sábado, 17 de dezembro de 2011

E, ENQUANTO EU ESCREVIA A RESENHA ANTERIOR, SOU AÇOITADO POR ESTA CANÇÃO:


“Certa vez houve um homem
Comum, como um homem qualquer
Jogou pelada descalço
Cresceu e formou-se em ter fé
Mas nele havia algo estranho
Lembrava ter vivido outra vez
Em outros mundos distantes e assim acreditando se fez
E acreditando em si mesmo
Tornou-se o mais sábio entre os seus
E o povo pedindo milagres
Chamava esse homem de Deus

Ah, quantas ilusões,
Ah, quantas ilusões
Nas luzes do arredor
Quantos segredos terá?

E enquanto ele trabalhava
Na sua tarefa escolhida
A multidão se aglomerava
Perguntando o segredo da vida
E ele falou simplesmente
Destino é a gente que faz
Quem faz o destino é a gente
Na mente de quem for capaz
E vendo o povo confuso
Que terrível, cada vez mais lhe seguia
Fugiu pra floresta sozinho
Pra Deus perguntar pra onde ia

Ah, quantas ilusões,
Ah, quantas ilusões
Nas luzes do arredor
Quantos segredos terá?

Mas foi sua própria voz que falou
Seja feita a sua vontade
Siga o seu próprio caminho
Pra ser feliz de verdade
E aquela voz foi ouvida
Por sobre morros e vales
Ante ao messias de fato
Que jamais quis ser adorado
Que jamais quis ser adorado

Ah, quantas ilusões,
Ah, quantas ilusões
Nas luzes do arredor
Quantos segredos terá
?”

( Raul Seixas - “Metrô Linha 743” – 1984 – faixa 02: “Um Messias Indeciso”)

Eu não lembrava de já ter ouvido esta canção demolidora antes, e calhei de ouvi-la, assim, aleatoriamente, justamente quando redigia mais um dos caros elogios ao Deus em que acredito? Isto é um sinal, só pode ser: mais um!

Wesley PC>

“A PRIMEIRA CRIATURA NA TERRA A TER CONSCIÊNCIA DO TEMPO FOI A PRIMEIRA CRIATURA A SORRIR”... (OU COMO NÃO AMAR JEAN-LUC GODARD COM VIGOR?)

Cometi um erro gravíssimo ao ler, por acidente, um resumo da trama de “Infelizmente Para Mim” (1993), filme menos badalado do Jean-Luc Godard, antes de assisti-lo, na tarde de hoje. Meu intuito ao pesquisar algo sobre o filme era apenas descobrir a sua duração. Apesar de durar menos que 90 minutos, aquelas imagens e diálogos e sons cravaram-se eternamente no meu cérebro: por mais que seja humanamente impossível decorar todos aqueles rompantes cruzados de genialidade, o filme me tocou pessoalmente. Jean-Luc Godard tem uma relação muito íntima com Deus, ele pode.

“ - Cinco dias atrás, eu descobri que a carne é fraca...
- Quem te disse esta coisa sem sentido?!
- O meu corpo.”


Enquanto eu buscava uma fotografia para ilustrar esta postagem, deparei-me com uma sinopse que tinha muito a ver com o que eu havia entendido do filme. No primeiro resumo que li, destacava-se o caso de adultério e conseqüente crise matrimonial entre os personagens Simon e Rachel (respectivamente, Gerard Depardieu e Laurence Masliah). No segundo resumo, o adultério é levado a um estágio mais extremo: Rachel trai o seu marido com ele mesmo, depois que este é supostamente possuído por um espírito divino. Ao final, dois homens “atiram a primeira pedra”. E eu ficava repetindo para mim mesmo alguns dos extraordinários apotegmas do filme: * “o passado nunca morre, nada passou ainda”... ; * “a Verdade possui vários atributos, mas ser transmissível não é um deles”; * “axioma 1: uma proposição é positiva quando a sua negação é negativa”. Meu Deus, eu tinha que estar com um caderninho de anotações diante da TV!

O que é ainda mais interessante nesta minha interpretação (apologeticamente) religiosa do filme é que o rapaz que me deu este filme de presente é ateu e é conhecido justamente pelo apelido sobrenominal “Deus”. Durante a sessão, enviei-lhe diversas mensagens de celular, posto que ele sente dores fortes, advindas de uma moléstia ainda não anunciada. Estou preocupado com ele, já que ele não me deu resposta. E eu amo o "Deus invisível" que, de formas bastante diferentes, o jansenista Blaise Pascal e o agnóstico (?) Jean-Luc Godard consagram!

