sexta-feira, 4 de novembro de 2011

FOI SOMENTE EU QUE NÃO ENTENDI (E, POR CONSEGUINTE, ACHEI QUE NÃO GOSTEI)?

“Triste é viver só de solidão
Pena de quem nunca esteve aqui
Pra ver fazer dormir a noite”


Assim começa “A Noite”, primeira canção do disco “Toque Dela” (2011), do Marcelo Camelo. Das penúltimas vezes que ouvi este disco, achei-o chato, cansativo, forçado, formulaico, sem vida, inemotivo... Na manhã de hoje, repeti a mesma canção três vezes seguidas. É cedo para dizer que gostei do disco, mas algo nesta canção começou a fazer sentido em mim...

Em breve, portanto, haverá um comentário mais detido sobre este disco. Aguardem.

Wesley PC>

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

“ENTRA EM MIM... ME ARREBENTA, ME FAZ MULHER!”

Dentre todos os filmes dirigidos e/ou escritos por Ody Fraga que pude ver até então, “A Fêmea do Mar” (1981) é, de longe, o mais solene. Emulando um tema pasoliniano, o enredo deste filme é focado no cotidiano praiano de Jeruza (Neide Ribeiro), matriarca que pensa estar viúva, vivendo isolada à beira da praia com seus dois filhos, Cassandra (Aldine Müller) e Ulisses (Calu Caldine). A primeira gosta de se banhar completamente nua e sabe que isso desperta a curiosidade ‘voyeur’ de seu irmão, que, após observá-la, transa com cabritas, ao som não-diegético de Ludwig van Beethoven. Até que um dia – que não é sábado, mas bem que poderia, como lamenta o dono de uma quitanda – chega à praia um marinheiro loiro e estranhamente sedutor (interpretado pelo também diretor Jean Garrett), que seduz mãe, filha e planeja fazer o mesmo com o filho. Segundo ele, nada é mais belo que o desejo que faz romper muros, estando comprometido com a correta conjugação do verbo amar: eu te amo, tu me amas, ele nos ama, nós nos amamos, vós vos amais, eles se amam”. Não tinha como eu não gostar de um filme como estes!

Assisti a este filme por brincadeira: sabia que o erudito e chanchadesco diretor Ody Fraga costuma manipular diversos materiais em seus filmes eróticos e inconseqüentes, mas não esperava que ele fosse tão longe em seu estudo freudiano lato. Por mais moralista que possa parecer o desfecho da trama, eu fui completamente arrebatado pelos jogos de sedução envolvendo os dois belos irmãos e o impávido marinheiro, que, numa cena-chave, sabemos também ser o assassino do pai dos dois meninos. Ou seja, os clichês psicanalíticos hoje desgastados da destruição de pilares familiares que redundam em libertinagem redentora são adotados neste filme de uma forma que clama pela discussão pós-ejaculação imitativa. Por mais excitante e destinado a causar a excitação sexual acima de tudo que este filme seja, “A Fêmea do Mar” toca nos tabus renitentes do incesto, do homossexualismo potencial e do compartilhamento marital de uma forma muitíssimo bem-vinda no panorama comercial do qual o filme emerge, sendo patente o grau de personalismo do diretor e roteirista no que tange à escritura desta trama, afinal rodada em sua terra natal, com atores menos célebres (mas muitíssimo bem-conduzidos no plano actancial) e ótimo uso de uma trilha sonora clássica que beira o pastiche. Juro que eu quis estar à beira da praia com aqueles personagens... Tomara que mais alguém que eu conheça tenha visto este filme: preciso conversar sobre ele!

Wesley PC>

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

AO CABO DE ALGUNS MESES, OUSO DIZER QUE SIM, SELMA, TU TINHAS RAZÃO: ESTE LIVRO É ABSOLUTAMENTE GENIAL, POR MAIS ÁRDUO QUE TENHA PARECIDO NO INÍCIO...

