domingo, 29 de janeiro de 2012

UMA NOVA (E DELETÉRIA) MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA?

Conforme anunciado anteriormente, saí de casa para ver um bom filme na casa de um amigo e, quando retornava para o meu lar, encontrei um amigo que não vi faz tempo num terminal de ônibus. Conversamos sobre estresses pós-traumáticos, maconha associada a antidepressivos e, quando ele viu que eu estava com o livro “Economia Política da Internet”, do César Bolaño, nas mãos, perguntou como eu traduzia os ensinamentos adornianos para o contexto contemporâneo de explosão tecnológica. Respondi-lhe que, coincidentemente, esse era o tema do livro e debatemos sobre o assunto até que meu ônibus finalmente chegou e eu fui para casa.

Ao chegar, sou informado por minha mãe que o botijão de gás acabou. Comi um parco prato de comida gelada e sentei-me no sofá para estudar um pouco sobre o conceito habermasiano de “mudança estrutural da esfera pública”. A TV estava ligada e, como eu não queria prestar atenção em nada, deixei num canal-mosaico disponibilizado pela Via Embratel, que apresentava quatro câmeras simultâneas do programa Big Brother Brasil 12, exibido pela TV Globo e, obviamente, não assistido por mim. Volta e meia eu punha os olhos na TV e algo me chamava a atenção: fiquei assistindo ao desenrolar do tal programa até as 3 horas da madrugada. Cabem, portanto, algumas confissões sobre a minha ambígua e problemática relação com este programa.

Ao contrário de alguns intelectuais esbravejantes, eu evito me desgastar em vitupérios contra o programa. Condenável em sua essência e proposta, tenho uma raiva muito pessoal e direcionada contra ele em razão de seu estímulo hipócrita, comercial e setorial a alguns aspectos da escopofilia que, noutros contextos sociais não-midiáticos, são fortemente condenados. Sinto-me particularmente traído sempre que vejo alguém assistindo a este programa e irritado quando eu admito que espiono as pessoas tomando banho, por exemplo. Ou seja, apesar de detestar o programa, eu sou um de seus espectadores ideais, visto que sinto a necessidade de observar o comportamento alheio na integralidade de seus tempos mortos, inclusive. Como admito este paradoxo espectatorial o tempo inteiro, prefiro calar-me no que tange às obvias opiniões depreciativas sobre o mesmo. Até que me vejo refém da audiência como fiquei de ontem para hoje!

Conforme dito, fiquei acompanhando alguns lances do programa até as 3 horas da madrugada. Acordei às 9h e o meu primeiro impulso foi ligar a TV no mesmo canal para saber o que estava acontecendo. O canal-mosaico em pauta não faz parte do meu pacote de TV por assinatura, mas está liberado neste final de semana, a fim de liberar ou recriar tentações como esta que confesso agora. Jamais me atreveria a pagar por isso. Não porque eu não goste (abre e fecha aspas póstumas neste termo), mas porque, insisto, me sinto traído pelo conceito e pela execução do programa. Nos episódios conferidos durante as minhas três (ou mais) horas de audiência, pude sentir isso na pele: estava acontecendo uma festa. Diversos participantes paqueravam-se e rejeitavam-se entre si. Um deles estava enlouquecido por uma dada mulher, que, depois de dançar com ele por muito tempo, foi dormir, desdenhado de sua atenção erótica. Ele bate na porta do quarto dela, tenta convencê-la a conversar com ele, mas ela quer dormir. Ele fica emputecido de raiva, sai xingando-a em alto e bom som (“filha de uma puta. Quem ela pensa que é para mandar em mim?”) e se despe com violência. Fiquei animado (“ôba, vou ver um homem nu na TV!”), mas, de repente, nenhuma das quatro câmeras se dispôs a filmá-lo se despindo. A transmissão da imagem de seu quarto foi interrompida abruptamente e, de repente, duas das quatro câmeras mostravam exatamente o mesmo ponto de vista de outro local, onde outros participantes conversavam sobre futilidades do jogo. Momentos depois, uma câmera volta a acompanhar o tal participante, quando ele volta a bater no quarto da mulher dorminhoca, que desta vez consente em deixá-lo entrar. Conversam por alguns instantes, deitam-se, ela dorme, ele sai da cama, senta-se no chão (apenas de cueca), chora um tanto e, cinco minutos depois, enfia a mão em sua cueca, com o evidente intuito de masturbar-se e desafogar a sua fúria excitada. De repente, uma estridente campainha soa e interrompe tanto o ato dele quanto o sono dela. Foi aí que eu percebi: masturbação é proibida no programa!

Noutra situação, um dos participantes urina de porta aberta enquanto conversa com uma amiga, que o observa durante o ato. A campainha soa novamente, chamando a atenção deles. Ela percebe e comenta a proibição, de modo que ele fecha a porta com rapidez. A pseudo-naturalidade que é vendida no que tange a esta versão “fechada” do programa, em contraposição à montagem ficcional da versão em TV aberta, é puramente falaciosa. O programa é nojento, séptico, disfuncional, prejudicial, abominável em mais de um sentido. Mas, ainda assim, eu me via atraído por ele. Fiquei preocupado com isso, inclusive, por admitir isso e insistir nisso. Despertei e fui ler um pouco mais sobre a mudança estrutural da esfera pública no final do século XVII, tentando comparar as alegadas limitações teóricas da tese de Jürgen Habermas com as manifestações hodiernas do mesmo problema, em que a diluição das fronteiras discursivas entre público e privado deixa de ser um potencial fórum de debate crítico-racional para se render, com a comercialização maciça dos (produtos dos) meios de comunicação de massa, a apenas mais um domínio de consumo cultural, esvaziado de suas possibilidades societais e históricas mais amplas. A esfera pública de hoje é burra! E eu, em vez de estar dormindo, estava alimentando-a, dando-lhe trela, pervertendo-me. Assumo a minha culpa como componente gnosiológico-estatístico, portanto!

Wesley PC>

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