Wesley PC>

COMO É QUE EU EXPLICO ISSO: “NÃO, NÃO É PORNOGRAFIA!” OU “ATÉ PODE SER, MAS É DE PRIMEIRA QUALIDADE”?

Infelizmente, a maioria dos debates acerca do autonomeado curta-metragem essencialmente mexicano “Bramadero” (2007, de Julián Hernández) redundam no superado dilema entre as fronteiras contíguas da Arte e da Pornografia. Prefiro não me inserir nesta falsa discussão: o filme ultrapassa ambas as delimitações e é genial apesar (ou por causa) disso. Acabo de vê-lo – após vários meses desejando encontrar o momento ideal para aproveitá-lo – e quedo-me ainda impressionado: é belíssimo, é apaixonante, tem a ver comigo bem mais do que a imagem sugere...

No que se pode aferir da trama do filme, Michelangelo Antonioni é, sem dúvida, uma influencia capital para o diretor: num prédio em construção, um rapaz escultural cochila. Outro jovem muito belo sobe o lance de degraus de madeira que dá acesso à cobertura em que o rapaz dorme e despe-se diante dele, que rasteja em direção ao seu pênis flácido e pubianamente depilado. Não demorará muito para que um abocanhe o órgão sexual do outro. Não ouvimos gemidos, apenas sons urbanos, buzinas de carro, máquinas de construção, etc.. Não vemos os rapazes ejacularem. Não sabemos sequer até que ponto ambos estão apreciando aquele ato sexual silencioso, súbito e incalculado. De repente, um deles espanca o outro. E aparece um bolero na trilha sonora: “Em Esta Tarde Gris” (na voz de Javier Solis). E eu fui junto...

No crédito final do filme, aparece um poema apologético ao amor, a qualquer tipo de amor, ainda que violento. E eu não entendi porque este filme é tão desdenhado ou incompreendido, até mesmo por homossexuais. É lindo. É dorido. É humano. É real. É de hoje!

Wesley PC>

DE VEZ EM QUANDO, UM OU OUTRO COMENTÁRIO É DE BOM TOM...





(...)


Wesley PC>

UMA HISTORIETA PÓS-ITABIENSE:

Era uma vez um menininho hiperativo que vivia com seus pais e irmãs numa cidadela do interior sergipano. Ele tirava boas notas na escola, mas era brigão, vivia correndo e caindo, tinha a cabeça cheia de cicatrizes. Seu pai fazia queijos e sua mãe cozia deliciosos suflês de vegetais. Estudar Geologia sempre foi um sonho, apesar de ele não fazer questão de dinheiro: “nunca joguei na loteria”, dizia. Ficava com raiva quando seus vizinhos diziam que a menina com quem ele namorava estava grávida. Ela não estava. Mesmo que estivesse e desmaiasse quando visse um acidente de carro, isso não seria da conta de ninguém. Fora isso, ele seria engraçado. Tímido, depois que sofrer tantas admoestações por causa de sua hiperatividade, mas sorridente. Pela manhã, ele trabalha. Às tardes, ele estuda. À noite, ele se diverte com jogos eletrônicos em seu computador ou cuida da irmã mais nova, que é portadora de Síndrome de Down. Ele é lindo, por dentro e por fora. Deve saber disso. E, numa noite como qualquer outra, ele recebe uma mensagem de celular sobre um filme em que pessoas “normais” desejam se tornar deficientes físicos. “Não gosto de deixar quem fala comigo sem resposta”, comunica ele. É bonito, por dentro e por fora. E fiel. E existe! E não lerá esse texto, sob pena de que ele não acredite que eu o respeito, sobretudo, pela pessoa boa que ele é.

Wesley PC>

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

COMO EU SEMPRE DIGO: TUDO O QUE FALAM SOBRE MIM É VERDADE!