“Sempre achei que o meu dono subestimava as minhas capacidades. Bem gostaria nesse momento de poder falar para lhe dizer que até francês aprendi nos tempos dos jogos de cartas. E que bem podiam baixar a voz ao mínimo entendível que eu ouvia sem esforço, bastando ajustar o tamanho das orelhas. Mas se tão pouco valor me atribuía, então também não merecia o meu esforço de lhe fazer compreender o contrário, morresse com a sua idéia. Uma desforra para tanto desprezo seria contar toda a sua história, um dia. Soube então que o faria, apesar de mudo e analfabeto.” (p.393)

O excerto definitivo de que me sirvo – um tanto indebitamente – como epígrafe é suficiente para antecipar o quanto “A Gloriosa Família – O Tempo dos Flamengos” (1997), do autor angolano Pepetela, é uma obra-prima literária suma, por qualquer viés que seja analisada. Narrada oniscientemente e numa espécie de discurso indireto livre, em primeira pessoa, por um escravo com as condições de subestimação acima explicitadas, este romance impressionantemente perfeito e historicamente minucioso cobre o espaço de tempo entre fevereiro de 1642 e agosto de 1648, quando a cidade de Luanda se encontrava sob o comando dos holandeses, mas já prestes a sucumbir ao domínio dos portugueses. Seja como fosse, os nativos da cidade eram escravizados por soldados e comerciantes estrangeiros, que instituíam no local aberrantes novas relações morais e sociais, as quais escandalizavam e mantinham em constante estado de perplexidade impotente o narrador-confidente do romance, que tomava como foco de sua narrativa a família do título, composta pelo holandês convertido em católico Baltazar Van Dum, sua esposa africana Inocência e seus diversos filhos, divididos entre aqueles que foram concebidos no interior da casa e os que foram gerados no quintal, em meio às escravas. E, ao longo de mais de 400 páginas Pepetela faz uso dos recursos mais geniais em forma e conteúdo para demonstrar porque se converteu, de pronto, num dos meus autores favoritos de todos os tempos. Estou impressionado, ainda, com o que acabei de ler: obra-prima, pura e simplesmente!

Dividida em doze capítulos, a estrutura narrativa deste romance mescla-se entre uma exposição acurada de todas as relações de poder existentes na região durante a época retratada, os típicos e exuberantes problemas (sexuais e/ou amorosos) de família e, surpreendentemente, os lampejos impressivos de questionamento individual do próprio escravo que narra a trama, onipresente nos eventos que descreve ou porque fora obrigado a acompanhar seu dono nas relações com outras pessoas ou porque estivera presente nos relatos oficiais.E, ainda mais interessante, o narrador antecipa-se em dizer que seu dono só lhe prestara atenção duas vezes em toda a convivência forçada e próxima que compartilhavam: no momento em que fora adquirido e numa situação tardia, em que ele chora quando percebe a destruição dos traços legítimos de cultura africana tribal na região em que nascera. Impossível não se pôr muito próximo do narrador do romance, portanto, o que só se torna ainda mais patente quando ele se demonstra apaixonado por uma das filhas bastardas do seu dono, quando ele confessa e descreve suas masturbações enquanto espiona as investidas sexuais de outrem ou quando constata injustiças crassas, como, por exemplo, quando assassinam a facadas o amante negro de uma das filhas de Baltazar, numa cerimônia mortífera descrita com muita poesia pelo escravo.

