sábado, 4 de fevereiro de 2012

“A SABEDORIA ENQUANTO TAL NOS REVELA O NEXO DAS COISAS COMO SENDO O VAZIO DELAS” (p. 204)

Como escreveria um amigo (ou alguém que eu desejaria que fosse), “terminei!”. Após uma semana complicada e derrotista, que fez com que eu me demorasse bastante nas 215 páginas de auto-atrapalhação do livro mostrado na foto, finalmente cheguei ao fim, de “Contra um Mundo Melhor: Ensaios do Afeto”, lançado em 2010 pelo filósofo e médico Luiz Felipe Pondé. E, francamente, apesar de algumas passagens mais inspiradas, o livro é um fiasco de tão ruim. Para piorar, o exemplar lançado pela editora Leya é entupido de erros de digitação, de concordância, de ortografia, uma vergonha literária segundo os padrões ético-formais que o autor finge combater desde o título. Mas quem sou eu para reclamar disso agora? Se eu li este livro com avidez (apesar da demora cronológica), motivos diversos contribuem para isso: primeiro, a afeição exaltada de um amigo íntimo heterossexual ao suposto pessimismo do autor; e segundo, a identificação eventual com alguns dos elementos de derrotismo que o Luiz Felipe Pondé enumera como corolários do ser humano. Sentia-me derrotado enquanto lia o livro. E, por sorte, a intenção dele não era me consolar:

Os minutos de beleza são fruto da coragem de resistir ao mundo que é mais afeito às baratas do que aos humanos. Uma beleza restrita aos desgraçados. Encanta-me uma ética que brote dessa desgraça.” (p. 143)

Ao longo dos artigos compilados neste livro, nem sempre coesos entre si, apesar da repetitividade de sua coerência, o autor se confessa relutante em diferenciar moral e ética, como o fazem outros filósofos, afirma que as ruínas do conhecimento e da liberdade, metaforizadas pelas figuras mitológicas das moiras, estão no fundo de tudo o que ele pensa, vitupera seu ódio contra as pessoas que freqüentam ou organizam “jantares inteligentes”, e, na última página, reconquista-me por alguns instantes ao se autodefinir como um ateu que passou para a condição de não-ateu (ainda que não necessariamente religioso) através da seguinte avaliação: “sou apenas alguém que, até hoje sem saber a razão, passou a ser constantemente visitado – no sentido mais comum que a expressão tem, por exemplo, na tradição do cristianismo ortodoxo – pela sensação de que o mundo é sustentando pelas mãos de uma beleza que é também uma presença que fala”. E isso é Deus!

Enviei uma frase do livro como mensagem de celular para quatro amigos do sexo masculino, minuciosamente escolhidos: um deles é alguém por quem sou apaixonado; o outro é alguém por quem eu me apaixonaria se me fossem ofertadas as devidas chances; o terceiro é alguém com quem pratico atividades parassexuais salvaguardadoras há quase uma década; e o quarto é o rapaz que comprou e me emprestou o livro, recém-divorciado e lidando com o fato de estar se envolvendo com uma mulher que periga repetir os mesmos erros e opressões capitalistas e conjugais de sua antiga esposa (ou até piorá-los, em minha avaliação pessoal intrometida). Apenas um dos destinatários respondeu à mensagem, defendendo mais uma vez o autor. No momento em pauta, eu via um filme do Eric Rohmer, sobre um pequeno-burguês moralista que não consegue lidar com a licenciosidade erótica de uma moça com quem convive numa casa de veraneio. Ele se apaixona por ela. Ela é apaixonada por praticamente todos os homens, ao mesmo tempo. Ele deseja que ela lhe seja exclusiva. Ela o abandona no meio de um passeio, para sair com outros rapazes. Ele resolve viajar para outro lugar. “Algumas pessoas passam mais de 40 anos trabalhando para conseguirem uma vida de lazer. Quando finalmente a conseguem, estão tão cansadas e perdidas, que não sabem o que fazer com ela”, diz o protagonista. Eu receio concordar. Por isso, mesclo prazer e trabalho numa mistura que nem sempre é socialmente palatável para outrem.

Tudo isso me conduz a um parágrafo derradeiro em que eu admito o porquê de este livro ter me afetado de alguma forma, para além de seus evidentes defeitos formais: apesar de o autor ser um mulherengo que recai muitas vezes em julgamentos senso-comunais sobre as pessoas senso-comunais, duas formulações geniais de sua ética individual me chamaram a atenção. Na primeira delas, ele prediz: “sempre parto do princípio de que serei um derrotado ao final, pouco importa o que eu faça. Nesse sentido, a autoconfiança tem em mim o mesmo efeito dos odores que emanam dos corpos dos necrotérios: o cheiro de um sonho risível de futuro” (p. 137). Como já deve ser sabido de todos os que acompanham este ‘blog’, este apotegma tem muito a ver comigo, não apenas num sentido genérico como também em reação a um mote bastante específico: recentemente eu participei da seleção trifásica de um programa de Mestrado. Na primeira fase, a prova escrita, tirei as maiores notas de toda a turma. Fui o único dos inscritos a receber uma nota 10,0 de um dos avaliadores. Entretanto, nas duas fases seguintes, fui tripudiado: na segunda fase, a avaliação do projeto, disseram que o meu tema (“vendabilidade e contestação política nos filmes produzidos pela Boca do Lixo na primeira metade da década de 1980”) não se filiava às linhas de pesquisa do mestrado; e, na terceira fase, a entrevista, fui tripudiado, não de todo injustamente, já que me confundi bastante na justificativa de minha adesão metodológica a parâmetros feyerabendianos. Em suma, me estrepei, caí do cavalo, o que me conduz diretamente à segunda formulação do autor, esta sim, prenhe de consolo: “quando falamos em ciências humanas – ciências quase inúteis e de resultados dúbios –, o mérito então desaparece e, em seu lugar, resta mediocridade, corporativismo, repetições que mimetizam produtividade em termos numéricos e quantificáveis. Tudo a serviço de disputas miseráveis dos pequenos poderes institucionais” (p. 178). E, com todo o fervor passional que ainda existe em meu coração acadêmico, dedico tudo o que é sentimentalmente evocado nesta postagem aos quatro amigos do sexo masculino a quem direcionei a mensagem de celular anteriormente descrita. Não mencionarei seus nomes aqui, mas eles sabem quem são. Ah, eles sabem. Não é à toa que eu os amo, aliás! A cada um dos quatro, como se eu próprio fosse uma personagem feminina do Eric Rohmer...

Wesley PC>

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