Em 1926, o diretor sueco Victor Sjöström adaptou um dos maiores clássicos literários em língua inglesa e realizou “A Letra Escarlate” (1926), um filme maravilhoso, mas, infelizmente, pouco conhecido e pouco visto. Faz muitíssimo tempo, aliás, que eu próprio assisti a este filme, mas tendo acesso, há pouco, a um surpreendente filme cômico contemporâneo de nome “A Mentira” (2010, de Will Gluck), percebi-me estupefato quando a protagonista recomenda aos espectadores e colegas de escola que se dispusessem não apenas a ler o livro original como também a assistirem à sua primeira e inebriante versão muda cinematográfica. Esse era o tipo de detalhe que me advertia de algo: eu estava diante de uma pequena jóia hollywoodiana dos tempos atuais!

Dito e feito: nos 92 minutos de duração de “A Mentira”, deparo-me com uma trama peculiar e inventiva, a estória de uma jovem inteligente que, sem querer, finge não ser mais virgem e, por ter a sua reputação estragada no colégio, resolve servir de objeto de fofoca para os favores noticioso-honoríficos de rejeitados sociais (gordos, homossexuais, cristãos, etc.) que, de outra forma, não teriam como espalhar que não eram mais virgens. Trata-se de um dilema tipicamente contemporâneo, daqueles que são difundidos à granel pelos perfis pessoais de Facebook e, não apenas por causa disso, me vi completamente identificado. Detalhe inicial de comunhão tramático-personalística elementar: tal como eu, a protagonista é apaixonada e virgem!

A fim de não estragar as diversas surpresas do roteiro, talvez seja melhor não falar tanto do filme, que também se presta a uma homenagem atualizada mui bem-vinda dos filmes dirigidos por John Hughes na década de 1980, em que eu nasci e cresci. Sem medo de parecer excessivamente deslumbrado com os estratagemas ‘pop’ do filme, elogio-o com fervor (sim: fervor!), dizendo que não apenas me senti pessoal e analiticamente contemplado por ele como também o mesmo serve como demonstrativo midiático da tríade argumentativa estabelecida pelo teórico Manuel Castells para designar os processos desencadeadores do “novo mundo” que passou a tomar forma no final do milênio passado: a revolução nas tecnologias da informação; a crise econômica do capitalismo [e do estatismo] e sua posterior reestruturação; e o apogeu de movimentos culturais e sociais fortemente reivindicativos. Os três processos são constitutivamente importantes na minha pressuposição de que este filme sintetiza muito bem o drama de crescer na década de 2010: o que o futuro legará aos adolescentes do futuro? Pelo que o filme espertamente demonstra, pouco mais que as velhas fórmulas genéricas e tramáticas de outrora. Mas, como se pôde perceber aqui, o modo como se segue (ou finge deixar de seguir) estas fórmulas é determinante para uma sobrevivência mais digna no atolamento do pântano da Indústria Cultural hodierna: que bom que o capitalismo ainda finge suscetibilidade e, mais ainda, que bom que alguns destes fingidores aproveitem-se tão bem do capitalismo tardio!

Wesley PC>

ANTES DE DORMIR, UMA PEQUENA LADAINHA...

Há pouco, estive tentando mijar diretamente em minha boca. Repito: fui ao banheiro e direcionei um jato de urina aos meus lábios. Desisti de sorver o ácido líquido recém-saído de minha uretra no último instante, mas, por algum motivo, cri que a tentação prévia no que tange a este fetiche teve algo a ver com o curta-metragem “The Big Empty” (2005, de Lisa Chang & Newton Thomas Sigel), que vi há alguns minutos. Sim, deve ter algo a ver...

Na trama do filme, Selma Blair é uma personagem que não se sente “vazia, mas tomada pela dor”. Após constantes visitas a ginecologistas, ela descobre que sua vagina é uma espécie de portal para uma zona congelada da Terra. Amargurada com toda esta gelidez interior, ela torna-se objeto de pesquisas e exibicionismos médicos, até que um rapaz entristecido apaixona-se por ela. Ao som da magnífica versão da banda gótica This Mortal Coil para “Song of the Siren”, hino melancólico do Tim Buckley, a protagonista do filme despe-se no mar e, ao congelar o oceano, (re)encontra o amor que talvez a protegerá da dor que emana do vazio... E foi como se eu me identificasse com esta sensação!

