sábado, 18 de fevereiro de 2012

POR QUEM EU ESTOU TORCENDO...

“Um homem escreve porque é atormentado, porque duvida. Ele precisa constantemente provar a si mesmo e aos outros que é digno de algo”.

O trecho acima é atribuído aos escritores Arkadiy e Boris Strugatskiy, autores do romance que deu origem ao filme “Stalker” (1979, de Andrei Tarkovsky). Li o trecho por acaso, num ‘blog’ sobre “filmes nos quais ficamos pensando muito tempo após o final da sessão”, e me sentei para assistir a uma comédia irlandesa exibida na TV, enquanto comia o cuscuz com ovo e café que minha mãe havia me preparado. De repente, me percebo enfeitiçado pela inteligência sardônica do filme em pauta: “A Fortuna de Ned” (1998, de Kirk Jones), em que dois amigos idosos descobrem que um velhinho que mora isolado falecera ao descobrir que ganhara quase sete milhões de libras na loteria esportiva. Ansiosos para corrigir o que consideram uma injustiça do destino, eles resolvem convencer os 49 demais moradores da vila a colaborarem com eles no plano de fazer com que outra pessoa se passe pelo falecido e, assim, possam dividir igualmente a fortuna entre os 51 moradores ainda vivos do local. Uma velha sovina discorda da proposta, mas o que acontece com ela ou com os demais personagens não é tão importante agora: essencial é congratular o filme por seu surpreendente e intricado roteiro, que me deixou literalmente absorto em seus hilários estratagemas de coadunação defensiva a personagens fraudulentos. É o tipo de filme em que simpatia e imoralidade se confundem, lançando-nos numa teia reflexiva dúbia sobre as contradições éticas da contemporaneidade.

Enquanto via o filme, uma situação incômoda se desenrolava em minha casa: meu irmão caçula emprestara sua motocicleta recém-comprada (e ainda longe de ser paga) a um amigo bêbado e usuário de ‘crack’, que prometeu devolver o veículo poucas horas depois. O dia raiou, meu irmão não conseguiu dormir, ansiando pela devolução de sua motocicleta e a esposa do amigo dele liga irritada para minha casa, reclamando com minha mãe que meu irmão não deveria ter feito o que fez e que ela está prestes a ir prestar queixa sobre o sumiço de seu marido numa delegacia, visto que ele esquecera o telefone celular em seu local de trabalho, cujo proprietário está telefonando irritando porque ele ainda não compareceu para cumprir sua jornada empregatícia diária. Alheio a estes últimos detalhes, mas ansioso pela devolução de seu veículo, meu irmão perambula pelo conjunto em que moramos, em busca de seu amigo caloteiro, depois de ter chorado bastante de angústia na varanda de nossa casa, enquanto minha mãe se desespera com os problemas típicos que se anunciam neste início de feriado carnavalesco. E eu aqui, pensando nos efeitos legitimadores de minhas gargalhadas reativas ao ótimo filme irlandês que vi mais cedo. O pior é que nem sei por qual lado optar no afã que esta situação problemática se resolva logo: meu irmão continua chorando de desespero, minha mãe o acusa insistente e inutilmente de ter emprestado a motocicleta a um demente viciado, e a esposa do rapaz em pauta, com um filho pequeno ara criar, teme que ele tenha sofrido um acidente na estrada ou sido preso por tráfico de entorpecentes. Ao longe, escuto meu irmão falando ao celular: “não sei nem o que está acontecendo. Se ele morreu, se está vivo... O pior é que ele tem uma nêga, ali no final do conjunto, e nem ela sabe de nada!”. Já passou da hora de meu irmão ir trabalhar também e eu aqui, sem saber o que fazer para ajudar a minha família. Por isso, eu escrevo: porque duvido (de mim mesmo, inclusive)!

Wesley PC>

Um comentário:

Jadson Teles disse...

harrodE eu queimei a panela com mingau de aveia! que tudo se resolva logo... que desesperador...