É difícil escolher aqui apenas um detalhe insigne deste livro absolutamente arrebatador, mas peço permissão para enumerar apenas alguns dos meus momentos favoritos: tem como não se arrepiar quando o escravo-narrador luta para nos fazer entender o porquê de ele não conseguir aceitar o sentido da noção de fronteira que é imputada sobre uma dada zona de Angola, quando ele acostumou-se a chamar esta terra por este nome, ao passo que os seus habitantes e dominadores a manipulam nomenclaturalmente a depender de que nação européia esteja colonizando a região? Tem como não se indignar sobremaneira com a introjeção ideológica da dona de família africana que, ao imaginar com seus filhos fornicam com escravos, teme assim ver despurificado e desvalorizado o sangue holandês de seu marido? Tem como não se sentir cúmplice da bela Matilde, filha de Baltazar com poderes de telepatia e que, após ser descoberta em adultério, torna-se difamada por causa de suas práticas lascivas na sociedade? Tem como não se emocionar com as surpreendentes reviravoltas na condução vital do afetado Hermenegildo Van Dum, que, surpreendentemente, não apenas engravida uma escrava como também intimida um padre corrupto após chantageá-lo com ocorrências homossexuais hipócritas e proibidas? Tem como não tomar partido nas diversas disputas honoríficas que envolvem os diversos e números membros da gloriosa família que intitula o livro e com a qual o escravo-narrador estabelece uma estranha e compreensível relação de despertencimento íntimo? Quisera eu dispor de mais tempo e elogios para escrever mais e mais sobre esta obra de arte literária. Estou impressionado com o que li e senti e, mais ainda, agradecido por ter conhecido este autor angolano, politizado e mui digno em sua erudição histórica, moral, conteudística e supra-analítica. Definitivamente, Pepetela é um gênio e, como tal, regozijo em saber que a mesma baiana que me emprestou os dois de seus livros que eu tive acesso até então já está providenciando a obtenção de mais uma de suas obras. Que venha!

Wesley PC>

HÁ ALGO DE PODRE ALÉM DAS FRONTEIRAS HODIERNAS DE SÃO PETERSBURGO...

Criticar a globalização é fora de moda. Elogiar as facilidades midiáticas a ela associadas idem. Mas, mesmo assim, por mais ‘pimba’ que eu me assuma de vez em quando, fico surpreso quando penso que experimentarei apenas o exotismo formulaico espectatorial diante de um filme inospitamente descoberto, mas que se revela muito proveitoso enquanto linguagem e enquanto pólo de identificação emocional: “Todo Mundo Morre, Menos Eu” (2008), da diretora Valeriya Gay Germanika, é um destes casos. Acabo de ver este filme, pensando se tratar de uma mera diversão revoltada adolescente, e me vejo (ou melhor: ouço) agora refém da canção interpretada por Zveri que é executada em cenas-chaves deste filme tão simples e trivial quanto efetivo.

Conforme eu fiz questão de ressaltar noutro lugar, quem está acostumado aos estilos fluidos dalguns filmes de Catherine Hardwicke, Lukas Moodysson ou até mesmo Larry Clark, não se espantará com os arroubos de cólera menstrual desta diretora pós-adolescente, mas a câmera colada na pele de suas meninas e uma cena de estupro semi-consentido e desprovido de sentido atualizado me impressionaram: definitivamente, as três meninas que protagonizam este filme praticam os mesmos erros que eu creio que praticaria se fosse provido com uma vagina. Não tem como não ficar impressiona em primeira pessoa com a renitência discursiva de um filme tão ostensivamente banal como este. Parece que o mote dele é exatamente o desgaste admoestativo e, por isso mesmo, funciona bastante. Gostei muito do filme. Queria que mais e mais pessoas vissem-no...

E, antes, durante e depois da sessão, uma típica sucessão de inconvenientes toxicomaníacos foram desencadeados na residência dos Castro, em que as preocupações de minha mãe e as tendências viciosas de meu irmão caçula convertiam-se em gritos tão incômodos quando redundantes. Num dado momento, meu irmão esquece alguns de seus produtos tóxicos sobre uma pedra do quintal, ao que minha mãe, meio sorridente, pede-lhe: “vá buscar aquilo lá, antes que os ratos fiquem doidões!”. Restou-me sorrir. Por falta de melhor uso de impotência familiar, eu sorri. E foi mais ou menos isso o que o filme mostra (por dentro): por isso, tiro o chapéu para o ínclito título da produção. Só por ele, já merece uma parcela considerável de minha apreciação. E eu sobrevivo...

Wesley PC>

terça-feira, 1 de novembro de 2011

OU, COMO DIZEM POR AÍ: O “CRESCIMENTO EMOCIONAL”...