Apesar de, obviamente, eu ter me fascinado pela proposta enredística do filme, não apreciei completamente a opção estética dos diretores pela comicidade generalizada dalgumas seqüências. Mas não dispus de forças suficientes para conter a emoção no desfecho do filme: tão simples de resolver o vazio. Pena que não dependa somente de mim – ou da portadora da vagina esvaziada do filme. Deve ser vontade de amor, de novo. E, além de bonito e prosaico, ele é tão doce. Dá pena: vou mexer com isso não!

Wesley PC>

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

TODO HOMEM HÁ DE PRESTAR CONTAS!

Não sei se eu entendi bem o que acontece ao final da trama principal de “Meridiano de Sangue” (1985), obra-prima literária do estadunidense Cormac McCarthy, mas, seja como for, este apotegma é bem-vindo: todo homem há de prestar contas, mais cedo ou mais tarde!

Conforme destaquei aqui e aqui, gostei deveras dos livros até então lidos deste autor [ “Onde os Velhos Não Têm Vez” (2005), “A Estrada” (2006)], mas ainda estava à espera da obra definitiva, aquela que me faria assumir aos quatro ventos o quão fã deste artista da palavra eu sou. Esta obra absolutamente elíptica e sangrenta de faroeste conseguiu este feito: mal havia iniciado a leitura do romance e já tinha certeza de que eu estava diante de uma obra simplesmente canônica, de um daqueles livros que, definitivamente, qualquer ser humano minimamente preocupado com o mundo ao seu redor deve ler antes de morrer!

Não sei se digo que é um livro fácil ou difícil. Por mais acessível que ele pareça, estratagemas radicais de condução narrativa – daqueles que, no cinema, corresponderiam aos artifícios de um Jean-Luc Godard ou de um Jean-Marie Straub – manifestam-se do primeiro ao último capítulo, culminando num epílogo extremamente poético e cifrado, mas, ao mesmo tempo, tão genial que, como bem alertou o homem que me emprestou o livro, será essencial reler esta preciosidade algum dia...

A edição do livro a que tive acesso contém 351 páginas. Que eu me lembre, somente na página 175 (final do 12º capítulo), há um indicativo preciso do tempo da narrativa (“no dia vinte e um de julho do ano de mil oitocentos e quarenta e nove entraram na cidade de Chihuahua para serem saudados como heróis”). Na página 331 (início do 23º capítulo), há uma nova indicação temporal decisiva (“no final do inverno de mil oitocentos e setenta e oito ele estava nas planícies do norte do Texas”). Entre uma e outra indicação, não apenas 29 anos transcorrem: o estilo propositalmente picotado da narrativa – introduzido em cada capítulo por manchetes que carecem ser relidas após o consumo dos capítulos, de tão essenciais que são para o entendimento preciso do que acontece na história – e a composição riquíssima dos personagens – sendo o estouvado kid inominado e o imponente juiz Holden os principais deles – deixam patente a grandiosidade de Cormac McCarthy enquanto gênio literário, o que é também demonstrado pela concomitante riqueza de detalhes na descrição das agruras e atrocidades sofridas e/ou cometidas pelos personagens. Sob qualquer ângulo que se pretenda analisar este livro, o julgamento recairá numa unanimidade conclusiva: obra-prima!

Não cabe aqui uma síntese tramática: tantas são as rupturas, recomeços, surpresas e interrupções narrativas que, conforme antecipado, o estilo da escrita e a composição dos personagens é que dão o tom da sedução literária aqui anunciada. Digo mais: a magnificência geológica de algumas passagens é tão impressionante, que é mister destacar uma das passagens mais intrigantes neste sentido. Afinal de contas, na página 51, na explicação da continuidade do percurso errante dos protagonistas, lê-se que eles “seguiram sua marcha e o sol a leste lançou pálidas estrias de luz e depois uma faixa mais profunda de cor como sangue filtrando para o alto em súbitas distensões planas e fulgurantes e onde a terra era absorvida pelo céu no limiar da criação a ponta do sol surgiu do nada como a cabeça de um enorme falo vermelho até que clareasse a orla invisível e se aboletasse gordo e pulsante e malévolo às costas deles”. Assim mesmo, com este estilo cumulativo de pontuação suprimida. Homens morriam e eram mortos. Pessoas rudes desfilavam seus impropérios o tempo inteiro, enquanto a instância narrativa conduz tudo com mão firme e linguajar técnico e erudito. A escrita faz com que experimentemos todo o calor e fulgor vivido e/ou causado pelos personagens. As emoções precisam estar em segundo plano, por detrás do medo e do ódio. E eu não parava de repetir comigo mesmo enquanto lia: obra-prima!

