia e eu ainda me esforço para comer em meu setor de trabalho. Perguntas, pedidos e solicitações não param de chegar aos meus ouvidos, adiando minhas necessidades pessoais para segundo plano. Daí, um colega de trabalho abre a boca para me tachar de “altruísta”. Oportunista, em minha opinião, é um termo mais conveniente... Estou com fome, tenho que recarregar a carteira de passe para que meu irmão possa usar, tenho que despertar às 4h da madrugada para assistir a um filme de terror que anseio, tenho que ler os primeiros capítulos de um livro sobre Teoria do Jornalismo que utilizarei em aula ainda esta semana, tenho que aguardar que alguém volte, tenho que sorrir e amar os meus próximos e semelhantes... E, enquanto eu escrevo isto, uma grande fila se forma diante do setor em que trabalho: gente, meu Deus, muita gente! Mesmo sabendo que eu sou eu e que estou aqui agora, é como se eu fosse invisível...

Wesley PC>

domingo, 20 de março de 2011

PODE UM ÓTIMO FILME SER UMA MÁ SUGESTÃO MATINAL?

Se me perguntassem de chofre com qual grande cineasta europeu eu tenho menos afinidade intelectual, eu seria tentado a responder, também de chofre, Rainer Werner Fassbinder. Não que eu ache seus filmes menos que ótimos: “O Casamento de Maria Braun” (1979), “A Terceira Geração”, “Lili Marlene” (1981) e “O Desespero de Veronika Voss” (1982), quatro de seus últimos filmes, são apenas alguns exemplos do quanto eu o admiro artisticamente, mas algo referente à coesão questionada em seu estilo me faz ser demasiado cauteloso ao elogiá-lo.

Quando optei por ver “As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant” (1972), ao lado de dois grandes amigos, na manhã de hoje, tinha como propósito secundário demonstrar a mim mesmo o quanto era genial: sabia pouco sobre o filme, exceto que seu título era majestoso e que a trama tinha algo de lésbico. Aos poucos, fui percebendo que o filme exacerbava a sua origem teatral (deriva de uma peça escrita e encenada pelo próprio Rainer Werner Fassbinder), possuindo poucos cortes entre uma cena e outra, limitando a maior parte de sua duração a um único cenário (o extravagante quarto visto na foto), as atrizes são obrigadas a ficar paralisadas em cena em mais de uma situação, e a protagonista aparece em cada nova seqüência com um novo corte de cabelo, não somente no que diz respeito ao penteado, mas também – e principalmente – à cor dos fios. Mas nada que me fizesse exclamar algum adjetivo sobre ele que fosse qualitativamente inferior do que “extraordinário!”.

Em termos gerais, a trama é banal: uma estilista que passa a maior parte de seus dias deitada em sua cama apaixona-se por uma aspirante a modelo e gasta muito dinheiro com ela, que a abandona para ficar com seu marido australiano e um amante negro norte-americano, sem perceber que sua muda e diligente secretária nutre uma forte paixão sadomasoquista por ela. Quando sua filha, sua mãe e uma amiga invejosa a visitam no dia de seu aniversário, a protagonista explode numa crise nervosa – agravada por não receber sequer um telefonema de sua amada – que alterará para sempre o seu relacionamento com as outras mulheres de sua vida. E, ao final, eu e os dois amigos que estavam numa mesma cama diante da TV em que o filme estava sendo exibido demoramos a nos levantar: por melhor e mais impressionante que o filme seja, toda a angústia passional que ele transmite foi excessiva para quem passou a noite a comemorar uma despedida que, afinal, já é muito sentida e a descobrir revelações sexuais que não eram sabidas por apenas um dos participantes do arremedo de festa: eu. Inconscientemente, eu havia escolhido o filme ideal para refletir o meu estado de espírito matinal!

Antes de ter visto o filme, eu tencionava obnubilar prontamente qualquer detalhe emocional que não dissesse respeito única e exclusivamente a mim sobre os assuntos abordados pelo filme, mas estes assuntos não podem ser analisados, sentidos ou exprimidos sobre a égide do egocentrismo: sentir é que leva essencialmente em consideração o Outro, os anseios e desejos alheios, a pudicícia alheia, as limitações alheias, as regras pessoais de outrem... E, por mais perturbado e concomitantemente agradecido que eu estivesse, não conseguia esconder o grito de satisfação em perceber mais uma vez o quanto o cineasta Rainer Werner Fassbinder é genial. Por isso, deixo este parágrafo final em aberto:

Wesley PC>