Até a manhã de hoje, o nome do soviético Sergei Solovyov me era francamente desconhecido. Às 18h do mesmo dia, associava este nome à direção do magnífico “Cem Dias Após a Infância” (1975), cujo roteiro me conquistou plenamente por seu bucolismo romântico, por seu sobejo de carinho e de (in)compreensão juvenil, por seus gritos de afeto soçobrados provisoriamente pela incorrespondência afetiva imediata. Numa das cenas mais bonitas desta obra de arte subestimada, um rapazinho descobre o significado da palavra misantropo após reiterar as suas percepções sígnicas acerca de miasma e enxaqueca (que, em russo, também se escreve com a letra M). Quando acompanhei a auto-aceitação deste rapaz acerca de sua própria misantropia comunitária, diametralmente oposta à sua vontade de amar irrestritamente uma rapariga do mesmo acampamento de férias que ele, como se estivesse a aprender uma lição mui pessoal de vida, gritei comigo mesmo: estou apaixonado! Se já estava e era antes, puxa, como me sinto ainda mais impregnado de amor verdadeiro depois deste filme lindo, lindo, lindo, lindo, lindo, lindo, lindo... Belíssima descoberta. Recomendo de pé!

Wesley PC>

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

DIPIRONA SÓDICA ENQUANTO MEDIDA DESESPERADA!

Dormi, acordei, comi, defequei, saí de casa, voltei... Pelo que parecia, meu cotidiano cíclico de domingo anunciava o afastamento dos sintomas de enxaqueca que me afligiram na noite de sexta-feira, mas, quando eu menos esperava, no auge primário de meu sono, sou despertado por uma fortíssima dor de cabeça: a enxaqueca havia voltado!

Quase que eu não consigo vir para o trabalho nesta manhã de segunda-feira: a dor era tão forte, tão persistente, tão traiçoeira, que sequer forças para ficar em pé para tomar banho eu consegui reunir. Tive que me dopar, engolir doses cada vez maiores de dipirona sódica, no afã por me sentir hábil para caminhar, conversar, executar com um mínimo de presteza as atividades profissionais a que eu estou habituado. Mas, sob a minha pele, a dor permanece firme, acordada, aguardando a hora de se manifestar novamente... Assim sendo, não terei outro assunto dominante hoje: quando a enxaqueca ataca, ela ataca!

Wesley PC>

domingo, 30 de outubro de 2011

INCLUSIVE NESTES MOMENTOS, EU PENSO, PENSO MUITO!

Um rapaz de que gosto bem mais do que ele é autorizado a retribuir uma vez brincou comigo: “Wesley, tu te angustias demais porque pensas demais”! Não era caso de discordar ou de ter isso como um problema. É fato, é conseqüência, é o preço. E, se me permite o garbo, é o que me faz ainda ter algum valor público, algum encanto intelectual, alguma coisa para falar...

Há pouco, lia um romance na cozinha, quando senti fome. Percebi que seria de muito bom grado que eu almoçasse distante do aparelho de TV, prestando atenção ao que eu deglutia. Resolvi escrever algumas palavras confessionais, antes de sentar-me na cadeira do desjejum vespertino, e recapitulei os diversos pensamentos que me varavam a mente enquanto minha amiga de trabalho Melânia pintava o meu cabelo de loiro. Perguntei a alguns amigos: “se eu ficar muito feio, vocês ainda gostarão de mim?”. Eles sorriram, obviamente assentindo. Por dentro, sempre tive uma curiosidade infantil em me imaginar como loiro. Sou clicheroso neste sentido: atraio-me deveras por loiros. E, como tal, não apenas fiquei contente com o resultado, como também fiquei surpreso ao perceber que minha chefa aprovou tanto a mudança capilar. Queria me fotografar nu...

É isso: só queria me justificar pela aparência, mais ou menos como o fez a personagem Agrado (Antonia San Juan), na obra-prima de Pedro Almodóvar, “Tudo Sobre Minha Mãe”: “uma pessoa é tanto mais autêntica quanto não mede os esforços para ficar parecida com aquilo que imaginou para si mesma”. Ou algo parecido. E eu concordo. Por isso, emprestar um DVD com este filme a pessoas que nos apaixonam é um ato de amor. Amor!

Wesley PC>