Estou tentando encontrar o elogio definitivo para aplicar a este romance, mas todos me fogem. Fogem porque ficam pálidos frente à crueza nobiliárquica do livro. Agora eu assumo a minha devoção em relação ao Cormac McCarthy. Não tenho coragem nem inclinação nem vocação nem anseio de fazer o contrário: gênio, pura e simplesmente!

Wesley PC>

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

PORQUE EROTISMO É, ACIMA DE TUDO, DRAMA – E/OU VICE-VERSA!


E, diante desta imagem canônica do extraordinário e surpreendente filme “Chocolate” (1988), de Claire Denis, resta-me concordar comigo mesmo.

[PS: sim, sim, eu sei que este filme merece bem mais do que estas modestas linhas, mas eu juro, preciso me recuperar dos baques experimentados durante a sessão. Claire Denis é doida! Por essas e outras que eu gosto cada vez mais dela enquanto artista preenchida com o dom da genialidade e da teimosia. Amanhã eu escrevo mais sobre este filme, nalgum lugar. Ele merece, ele necessita, ele (ainda) grita em mim! E saber algo sobre a trama é o que menos importa no processo: a metonímia desta imagem fala por si...]

Wesley PC>

EU NÃO QUERIA FALAR SOBRE ESTE ASSUNTO, MAS, QUANDO O PRIVADO INVADE O PÚBLICO E EXIGEM QUE DIGAMOS O CONTRÁRIO, PRECISAMOS NOS POSICIONAR !

Na semana passada, circulou pela Internet um vídeo asqueroso em que uma mulher visivelmente perturbada defeca numa agência bancária de Aracaju. Filmado através da câmera de um telefone celular, o vídeo é de má qualidade tanto formal quanto conteudística: logo no começo, deparamo-nos de sobressalto com a mulher acocorada, expelindo os seus excrementos. Em seguida, ela deita-se no chão como se estivesse patologicamente desfalecida e, quando alguém tenta falar com ela, a mesma levanta-se de forma sobressaltada e, em tom de bravata, exibe a sua calcinha suja de merda. Como o som do vídeo é muito ruim, escutamos as risadas das pessoas que observam, espantadas, a situação, mas não o que a mulher doente está gritando. Ao final do vídeo, a mulher, completamente nua e dançando de forma cínica, sai da agência bancária e, do lado de forma, ouve os gritos de uma cliente do banco, que a enxota como se ela estivesse possuída pelo demônio. Se fosse cena de um filme, este segmento dramático renderia uma comoção extraordinária. Enquanto fragmento da vida real, entretanto, os pontos de vista sobre a reprodução midiática do acontecido (sem o óbvio consentimento da mulher filmada) estão redundando em condenações morais das pessoas responsáveis pela má gravação e pelas gaitadas diante da cagona. Ponto continuando.

O parágrafo acima, para além de sua aparente objetividade, é patente na demonstração de um julgamento subjetivo acerca de meu posicionamento pessoal diante da discussão envolvendo a divulgação deste vídeo. O porquê de tudo isso: uma articulista consagrada e muitíssimo talentosa redigiu um texto (disponível aqui) em que o ato de filmar uma pessoa indefesa num ato “natural” é muitíssimo mais indecente do que o ato de tirar a roupa e espalhar as fezes pútridas num ambiente institucional repleto de pessoas. Apesar de admitir que o texto dela é um primor de escrita ideológica (com a qual compactuo em mais de um ponto), os argumentos factuais da articulista são truncados e equivocados: ela confunde “personagens” e artífices do evento, julga precipitadamente uma atitude que ela própria comete ao realizar uma exegese fílmica mui compenetrada do vídeo. Fiquei pensando: e se eu estivesse no banco? Será que eu filmaria aquilo ali também? Será que eu zombaria daquela mulher doente? Será que eu sentiria nojo, raiva ou pena? Não sei dizer, mas, antes de defender qualquer sobejo de naturalismo instintivo por parte da mulher que defecou no centro do salão de atendimento de um banco, acho que seja um traço cultural muito significativo da referida contemporaneidade a obsessão por transformar em imagens filmadas tudo o que nos cerca. Mais: se apenas me contassem que uma mulher defecou numa agencia bancária, talvez eu não acreditasse de todo neste absurdo. Eu precisei ver. Ainda mais: não apenas eu vi como precisei divulgar o vídeo – apesar de rústico, preconceituoso e mal-feito – a fim de demonstrar o meu espanto frente à denotação de que, para além do suposto enfrentamento de forças “naturais” e “culturais”, como aventou a articulista, o que não é visto no vídeo demonstra o que é realmente problemático no mesmo. Exemplo: se aquela mulher é, de fato, mentalmente transtornada, por que ela estava sozinha na agência? Além disso: por que deixaram que ela tirasse toda a roupa e tivesse tempo para eliminar seus bolos fecais? Mais do que exclamações, portanto, este vídeo, a sua feitura e a sua divulgação (por mim, inclusive) lança interrogações: e esse é o meu ponto de vista sobre o mesmo!

Wesley PC>

domingo, 11 de dezembro de 2011

ALGUNS "IGUAIS" PODEM SER MAIS DIFERENTES QUE OS OUTROS EM HOLLYWOOD?!

Eu sei que mais cedo ou mais tarde esse tipo de mixórdia me causará um dilema mais ferrenho, mas, se me perguntassem hoje, eu responderia que é ainda conciliável ouvir Avril Lavigne numa tarde e ler Bertolt Brecht na outra, ver um filme de Manoel de Oliveira no sábado e assistir a um daqueles romances hollywoodianos ‘água-com-açúcar’ no domingo seguinte... Pois foi exatamente isso o que me acaba de acontecer!

Se, ontem, eu e uma dupla de amigos mui queridos urrávamos de gozo risório diante de “A Divina Comédia” (1991), filme em que o hoje centenário diretor português mistura a Bíblia Sagrada com Friedrich Nietzsche e Fiodor Dostoievsky, hoje, domingo, depois de trabalhar por mais de 12 horas seguidas, eu assisti a um filme xaroposo que me encantou pelas sutis novidades conteudísticas de sua trama genericamente previsível. Não direi o nome do filme, mas creio que a trama que resumirei em seguida tornará o mesmo fácil de ser distinguido...

Não vi o começo do filme, posto que estava no trabalho, como disse, mas, do ponto que comecei a acompanhá-lo, num sessão dublada do Telecine Pipoca, um garoto traumatizado com a morte de seu irmão mais novo consente em trabalhar como zelador num cemitério, a fim de entrar em contato diuturno com seu fantasma. Evidentemente, ele é rechaçado pelos demais habitantes de sua cidade, mesmo sendo muito bonito fisicamente e, sendo solitário, lida bem com os fantasmas de entes queridos e com a masturbação. Até que, um dia, ele se apaixona... E o resto eu não posso mais contar.

Enquanto via o filme, enviava trocentas mensagens de celular para um rapaz que insisto em amar – por mais anticatólico que o extremismo de meu sentimento possa se tornar – comunicando-lhe que me surpreendia deveras com as situações de para-necrofilia no filme. Num diálogo absolutamente inusual, a rapariga alisa a pele nua do zelador de cemitério, depois de transar com ele sobre os túmulos, e percebe que ele é repleto de queimaduras. Ele conta que estas são derivadas dos repetidos choques que ele recebeu a fim de sobreviver quando estivera perto de morrer afogado no mesmo acidente que vitimou o seu irmão. Ela alisa novamente as tais queimaduras e assevera: “são lindas”. Ah, como eu quis estar no lugar dela neste momento...

À medida que o filme se aproxima do desfecho, seus intentos comerciais ficam mais evidentes, mas era tarde demais para me arrepender do encanto insuspeito: o filme é bonzinho, recomendo-o para ser visto por casais apaixonados e com gostos distintos no que tange às taxonomias arquetípicas entre gêneros sexuais moldados pelas convenções do capitalismo. Mas se pusessem novamente a arma em minha cabeça, eu naturalmente pediria para rever o clássico literário do Manoel de Oliveira: aquilo ali é quase uma obra-prima. E, talvez justamente por isso, não excluiu a minha necessidade de acompanhar também o que anda sendo produzido por Hollywood hoje em dia...

Wesley PC>